EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 37.338/2015

 

 

 

Ementa:

1.      Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 5.056, de fevereiro de 2015, do Município de Barretos, que revogou o art. 2º, da Lei nº 4.446, de 29 de novembro de 2010.

2.      Violação do Princípio da Proibição de Retrocesso.  A proibição legal de realização, no Município em questão, de qualquer tipo de prova de laço e/ou vaquejada teve por escopo tutelar a saúde e o bem estar dos animais a ela submetidos, vale dizer, a proteção da fauna brasileira (art. 193, X, da Constituição Estadual).

3.      Ao revogar tal dispositivo, a lei impugnada retrocedeu no sistema de proteção ambiental. O Princípio do Não Retrocesso Ambiental constitui um verdadeiro princípio geral constitucional do direito ambiental, uma vez que tem por objetivo salvaguardar os progressos obtidos, a fim de evitar a deterioração do ambiente, sendo inadmissível o retrocesso, visto que isso implicaria em ameaça à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 5.056, de fevereiro de 2015, do Município de Barretos, pelos fundamentos que passa a expor:

 

 

1.                DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial e a cujas folhas reportar-se-á foi instaurado em face de representação da 3ª Promotoria de Justiça de Barretos (fl. 02).

A Lei nº 5.056, de fevereiro de 2015, do Município de Barretos, tem a seguinte redação:

“ART. 1.º      -        Fica revogado o artigo 2.º, da Lei n.º 4.446, de 29 de novembro de 2010.

ART. 2.º        -        Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

O art. 2º, da Lei n.º 4.446, de 29 de novembro de 2010, que “Dispõe sobre as normas para a realização de rodeios no âmbito do Município de Barretos e dá outras providências”, tinha, por sua vez a seguinte redação:

“ART. 2.º      -        Fica expressamente vedada a realização de qualquer tipo de prova de laço e/ou vaquejada”.

O ato normativo transcrito padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2.     O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

Os dispositivos legais impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

Os dispositivos em comento encontram-se em dissonância com os seguintes preceitos da Carta Bandeirante:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição

(...)

Artigo 193 - O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade, com o fim de:

(...)

X - proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos;

(...)”

3.     Da inconstitucionalidade

O constituinte originário, quando esquadrinhou as linhas inaugurais da vigente ordem constitucional, estabeleceu nesse novel arcabouço normativo uma gama de direitos cuja observância seria fundamental ao equilíbrio de interesses oriundos dos mais variados segmentos sociais do Estado brasileiro, buscando, assim, concretizar os objetivos estabelecidos em seu texto, em especial o de promover o bem de todos (art. 3º, IV, da CF).

Nesse diapasão, portanto, visualiza-se, no decorrer do texto magno de 1988, mandados constitucionais de proteção a serem observados por todos os entes federativos da república brasileira, dentre os quais se destaca, para os fins perquiridos nesta ação direta, a proteção constitucional ao meio ambiente (art. 225 e seguintes, da Constituição Federal), bem como à fauna, cuja competência legislativa é concorrente entre a União e os Estado-membros (art. 24, VI, da CF).

Ex vi do disposto no art. 225, da CF, cujo teor, em linhas gerais, fora reproduzido no decorrer do Capítulo IV, da Seção I, da Carta Paulista, a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado é imperiosa à existência do Estado brasileiro, pois sua defesa se revela essencial à qualidade de vida das gerações presentes e futuras, devendo tanto o Poder Público, como a coletividade zelar pela defesa desse interesse difuso.

Aliás, não por menos a proteção do meio ambiente está incluída no Título VIII da CF/88 (Ordem Social), sendo rememorada, outrossim, no Título VII (Ordem Econômica).

Partindo-se da premissa segundo a qual se revela impossível a perpetuação da espécie humana dissociada dos recursos naturais e espécies biológicas presentes na natureza, a tutela do meio ambiente se torna assaz relevante ao próprio corpo social, de sorte que o constituinte procedeu com exímia diligência ao insculpir em sua moldura normativa a proteção do bem jurídico em questão, devendo sua guarida, assim, ser necessariamente promovida, sob pena de contrariedade ao anseio de seu criador.

