EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 42.304/2015
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão constantes no art. 6º da Lei Complementar nº 1.041, de 6 de junho de 2013; no Anexo II da Lei Complementar nº 641, de 5 de outubro de 2007; e no Anexo III da Lei Complementar nº 684, de 12 de junho de 2008, do Município de Zacarias.
2)
Criação
de cargos de provimento em comissão sem descrição das
respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres,
dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Violação do princípio
da reserva legal.
3)
Cargos
de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento,
chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e
profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos
de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança.
Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art.
144).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no
art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda
no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São
Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 42.304/15,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face do Anexo II
da Lei Complementar nº 641, de 5 de
outubro de 2007; do art. 6º da
Lei Complementar nº 1.041, de 6 de junho de 2013; e das expressões Supervisor de Ensino, Vice-Diretor de Escola,
constantes no Anexo III da Lei Complementar nº 684, de 12 de junho de 2008, do Município de Zacarias, pelos
fundamentos expostos a seguir:
1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta
de inconstitucionalidade foi instaurado de ofício por esta Procuradoria-Geral
de Justiça.
O art. 6º da Lei Complementar nº 1.041, de 6 de junho
de 2013, do Município de Zacarias, dispõe o seguinte:
Art. 6º - Esta lei dispõe ainda sobre a criação de
cargo público de provimento em comissão, conforme as disposições contidas na
Emenda Constitucional n.º 19, combinado com o artigo 37, I e II, da
Constituição da República Federativa do Brasil, constante do quadro abaixo:
CARGO
DE PROVIMENTO EM COMISSÃO:
VAGAS |
CARGO |
REFERÊNCIA |
CARGA
HORÁRIA |
01 |
Gestor Técnico de Informação – GTI |
17 |
40 h/s |
01 |
Agente Financeiro |
19 |
40 h/s |
01 |
Gestor de Suprimentos da Saúde |
20 |
40 h/s |
01 |
Coordenador de Operações em Vigilância Sanitária |
19 |
40 h/s |
01 |
Coordenador de Cozinha |
13 |
40 h/s |
A Lei Complementar nº 684, de 12 de junho de 2008, de
Zacarias, dispôs sobre a reorganização
do Plano de Carreira e Valorização do Magistério Público do Município de
Zacarias, estabelecendo em seu Anexo III o quadro de requisitos dos cargos e,
no Anexo IV, o rol de atribuições. Vejamos:
Já a Lei Complementar nº 641, de 5 de
outubro de 2007, de Zacarias, em seu Anexo II, fixou quadro de cargos em
comissão criados, extintos e transformados:
Os atos normativos transcritos, nas partes em que
criaram os cargos de provimento em comissão de Gestor Técnico de Informação, Agente Financeiro, Gestor de Suprimentos
de Saúde, Coordenador de Operações em Vigilância Sanitária, Coordenador de
Cozinha, Supervisor de Ensino, Vice-Diretor de Escola e os cargos previstos
no Anexo II da Lei Complementar nº
641, de 5 de outubro de 2007, de Zacarias, são inconstitucionais por
violação dos arts. 111, 115, incisos I, II e V, e 144 da Constituição Estadual,
conforme passaremos a expor.
2.
DA FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES
DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
Não há na Lei Complementar nº 1.041/13,
de 6 de junho de 2013, nem na Lei
Complementar nº 641, de 5 de outubro de 2007, do Município de Zacarias,
descrição das atribuições dos cargos de provimento em comissão por elas
criados.
Tanto o é que o próprio Prefeito Municipal afirmou
que “as referidas Leis Complementares não trazem em seu bojo as atribuições dos
cargos públicos de provimento em comissão” (fl. 172).
Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em
sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos).
Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o
conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura
organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração
e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o
exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto
elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade
de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal,
ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo
produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo -
descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação
de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em
lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas,
2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos
ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas
atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:
“(...)
somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências,
direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no
art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84,
VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de
cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do
cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá
contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o
núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da
investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta
uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor
público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a
inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa,
determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição
jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 581).
Somente a partir da descrição precisa das atribuições
do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos
direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de
suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência
do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em
especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se
espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que
deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela
razoabilidade.
Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder
Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos
públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à
reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da
organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe
do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus
requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do
art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da
Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento
administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização
administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das
relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu
funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los
desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal;
art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas
(art. 169, § 4°, Constituição Federal).
Com maior razão a exigência de reserva legal em se
tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para
mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando
constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de
assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir
atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem
artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de
provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições
também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento
administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as
competências de cada cargo na organização municipal.
Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se
pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:
“Ação direta
de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07 do Município de Peruíbe que alterando
o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n°
1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em
comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de
serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão,
diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de
departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes
descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des.
Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)
3.
DA
NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS
CARGOS COMISSIONADOS
Os cargos de provimento em comissão de Supervisor de Ensino e Vice-Diretor de Escola, constantes no
Anexo III da Lei Complementar nº 684, de 12 de junho de 2008, têm natureza
meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, conforme se
verifica da análise de suas atribuições, previstas no Anexo IV, supra
transcrito.
As atribuições previstas para os
referidos cargos, relacionadas a suporte técnico, gerenciamento, coordenação,
orientação, fiscalização, interlocução, controle, acompanhamentos e informações
são atividades destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a
decisões e execução. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas,
administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em
que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do
governo.
