EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 50.478/2015
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade do inciso II do artigo 1º da Lei nº 5.521, de 02 de abril de 2013, do Município de Pindamonhangaba. Criação de cargos em comissão de assessor de comunicação. 2) É inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem exercidas por servidor público investido em cargo de provimento efetivo. Desnecessidade de especial vínculo de confiança e lealdade com as diretrizes políticas da autoridade superior a ensejar a possibilidade de criação de cargo de provimento em comissão. 3) Violação aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144, da Constituição Paulista.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 50.478/2015, que segue anexo), vem
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso II do artigo 1º da
Lei nº 5.521, de 02 de
abril de 2013, do Município de Pindamonhangaba, pelos fundamentos expostos a
seguir:
I – DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
A Lei nº 5.521, de 02 de abril de 2013, do Município de Pindamonhangaba, que “dispõe sobre a criação de cargos em comissão, para o quadro de
servidores da Fundação “Dr. João Romeiro” e dá outras providências” possui,
no que interessa, a seguinte redação:
“Art. 1º - Ficam criados para o quadro de servidores da Fundação Dr. João Romeiro, os seguintes cargos em comissão:
(...)
II – 02 (dois) Assessores de Comunicação
Subordinado à Fundação Dr. João Romeiro
Salário mensal – R$2.000,00”
(...)
DENOMINAÇÃO:
ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO
Descrição Sumária das Atribuições:
- Administrar o setor que lhe foi confiado, buscando conseguir que o
mesmo cumpra com suas finalidades, de forma eficiente, através de um trabalho
sério e planejado, em beneficio da Fundação, mantendo a Presidência informada
de tudo que acontece com a Fundação.
Descrição das atribuições:
- Apurar, pautar, reportar, redigir e editar notícias e noticiários,
coletar e checar informações por meio de leitura, pesquisa, entrevista e outros
recursos de apuração jornalística; construir relacionamento com fonte de
informação nos diversos setores da sociedade; propor e elaborar pautas; redigir
textos jornalísticos e releases; organizar e planejar coberturas jornalísticas,
trabalhar com acompanhamento, analise e seleção de matérias jornalísticas ou
não, de mídias, impressas, audiovisuais, inclusive web (multimídia), para
produção, formação, incremento e atualização regular de Banco de Noticias, como
clipping e outros produtos correlatos, além de desempenhar atividades afins e
correlatas, que são funções de jornalistas formados.
Condições de trabalho:
-
Horário: 40 (quarenta) horas semanais.
Requisitos para preenchimento:
-
Instrução: Curso Superior Completo em Jornalismo.
-
02 (dois) anos de experiência.
-
idoneidade moral e profissional
(...)
II – O parâmetro
da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos legais impugnados contrariam frontalmente a Constituição
do Estado de São Paulo.
Com
efeito, as normas contestadas
são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Paulista, in verbis:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 144- Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”.
III-
DO CARGO DE ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO
As
atribuições descritas para o cargo de assessor de comunicação, do referido
diploma legal, não expressam funções de chefia, direção ou assessoramento,
revelando, ao revés, tratar-se de cargo com funções técnicas, burocráticas, profissionais
e ordinárias.
Com
efeito, dentre as atribuições do cargo estão as de apurar, pautar, reportar,
redigir e editar notícias e noticiários, coletar e checar informações por meio
de leitura, pesquisa, entrevista e outros recursos de apuração jornalística, propor
e elaborar pautas; redigir textos jornalísticos e releases; organizar e
planejar coberturas jornalísticas, trabalhar com acompanhamento, análise e
seleção de matérias jornalísticas ou não, de mídias, impressas, audiovisuais,
inclusive web (multimídia), para produção, formação, incremento e atualização
regular de Banco de Notícias, como clipping e outros produtos correlatos, além
de desempenhar atividades afins e correlatas, que são funções de jornalistas.
Observa-se que as atribuições são nitidamente técnicas, burocráticas, que revelam
a ausência de relação de confiança, pois, marcadas por tarefas executivas e
subordinadas.
Como
bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal, verbis:
“A criação de tais cargos [em
comissão] é exceção a esta regra geral e tem por finalidade propiciar ao
governante o controle de execução de suas diretrizes políticas, sendo exigido
de seus ocupantes absoluta fidelidade às orientações traçadas.
Em sendo assim, deve ser limitada aos
casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o
servidor.
(...)
Tratando-se de postos comuns – de
atribuição de natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem
vier a ocupá-los o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a
autoridade nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por
servidores regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e
títulos, em conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP, ADI
173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).
O cargo
criado consubstancia funções técnicas, burocráticas, operacionais e
profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos
investidos em cargo de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em
concurso público de provas ou de provas e títulos.
Não
há, evidentemente, nenhum componente no posto acima transcrito a exigir o
controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem
desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas,
sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade
(art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V do art. 115
da Constituição Estadual.
Nesse
sentido, é inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas
atribuições sejam de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e
profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que
devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento
efetivo mediante aprovação em concurso público.
A jurisprudência
proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em
comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao
exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de
assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes,
v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE
680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012;
STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE
693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012;
STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u.,
DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot
Akel, v.u., 30-01-2008).
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante
a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição
Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa
deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou
burocrática.
Há,
com efeito, implícitos limites à sua criação, porquanto, se assim não fosse,
estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para
acesso ao serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Prelecionando
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente
aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites
à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com
a permissão para tal criação, “propiciar
ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício
de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as
diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é,
portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o
seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta
confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das
atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles
não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e
administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos
agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se
que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de
chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem
declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar
administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro,
procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o
escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional,
técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”
(Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Cumpre observar que o cargo mencionado não reflete a
imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de
assessoramento, chefia e direção em nível superior.
IV
– Pedido
Posto
isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao
final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do
inciso II do artigo 1º da Lei nº 5.521, de 02 de abril de 2013, do Município de
Pindamonhangaba.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Pindamonhangaba, bem como citado o Procurador-Geral do Estado, para se
manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 20 de julho de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
lfmm/crms
Protocolado nº 50.478/2015
Assunto: do inciso II do artigo 1º da Lei nº 5.521, de 02 de abril de 2013, do Município de Pindamonhangaba
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 20 de julho de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
lfmm/crms