Importante ressaltar, por oportuno, que o E. STF já se posicionou nesse sentido em inúmeros julgados, o que revela a envergadura constitucional da tutela em exame. Apenas para clarificar a importância da proteção ambiental, colacionam-se alguns julgados da lavra da Suprema Corte, verbis:

"O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade." (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, Plenário, DJ de17-11-1995.)

"Meio ambiente – Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) – Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade – Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade – Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais – Espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III) – Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente – Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei – Supressão de vegetação em área de preservação permanente – Possibilidade de a administração pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial – Relações entre economia (CF, art. 3º, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF, art. 225) – Colisão de direitos fundamentais – Critérios de superação desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes – Os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) – A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) – Decisão não referendada – consequente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas." (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-2005, Plenário, DJ de 3-2-2006.)”

Pois bem.

Dentre os segmentos de proteção ambiental elencados pelo texto constitucional, lembrando que a tutela em exame não se restringe aos elementos naturais presentes no mundo fenomênico, mas também engloba outros variados segmentos, como o cultural, laboral e artificial, embora nesta ação direta tratar-se-á apenas do aspecto natural de proteção ambiental, cumpre no momento trazer à baila a guarida constitucional atribuída à fauna brasileira.

Conforme dispõe o art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, reproduzido com maior detalhamento no art. 193, X, da Constituição Estadual, é dever de todos proteger a fauna nacional, vedadas quaisquer condutas que atentem contra o aludido objeto de proteção. Vejamos:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Artigo 193 - O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade, com o fim de:

(...)

X - proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos;”

Ou seja, é visível a preocupação das Cartas Federal e Estadual com a proteção da fauna da terrae brasilis, não fazendo distinção se silvestres, exóticos ou domésticos, sendo defeso qualquer ato que prejudique sua função ecológica, promova sua extinção ou a submeta a tratamento cruel, uma vez que, reflexamente, estar-se-ia a atentar contra o próprio sistema ambiental, caracterizado pela sinergia entre seus elementos componentes, cada qual com um respectivo papel de relevância nessa complexo conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Aliás, a necessidade da tutela desses seres se revela tão imperiosa ao complexo sistema normativo ambiental que a E. Corte Suprema, em reiterados julgamentos, firmou precedente no sentido de se obstar qualquer conduta dissonante do imperativo constitucional ora invocado, vide o teor das ementas destacadas:

“A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do art. 225 da CF, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’." (RE 153.531, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-6-1997, Segunda Turma, DJ de 13-3-1998.)

“A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. - Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (“gallus-gallus”). Magistério da doutrina. (...)” (ADI 1.856, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-05-2011, Plenário, DJ de 14-10-2011.)”

Desse último julgado, aliás, extrai-se lição tão profícua aos anseios desta propositura, principalmente pela erudição de seu relator ao tratar sobre a temática, que se pede vênia para transcrever excertos subtraídos de seu v. acórdão:

“(...)

Vê-se, daí, que o constituinte objetivou, com a proteção da fauna e com a vedação, dentre outras, de práticas que “submetam os animais a crueldade”, assegurar a efetividade do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral, consoante ressalta o magistério doutrinário (CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 20/23, item n. 4, 6ª ed., 2005, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 21/24, itens ns. 2 e 3, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros; JOSÉ ROBERTO MARQUES, “Meio Ambiente Urbano”, p. 42/54, item n. 4. 2005, Forense Universitária, v.g.).

Importante assinalar, neste ponto, que a cláusula inscrita no inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição da República, além de veicular conteúdo impregnado de alto significado ético-jurídico, justifica-se em função de sua própria razão de ser, motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais.

Resulta, pois, da norma constitucional invocada como parâmetro de confronto (CF, art. 225, § 1º, VII), o sentido revelador do vínculo que o constituinte quis estabelecer ao dispor que o respeito pela fauna em geral atua como condição inafastável de subsistência e preservação do meio ambiente em que vivem os próprios seres humanos.

Evidente, desse modo, a íntima conexão que há entre o dever ético-jurídico de preservar a fauna (e de não incidir em práticas de crueldade contra animais), de um lado, e a própria subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de outro.

Cabe reconhecer, portanto, Senhor Presidente, o impacto altamente negativo que representaria, para a incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos, a prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna, seja colocando em risco a sua função ecológica, seja provocando a extinção de espécies, seja, ainda, submetendo os animais a atos de crueldade.

(...)

Impende assinalar que a proteção conferida aos animais pela parte final do art. 225, § 1º, inciso VII, da Constituição abrange, consoante bem ressaltou o eminente Ministro CARLOS VELLOSO, em voto proferido, em sede cautelar, neste processo, tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto constitucional, em cláusula genérica, vedou qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade.” (grifo nosso)

Ora, no referido caso levado à apreciação da Corte Constitucional, a leitura feita do art. 225, § 1º, VII, da CF por seus ministros é tão clara em favor da proteção do direito em jogo, que se faz despiciendo tecer maiores considerações voltadas a seu patrocínio.

Conforme indicou o E. STF, comportamentos atentatórias aos direitos dos animais, ainda que de lesividade mínima ou lastreados em fundamentos estritamente antropocêntricos, não mais encontram complacência em nossa res pública, porquanto a natureza a ninguém pertence, é bem difuso, direito de todos, sendo defeso, por conseguinte, o assenhoramento do destino desses seres vivos, independente do embasamento invocado em sua defesa.

Assim, se o cerne da questão reside na possibilidade de adequação do ato normativo impugnado ao desiderato constitucional protecionista, a partir das considerações anteriormente esposadas, não pode ser patrocinado outro entendimento, senão o de que o mesmo é incompatível com o texto constitucional.

Verifica-se, na hipótese em análise, que ao revogar o art. 2º da Lei nº 4.446/2010, ficou permitido, no Município de Barretos, a realização de provas de laço e/ou vaquejada.

Segundo o conteúdo da enciclopédia livre Wikipédia:

“A Vaquejada é uma atividade recreativa-competitiva com características de esporte do Nordeste brasileiro, no qual dois vaqueiros a cavalo têm de alinhar o animal (boi) até emparelhá-lo entre os cavalos e conduzi-lo ao objetivo (duas últimas faixas de cal do parque de vaquejada), onde o animal deve ser derrubado. Muito popular na segunda metade do século XX, passou a ser questionada a partir da década de 2010 por ativistas dos direitos dos animais em virtude dos maus tratos aos bois, que muitas vezes têm o rabo arrancado ou sofrem fraturas na queda.” (Sítio eletrônico: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vaquejada. Consulta em 17/07/2015).

De outro lado, as provas de laço, conhecidas por team roping, cal roping, eu-down roaping, laçada de bezerro e laço em dupla,  são aquelas nas quais ganha o participante que em menor tempo consiga laçar e amarrar as patas do animal que, muitas vezes, conta poucos meses de vida, suportando além de estresse, dor física, possibilidade de danos físico e até morte.

A inovação no ordenamento jurídico do Município é absolutamente dissonante do atual estágio constitucional de nossa república, demonstrando flagrante retrocesso ao sistema de proteção determinado pela norma constitucional e que havia sido observado pelo Município.

Importante ressaltar que a norma do art. 2º, da Lei nº 4.446/2010, decorreu da sensibilidade e convencimento dos legisladores municipais acerca de questão debatida há muito tempo, desde 2003,  entre o Ministério Público e organizadores da famosa Festa do Peão no Município de Barretos (fls. 09/11, 18/20).

Se a jurisprudência remansosa do E. STF veda qualquer conduta que ponha em risco, ainda que minimamente, a integridade física de animais em território nacional, a exemplo do que ocorreu nos casos levados à Suprema Corte relacionados a “rinhas de galo” e “farra do boi”, é evidente que permissivo legislativo direcionado a permitir determinadas provas de rodeio, outrora proibidas para a tutela da saúde física e psíquica dos animais, sem que houvesse um elemento justificador plausível, revela flagrante retrocesso e inconstitucionalidade, por violação ao art. 193, X, da Constituição Estadual.

A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade do equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais são dotados de uma estrutura orgânica que lhes permite sofrer, sentir dor. Vale dizer, são seres sencientes. A rejeição a tais atos, aflora, na verdade, dos sentimentos de justiça, de compaixão, de piedade, que orientam o ser humano a repelir toda e qualquer forma de mal radical, evitável sem justificativa razoável.

A permissão à realização de provas de laço e/ou vaquejadas no Município de Barretos representa evidente violação ao princípio constitucional da PROIBIÇÃO DE RETROCESSO que, no dizer de Carlos Alberto Molinaro (Direito ambiental: proibição de retrocesso, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 100.), “é o sintagma proposicional de todos os demais princípios do direito ambiental”.

E não pode haver dúvida: é inconstitucional por violação também ao art. 193, da Constituição Estadual, que exige a criação de um sistema de proteção à fauna, nela compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedando práticas que os submetam à crueldade.

Já criado no Município, conhecido em todo o país, pela sua Festa do Peão de Boiadeiro, um sistema legal de proteção aos animais nele envolvidos, a revogação de normas de tutela dos animais, configura violação ao Princípio da Proibição de Retrocesso, brilhantemente exposto por Mário De Conto (“O princípio da proibição de retrocesso social: uma análise a partir dos pressupostos da hermenêutica filosófica”, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, pp. 146-147):

“A vinculação exercida pelo Princípio da Proibição de Retrocesso Social é inerente a toda a atividade estatal. O Poder Legislativo, em decorrência da idéia de uma Constituição Dirigente, tem consideravelmente diminuída sua liberdade de conformação, que fica adstrito ao texto constitucional. O Poder Executivo, igualmente, em face da postura intervencionista do Estado, do respeito aos Direitos Fundamentais e da observância do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, tem sua conduta vinculada ao texto constitucional. E, finalmente, ao Poder Judiciário cabe, nessa trilha, exercer um intervencionismo substancialista, no sentido de que os Direitos Fundamentais Sociais sejam realizados, procurando diminuir o déficit existente entre a realidade social e as promessas da modernidade não cumpridas, declarando inconstitucionais medidas estatais de cunho retrocessivo”.

Nem se pode cogitar competência privativa da União na questão, que teria permitido irrestritamente a realização das provas mencionadas através da Lei nº 10.519/2002, ao disciplinar a realização de rodeios de animais vedando práticas impedindo maus tratos e injúrias de qualquer ordem (art. 3º, II) e exigindo, ainda, que as cordas utilizadas nas provas de laço deverão dispor de redutor de impacto para o animal (§ 3º, art. 4º). Assim, está claro que a Lei Federal não deixou de reconhecer a potencialidade lesiva das provas de laço.

Se o Município através de lei buscou inicialmente uma proteção mais integral aos animais utilizados no rodeio, não se pode admitir o retrocesso.

Não existe competência concorrente exclusiva da União e Estados para legislar sobre a fauna (art. 24, VI, da CF/88), pois fundados na competência político administrativa comum de preservação da fauna e na competência legislativa suplementar, os Municípios estão legitimados, atendendo ao interesse local, a suplementar o regramento federal e estadual sobre a matéria, conferindo proteção maior aos animais, especialmente o Município de Barretos na disciplina da famosa Festa do Peão Boiadeiro.

Nesse sentido, já decidiu esse Colendo Órgão Especial, verbis:

“ADIN- Inconstitucionalidade alegada pelo Prefeito do Município de Mauá quanto à Lei n° 3.967, de 24/04/06, que “Dispõe sobre a proibição de realização de rodeios, touradas e atividades similares no Município de Mauá que envolvem maus tratos e atos de crueldade em animais”- Inadmissibilidade- Competência suplementar conferida à Câmara de Vereadores para legislar sobre matéria de proteção à fauna e, ainda, de interesse local (...)- Ação julgada improcedente”. (ADI n° 138553-0/5; Des. Rel. Celso Limongi; D.J. 13/06/07). - g.n.

