EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 41.703/2015
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de empregos de provimento em comissão previstos no Anexo III da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do Município de Elias Fausto.
2)
Empregos
de provimento em comissão sem descrição das
respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres,
dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Violação do princípio
da reserva legal (arts. 111, 115, incisos I, II e V, e 144, CE/89).
3)
Emprego
de provimento em comissão de Consultor Jurídico. As atividades de advocacia
pública e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também
recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
4)
Gratificação
prevista no art. 35, da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do Município de
Elias Fausto. Autorização para o Poder Executivo conceder, aos servidores
ocupantes de função gratificada, acréscimo salarial de até 100% (cem por
cento). Norma que confere indiscriminado aumento indireto e dissimulado da
remuneração, estando alheada aos parâmetros de razoabilidade, interesse público
e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens
pecuniárias aos servidores públicos. A concessão de gratificação a servidores
públicos, por meio de Delegação ao Chefe do Poder Executivo, viola os
princípios da legalidade e da separação dos poderes (arts. 5º, 111, 128 e 144,
CE/89).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda
no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 41.703/2015,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 35 e
do Anexo III, da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, e do art. 3º, da Lei nº
1.982, de 12 de junho de 1995, ambas do Município de Elias Fausto, pelos
fundamentos expostos a seguir:
1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta
de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de desmembramento do
Protocolado PGJ nº 142.105/14, que apurava omissão legislativa no que tange a
fixação de percentual mínimo para o provimento de cargos em comissão no
Município de Elias Fausto (fl. 02).
Estabelece a Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do
Município de Elias Fausto, na parte que interessa:
“(...)
Art. 35 – Fica
o Poder Executivo autorizado a conceder aos servidores que vierem a desempenhar
Função Gratificada, na forma do artigo anterior, um acréscimo salarial de até
100% (cem por cento), incidente sobre o respectivo padrão do servidor designado.
Parágrafo único
– O pagamento do acréscimo salarial decorrente do exercício de Função
Gratificada, será realizado em parcela destacada.
Art. 36 – Ficam criados os Empregos em Comissão, de livre nomeação e exoneração do Executivo, cujas denominações, números, símbolos e graus, encontram-se fixados no Anexo III, que fica fazendo parte integrante e inseparável desta lei.
(...)
ANEXO III
TABELA ÚNICA
QUADRO DE
EMPREGOS EM COMISSÃO
PREFEITURA
MUNICIPAL DE ELIAS FAUSTO
Nº |
DENOMINAÇÃO |
SIMB. |
VALOR |
01 |
Secretário Geral |
C-1 |
98.893,32 |
01 |
Chefe de Gabinete |
C-1 |
98.893,32 |
10 |
Diretor de Departamento |
C-2 |
95.445,83 |
01 |
Consultor Jurídico |
C-3 |
71.042,14 |
03 |
Atendente de Gabinete |
C-6 |
44.395,55 |
05 |
Oficial de Gabinete |
C-5 |
65.685,29 |
01 |
Secretário de Gabinete |
C-4 |
67.671,23 |
(...)”
Por sua vez, a Lei nº
1.982, de 12 de junho de 1995, do Município de Elias Fausto, em seu art. 3º acrescentou:
“(...)
Art. 3º - Ficam criados os empregos em Comissão de Comandante da Guarda Municipal, Símbolo C-1 e de Subcomandante da Guarda Municipal, Símbolo C-5, no QUADRO DE EMPREGOS EM COMISSÃO, constantes no Anexo III, da Lei 1751, de 28 de Junho de 1991.
(...)”
O ato normativo transcrito – na parte em que criou os
empregos de provimento em comissão de Secretário
Geral, Chefe de Gabinete, Diretor de Departamento, Consultor Jurídico, Atendente de Gabinete, Oficial de Gabinete e Secretário de Gabinete, previstos no
Anexo III da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do Município de Elias
Fausto, bem como de Comandante da Guarda
Municipal e Subcomandante da Guarda
Municipal, acrescentados pelo art. 3º da Lei nº 1.982, de 12 de junho de
1995, do Município de Elias Fausto – é inconstitucional por violação dos arts.
111, 115, incisos I, II e V, e 144 da Constituição Estadual.
Em relação ao emprego de
Consultor Jurídico, por desenvolver
atividade de advocacia pública, é reservado a profissional também recrutado
pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
Por fim, a gratificação prevista no art. 35, da
Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do Município de Elias Fausto viola os
arts. 5º, 111, 128 e 144, da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
2.