Ao Supervisor
de Ensino compete, por exemplo, auxiliar os diretores de escola, analisar
dados relativos às escolas e verificar o cumprimento da carga necessária ao
aluno; ao passo que ao Vice-Diretor de
Escola cabe colaborar nas atividades relativas à manutenção e conservação
do prédio e mobiliário escolar, ajudar no controle e recebimento da merenda
escolar e executar tarefas que forem determinadas pela chefia imediata, dentre
outras funções.
Interessante notar que, dentre as
atribuições fixadas para o Vice-Diretor de Escola, consta “Assessorar o Diretor no desempenho das atribuições que lhe são próprias”.
Ocorre que o cargo de Diretor de Escola
é de provimento efetivo, de modo que seu vice, encarregado de substituí-lo em
suas ausências e impedimentos, também deve ser provido por concurso público,
por decorrência lógica. Se ao Diretor de Escola é exigido o requisito do
concurso público, não pode ao seu substituto (Vice-Diretor de Escola) ser dispensada tal exigência.
Verifica-se, portanto, que as atribuições
previstas para os cargos mencionados são atividades destinadas a atender
necessidades executórias ou dar suporte a decisões e execução. Trata-se,
portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes
dos encargos de comando superior onde se exige especial confiança e afinamento
com as diretrizes políticas do governo.
Trata-se, portanto, de atribuições
técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de chefia,
direção, assessoramento e comando superior em que se exige especial confiança e
afinamento com as diretrizes políticas do governo.
Além destes aspectos indicativos de que
os cargos impugnados desempenham funções subalternas, de
pouca complexidade, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às
instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição
genérica de suas atribuições evidenciam a
natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora
dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.
Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente
destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e
art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao
perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço
público sem concurso.
Embora o Município seja dotado de autonomia política
e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da
Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita
ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13.
ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal deve ser exercida com a
observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição
Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício de sua autonomia administrativa, o
Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos,
instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se
estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município organize
seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional,
sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais
federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.
A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve
ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de
provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista
inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da
Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento
dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.
A criação de cargos de provimento em comissão, de
livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o
governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções
inerentes à atividade predominantemente política.
Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim
não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso
para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em
precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes
com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser
encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso
(STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas
aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam
excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com
relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem
além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e
qualquer servidor.
É esse o fundamento da argumentação no sentido de que
“os cargos em comissão são próprios para
a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente
que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua
orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por
essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A
autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de
tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o
nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São
Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício
de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente
profissional, fora dos níveis de direção,
chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas
pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo
de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa
também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT
VOL-01765-01 PP-00169).
Não
é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o
provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de
confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das
diretrizes políticas do governo.
Pela
análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam
os elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo na vigência da ordem constitucional
anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio
Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo
legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real
controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de
sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a
atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de
competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa,
a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas
apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos
seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de
lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem,
comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma
fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade
pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre
provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior,
mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e
exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras,
enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos
titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas
atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer
preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT,
1984, p. 95/96).
No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes
referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu
adequado desempenho, relação de especial confiança.
É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada
encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00,
j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de
janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30
de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des.
Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).
4. DOS PEDIDOS
a)
Do Pedido Liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos legais do Município de Zacarias apontados como
violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal,
de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em
cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.
Está claramente
demonstrada a ausência da descrição das atribuições dos cargos de Gestor Técnico de Informação, Agente
Financeiro, Gestor de Suprimentos de Saúde, Coordenador de Operações em
Vigilância Sanitária, Coordenador de Cozinha, constantes no art. 6º da
Lei Complementar nº 1.041/13, bem como dos cargos previstos no Anexo II da Lei
Complementar nº 641/07.
Ademais, percebe-se que os
cargos de provimento em comissão de Supervisor
de Ensino e Vice-Diretor de Escola não retratam atribuições de
assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas,
operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos
investidos em cargos de provimento efetivo.
O perigo da demora
decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e
da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação.
Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres
públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
Basta lembrar que os pagamentos realizados aos
servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão
revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no
sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta,
guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na
ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões
declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas
impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se
verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa singular
situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga
de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência
é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo
Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais
(cf. ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello;
ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p.
16.182).
À luz deste perfil,
requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e
definitivo julgamento desta ação, do
Anexo II da Lei Complementar nº 641,
de 5 de outubro de 2007; do art.
6º da Lei Complementar nº 1.041, de 6 de junho de 2013; e das expressões Supervisor de Ensino e Vice-Diretor de Escola, constantes na Lei
Complementar nº 684, de 12 de junho de 2008, do Município de Zacarias.
b)
Do Pedido Principal
Diante de todo o
exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade do Anexo II da Lei
Complementar nº 641, de 5 de outubro de 2007; do art. 6º da Lei Complementar nº 1.041, de 6 de junho de 2013; e das
expressões Supervisor de Ensino e Vice-Diretor de Escola, constantes na Lei
Complementar nº 684, de 12 de junho de 2008, do Município de Zacarias.
Requer-se ainda que
sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Zacarias,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que, aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 21 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/mam
Protocolado nº 42.304/2015
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face do Anexo II da Lei Complementar nº 641, de 5 de outubro de 2007; do art. 6º da Lei Complementar nº 1.041,
de 6 de junho de 2013; e das expressões Supervisor
de Ensino e Vice-Diretor de Escola,
constantes na Lei Complementar nº 684, de 12 de junho de 2008, do Município de Zacarias, junto ao
E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 21 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/mam