Não se questiona a finalidade protetiva do dispositivo legal revogado, que se achava em conformidade com todo o sistema constitucional voltado à proteção dos animais.

Ao Município compete dispor sobre os assuntos de seu interesse local. Neles se insere inegavelmente a atividade de disciplinar a Festa do Peão do Boaideiro, que tornou o Município conhecido em todo o país, sobretudo porque é a Municipalidade quem diretamente suportaria o ônus de eventuais críticas e consequências decorrentes de possíveis tragédias em provas de rodeio inadequadas, que colocam em risco a saúde física e psíquica dos animais.

De outro lado, embora não se negue a existência de Lei Federal, que disciplina parcialmente a matéria, pois não cuida especificamente das provas permitidas em rodeio, mas da promoção e da fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio, a mesma não deixou de considerar as provas de laço potencialmente lesivas e nem mesmo veda que outras unidades da Federação estabeleçam um sistema de proteção mais amplo.

 A propósito da matéria, oportuno consignar que, quando do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 665.688 AGR / SC, Segunda Turma, j. 02/12/2014, DJe 17/12/2014, o relator Ministro Celso de Melo ressaltou que:

“(...)

Impende assinalar, por relevante, que o Supremo Tribunal Federal, corroborando a manifestação do Ministério Publico Federal, consagrou diretriz jurisprudencial que torna inacolhível a pretensão recursal ora deduzida (ADI 3.338/DF, Red. p/ o acórdão Min. EROS GRAU – RE 474.922-segundo-AgR/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. 1. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO AMBIENTAL. PRECEDENTES. (…). 3. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (AI 856.768-AgR/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)

Cumpre destacar, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a seguinte passagem do voto do eminente Ministro AYRES BRITTO, proferido por ocasião do julgamento plenário da ADI 3.338/DF, no sentido de que: “(...) além de a Constituição conferir a competência material aos Estados e Municípios para ‘proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas’ (art. 23, VI), ela, Constituição Federal, também na matéria, confere a competência de ordem legislativa, expressamente, art. 24, inciso VI.” (grifei)

Essa mesma compreensão do tema é também perfilhada por autorizado magistério doutrinário (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 81/82, item n. 14, 9ª ed., 2011, Malheiros; CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 219/220, item n. 4.2, 2012, Saraiva; PAULO AFFONSO LEME MACHADO, “Direito Ambiental Brasileiro”, p. 442/444, item n. 3, 2013, Malheiros), como se depreende da expressiva lição de PAULO DE BESSA ANTUNES (“Direito Ambiental”, p. 110/111, item n. 2.3, 15ª ed., 2013, Atlas):

“O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber; promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal.”

O exame da presente causa evidencia que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência.”

Portanto, a Lei impugnada na presente ação direta é inconstitucional por afrontar o sistema de proteção animal determinado pelo art. 193, X, da Constituição Estadual, e violar o princípio constitucional do não retrocesso em matéria social e ambiental.

4. DOS PEDIDOS

a.      Do pedido de liminar

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia da lei impugnada.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, a inconstitucionalidade da lei impugnada.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do preceito legal questionado, subsistirá a sua aplicação com a possível realização das provas de laço e/ou vaquejadas, impondo sofrimento físico e psíquicos aos animais empregados.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei nº 5.056, de fevereiro de 2015, do Município de Barretos.

b.       Do pedido principal

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente com a declaração da inconstitucionalidade da Lei nº 5.056, de fevereiro de 2015, do Município de Barretos.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 17 de julho de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca


Protocolado nº 37.338/2015

Interessado: Promotoria de Justiça de Barretos

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Lei nº 5.056, de fevereiro de 2015, do Município de Barretos que revoga o art. 2º da Lei nº 4.446, de 29 de novembro de 2.010.  

 

1.    Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face da Lei nº 5.056, de fevereiro de 2015, do Município de Barretos que revoga o art. 2º da Lei nº 4.446, de 29 de novembro de 2.010.

2.    Oficie-se a interessada, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                            São Paulo, 17 de julho de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

aca