DA FALTA DA DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
Não há descrição das
atribuições dos empregos em comissão de Secretário
Geral, Chefe de Gabinete, Diretor de Departamento, Consultor Jurídico, Atendente de Gabinete, Oficial de Gabinete e Secretário de Gabinete, previstos no
Anexo III da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do Município de Elias
Fausto, bem como de Comandante da Guarda
Municipal e Subcomandante da Guarda
Municipal, acrescentados pelo art. 3º da Lei nº 1.982, de 12 de junho de
1995, do Município de Elias Fausto.
Tal omissão vulnera o
princípio da legalidade ou reserva legal e o art. 115, incisos I, II e V da
Constituição Estadual, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da
Carta Estadual.
Com efeito, o princípio
da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de
qualquer função pública lato sensu
(cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e
emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades
determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por
lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma
pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente
conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou
empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva
legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade
absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo
mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas
atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições
porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia
Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507;
Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Neste sentido, é ponto
luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei
específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Somente a partir da
descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do
funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a
completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de
exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em
nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os
direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da
forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade,
moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.
Nem se alegue, por
oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para
descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a
invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de
regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não
significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar
atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e
forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição
Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem
lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém
normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de
prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e
agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos,
somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b,
Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins
de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).
Com maior razão a
exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento
em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese
normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o
comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto,
somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e
não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos
cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas
atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom
funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao
delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.
Sobre o tema esse
Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte
ementa:
“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)
3.
DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA
A atividade de advocacia pública, inclusive a
assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas
chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.
É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.
Este modelo deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
Assim, a natureza técnica profissional do emprego de Consultor Jurídico, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o emprego seja de provimento em comissão.
4.
DA GRATIFICAÇÃO E A VIOLAÇÃO AOS ARTS. 111 E 128 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL
A gratificação prevista no art. 35, da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do Município de Elias Fausto, é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
(...)”
Sabe-se que as vantagens pecuniárias são acréscimos
permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo
adicionais e gratificações.
Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de
serviço (ex facto temporis) ou
retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao
cargo (ex facto officii), a
gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em
condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da
atividade – propter laborem) ou
retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles.
Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449;
Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed.,
p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo:
Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].
Se tradicional ensinamento assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue
da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor,
ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina
burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições
anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que
agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito
Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452),
agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas
do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...)
dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais
idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das
características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais
gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois
servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a
benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).
Ou seja, os adicionais são compensatórios dos
encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa
ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados
em condições extraordinárias. Com efeito, “se
o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma
função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço
(propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições
especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos,
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85).
Oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não
são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras
liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se
justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes
Gasparini. Direito Administrativo,
São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).
As gratificações são precária e contingentemente
instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de
segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de
ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A
gratificação de serviço é propter laborem
e “é outorgada ao servidor a título de
recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições
incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas
extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em
condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232),
albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços
extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou
da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).
É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um
serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma
situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o
servidor”, razão pela qual “essas
gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o
serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo
e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os
motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de
seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito
Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp.
457-458).
Na espécie, houve transgressão aos princípios da
moralidade e da impessoalidade, cunhados no art. 111 da Constituição Paulista.
O esquema normativo impugnado fornece ao Chefe do
Poder Executivo ampla e excessiva discricionariedade, permitindo-lhe aquinhoar,
por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse público
primário, servidores credores das gratificações com valores variáveis, pessoais
e individualizados que não se amoldam às exigências da moralidade e
impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que são
permeáveis a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade,
imparcialidade, igualdade e impessoalidade.
Na compreensão do princípio da impessoalidade está,
entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios
desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a
sua finalidade.
Desta forma, o ato normativo impugnado possibilita ao
Chefe do Poder Executivo atribuir valores (referentes às gratificações) sem
qualquer critério objetivo ou por critérios sigilosos ou subjetivos, expondo a
Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e,
sobretudo, distantes do interesse público primário.
Posto isso, o art. 35, da Lei nº 1.751, de 28 de
junho de 1991, do Município de Elias Fausto, deve ser declarado
inconstitucional, uma vez que contraria os artigos 111 e 128 da Constituição
Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.
Além disso, o ato normativo contraria o princípio da
razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade
legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos
Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.
Por força desse princípio é necessário que a norma
passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, vale dizer, que ela seja: (a)
necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b)
adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar);
e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus
dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a
alcançar).
A gratificação ora questionada não passa por nenhum
dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade
da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos
agentes públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por
consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é
desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiro que naturalmente
se mostra excessivo e inadmissível, tendo em vista que não acarretará benefício
algum para a Administração Pública.
Manifesta-se claramente o desrespeito ao princípio da
razoabilidade, pela desnecessidade de previsão normativa e por sua inadequação
do ponto de vista do Poder Público, bem ainda pela falta de proporcionalidade
em sentido estrito, ao criar encargos que não se justificam.
