Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 74.989/15

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Expressão “jurídica” constante do art. 5º-A, da Resolução n. 02/05, na redação dada pelo art. 4º, da Resolução n. 01/15, ambas da Câmara Municipal de Atibaia. Descrição das atribuições do cargo comissionado de Diretor de Planejamento Institucional. Exigibilidade de provimento efetivo para postos inerentes à Advocacia Pública. 1. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. 2. Constituição Estadual: artigos 30; 98 a 100; 111; 115, II, V; e 144.

 

                       

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (74.989/15), vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “jurídica” constante do art. 5º-A, da Resolução n. 02, de 14 de março de 2005, na redação conferida pelo art. 4º, da Resolução n. 01, de 13 de abril de 2015, ambas da Câmara Municipal de Atibaia, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

1.                A Resolução n. 01, de 13 de abril de 2015, da Câmara Municipal de Atibaia, criou o cargo comissionado de Diretor de Planejamento Institucional, senão vejamos:

“Art. 2º - Fica criado o cargo em comissão de Diretor de Planejamento Institucional, que passa a integrar a organização administrativa básica da Câmara Municipal da Estância de Atibaia, cuja descrição e atribuições são as constantes do Anexo I desta Resolução.

§ 1º - O cargo em comissão criado por esta Resolução será provido por livre nomeação e exoneração da Presidência.” (g.n.)

2.                Por sua vez, em seu art. 4º, a Resolução n. 01/15 conferiu nova redação ao art. 5º-A, da Resolução n. 02, de 14 de março de 2005, da Câmara Municipal de Atibaia, descrevendo as atribuições do referido cago em comissão, nos seguintes termos:

“Art. 4º - A Resolução nº. 02/2005 passa a vigorar acrescida do seguinte artigo 5º-A:

‘Art. 5º-A – O Diretor de Planejamento Institucional é cargo que se destina a coordenar, supervisionar e dirigir atividades administrativas da Câmara assessorando ao Presidente da Mesa Diretiva, na tomada de decisões quanto aos assuntos referentes a sua área de atuação, no que tange as atividades administrativa, legislativa e jurídica, tendo por finalidade, planejamento institucional através de ações coordenadas, integradas e orientadas, direção, supervisão, controle, organização, avaliação e aperfeiçoamento do órgão, assessorando a Presidência e a Mesa Diretiva, tendo suas atribuições descritas no Anexo II desta Resolução.’

(...)” (g.n.)

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

3.                A expressão “jurídica” constante do art. 5º-A, da Resolução n. 02/05, na redação conferida pelo art. 4º, da Resolução n. 01/15, ambas da Câmara Municipal de Atibaia, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

4.                Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

5.                A norma contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Artigo 30 - À Procuradoria da Assembleia Legislativa compete exercer a representação judicial, a consultoria e o assessoramento técnico-jurídico do Poder Legislativo.

Parágrafo único - Lei de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa organizará a Procuradoria da Assembleia Legislativa, observados os princípios e regras pertinentes da Constituição Federal e desta Constituição, disciplinará sua competência e disporá sobre o ingresso na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos.

(...)

Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

(...)

Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

VII - propor ação civil pública representando o Estado;

VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.

Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

III – IMPOSSIBILIDADE DE PROVIMENTO COMISSIONADO PARA CARGO OU EMPREGO DA ADVOCACIA PÚBLICA

6.                Conforme demonstrado anteriormente, o art. 5º-A, da Resolução n. 02/05, da Câmara Municipal de Atibaia, na redação conferida pela Resolução n. 01/15, utilizou a expressão “jurídica” ao descrever as atribuições do cargo comissionado de Diretor de Planejamento Institucional.

7.                Todavia, as atividades inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação jurídica de entidades ou órgãos públicos são atribuições de natureza profissional e técnica e exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público.

8.                É o que se infere dos arts. 30, e 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.

9.                Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público, inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes, o que é reverberado pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

10.              Portanto, é incompatível o provimento comissionado com a advocacia pública, de modo a revelar a inconstitucionalidade da expressão “jurídica” constante do art. 5º-A, da Resolução n. 02/05, na redação conferida pelo art. 4º, da Resolução n. 01/15, ambas da Câmara Municipal de Atibaia.

IV – Pedido liminar

11.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais da Câmara Municipal de Atibaia apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil reparação.

12.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação da expressão “jurídica” constante do art. 5º-A, da Resolução n. 02/05, na redação conferida pelo art. 4º, da Resolução n. 01/15, ambas da Câmara Municipal de Atibaia.

V – Pedido

13.              Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “jurídica” constante do art. 5º-A, da Resolução n. 02, de 14 de março de 2005, na redação conferida pelo art. 4º, da Resolução n. 01, de 13 de abril de 2015, ambas da Câmara Municipal de Atibaia.

14.              Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Atibaia, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

         Termos em que, pede deferimento.

                         São Paulo, 15 de julho de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj/dcm

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 74.989/15

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da expressão “jurídica” constante do art. 5º-A, da Resolução n. 02, de 14 de março de 2005, na redação conferida pelo art. 4º, da Resolução n. 01, de 13 de abril de 2015, ambas da Câmara Municipal de Atibaia, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.      Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 15 de julho de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj/dcm