Ademais, o dispositivo impugnado dispõe que a gratificação
será concedida a critério do Poder Executivo.
Os vencimentos dos servidores públicos devem ser
fixados em lei específica, assim como as vantagens pecuniárias, até porque accessorium sequitur principale.
De qualquer modo, nessa compreensão, incluem-se as
vantagens pecuniárias e seus respectivos valores porque a dimensão da reserva
de lei – da tradição jurídico-constitucional brasileira (art. 15, n. 17,
Constituição de 1824; art. 34, n. 24, art. 72, n. 32, Constituição de 1891;
art. 65, IV, Constituição de 1946; arts. 43, V, e 57, II, Constituição de 1967;
art. 37, X, Constituição de 1988) – abrange quaisquer espécies remuneratórias
e, aliás, quaisquer estipêndios pagos pelo poder público sob qualquer rubrica,
alcançando acréscimos e vantagens pecuniários, indenizações, auxílios, abonos
que só podem ser concedidos por ato normativo da exclusiva alçada do Poder
Legislativo, pois a ele compete a integralidade da disciplina da matéria.
Ubi
eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: se à lei é reservada,
com exclusividade, a função de fixação da remuneração do servidor público,
inclusive de seu valor, pela mesma razão, pertence-lhe fixar adicional ou da
gratificação e seu valor (ainda que fracionário ou percentual e até com
diferenciações em razão do cargo situar-se em maior ou menor grau de
hierarquia, de complexidade etc.), sob pena, inclusive, de inviabilidade do
planejamento e da execução orçamentária (art. 169, Constituição Estadual).
Houve, portanto, ofensa aos princípios da separação
dos poderes e da legalidade descritos no art. 5º da Constituição do Estado,
pois o dispositivo impugnado autoriza, a critério do Chefe do Executivo, a
fixação do percentual da gratificação, até o limite máximo de 100% (cem por
cento).
Em torno do tema, o Supremo Tribunal Federal
prestigia a prevalência da reserva legal na remuneração dos servidores públicos
e sua indelegabilidade:
“O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).
“Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções n.ºs 26, de
22/12/94; 15, de 23/10/97, e 16, de 30/10/97, todas do Tribunal de Justiça do
Estado do Espírito Santo, havendo a primeira criado a gratificação de
representação, correspondente a 40% do valor global atribuído a diversos
cargos, estendendo-a, inclusive, aos inativos que se aposentaram em cargos de
igual denominação ou equivalente. 2. Alegação de ofensa a funções privativas
dos Poderes Legislativo e Executivo. 3. Medida cautelar deferida e suspensa,
com eficácia ex nunc, a eficácia das Resoluções impugnadas. 4. Procedência da
alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo,
eis que há necessidade de lei em sentido formal para a criação de vantagens
pecuniárias a servidores do Poder Judiciário.
Perfilhando esta orientação, merece destaque
julgamento deste egrégio Tribunal de Justiça cuja ementa é a seguinte:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Ato normativo municipal que confere ao Chefe do Poder Executivo a possibilidade de, mediante portaria e a seu alvedrio, conceder gratificações de 20 e até 100% sobre os vencimentos dos servidores – Violação da cláusula da reserva legal, visto que somente por lei, em sentido formal, podem ser fixadas gratificações e vantagens – Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal – Preceito normativo que, ademais, vulnera a moralidade, o princípio da impessoalidade e da razoabilidade – Ofensa aos artigos 5º, 24, § 2º, nº 1, 111, 115, XI, todos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios ex vi o artigo 144 da mesma Carta – Inconstitucionalidade do § 1º do artigo 5º da Lei nº 3.122 do Município de Cruzeiro reconhecida – Inconstitucionalidade também do § 2º do mesmo preceito por arrastamento – Ação procedente” (TJSP, ADI 169.057-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, 28-01-2009, v.u.).
Destarte, impõe a declaração de inconstitucionalidade
do art. 35, da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, do Município de Elias
Fausto.
5.
DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 35 e do Anexo III,
da Lei nº 1.751, de 28 de junho de 1991, e do art. 3º, da Lei nº 1.982, de 12
de junho de 1995, ambas do Município de Elias Fausto.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Elias Fausto, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o
ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 06 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm
Protocolado nº 41.703/2015
Assunto: Apurar
eventual inconstitucionalidade do art. 35 da Lei Municipal n. 1751/91, bem como
dos cargos em comissão nela previstos, bem como das Leis Municipais n.
1.982/1995 e 16/2006, para análise e providências cabíveis.
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face do art. 35 e do Anexo III, da Lei nº 1.751, de
28 de junho de 1991, e do art. 3º, da Lei nº 1.982, de 12 de junho de 1995,
ambas do Município de Elias Fausto, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 06 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm