EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº
43.006/2015
Ementa:
1) Expressões
constantes no artigo 174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina.
Autorização para que lei municipal dispense a licitação
quando a concessão de uso “se destinar a concessionário de serviço público, a
entidades públicas, governamentais ou assistenciais, a entidades particulares
declaradas de utilidade pública municipal, e entidades particulares mediante prévia
autorização legislativa”.
2) Competência
legislativa da União para dispor sobre normas gerais sobre licitação e contrato
administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível
por força do art. 144, CE/89, não existindo espaço para
invocação de manifesto interesse local por não haver sua predominância nem para
suplementação normativa que contraria regras federais.
3) Violação
do princípio da licitação (art. 117 da Constituição Paulista).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro
de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda com fundamento no art. 74, inciso VI,
e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 43.006/15, que segue como
anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face das expressões “concessionário de serviço público” e “ou assistenciais, a
entidades particulares declaradas de utilidade pública municipal, e entidades
particulares mediante prévia autorização legislativa” constantes no artigo
174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina, pelos
fundamentos expostos a seguir.
I - DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
O artigo
174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina tem a seguinte redação:
“Art.
174 – A concorrência poderá ser dispensada quando o uso se destinar a concessionário de serviço público, a entidades públicas,
governamentais ou assistenciais, a entidades particulares declaradas de
utilidade pública municipal, e entidades particulares mediante prévia
autorização legislativa.”
Concessão
de uso, como anota Hely Lopes Meirelles, é “contrato
administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um
bem de seu domínio particular, para que o explore segundo sua destinação
específica. O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos demais
institutos assemelhados – autorização e permissão de uso – é o caráter
contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o
utilize com exclusividade e nas condições convencionadas com a Administração”
(Direito Administrativo Brasileiro,
33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 529).
O art. 174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina é verticalmente
incompatível com nossa sistemática constitucional por violação ao princípio
constitucional da licitação, que decorre do art. 117 da Constituição do Estado,
aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.
Com
efeito, dispõe o artigo 117 da Constituição Estadual:
“Art. 117. Ressalvados os casos
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o
qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações.”
É
verdade que o dispositivo constitucional acima transcrito, que reproduz o art. 37,
XXI, da Constituição da República faz ressalva quanto à possibilidade de não
realização de licitação, “nos casos especificados na legislação”.
Entretanto,
cabendo à União legislar a respeito de regras gerais sobre licitação e
contratos da Administração Pública direta e indireta (art. 22, XXVII, da
CR/88), regula a matéria a Lei nº 8.666/93.
As
hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, como é
cediço, estão previstas no art. 24 e no art. 25 da Lei nº 8.666/93, e,
quando presentes, exigem a justificação formal, em processo administrativo,
nos termos do art. 26 da referida lei, a partir de hipóteses de dispensa ou
inexigibilidade previstas na própria Lei de Licitações.
Previsões
contidas em outros diplomas, estaduais ou municipais, no sentido da dispensa ou
inexigibilidade da licitação, calcados, por exemplo, no “interesse público”, ou
na “existência de destinatário certo”, violam o artigo 22, inciso XXVII, da
Constituição da República, configurando invasão da competência normativa da
União para legislar sobre o tema, norma que deve ser obedecida pelos
Municípios, por força do artigo 29 da Constituição Federal e do artigo 144 da
Constituição Estadual.
De
outra banda, tais previsões só podem ser compreendidas e interpretadas, de
forma sistemática, em conjunto com os dispositivos da Lei nº 8.666/93, que
contemplam os casos de dispensa ou inexigibilidade do certame. São apenas essas
hipóteses, da lei federal, que podem configurar o “interesse público”, para
fins de não realização da licitação.
Cuidando
especificamente do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello esclareceu que "normas
que estabelecem particularizadas definições, que minudenciam condições
específicas para licitar ou para contratar, que definem valores, prazos e
requisitos de publicidade, que arrolam exaustivamente modalidades licitatórias
e casos de dispensa, que regulam
registros cadastrais, que assinalam com minúcia o iter e o regime
procedimental, os recursos cabíveis, os prazos de interposição, que arrolam
documentos exigíveis de licitantes, que preestabelecem cláusulas obrigatórias
de contratos, que dispõem até sobre encargos administrativos da administração
contratante no acompanhamento da execução da avença, que regulam penalidades
administrativas, inclusive quanto aos tipos e casos em que cabem, evidentissimamente
sobre não serem de Direito Financeiro, menos ainda serão normas gerais , salvo no sentido de que toda norma - por sê-lo -é
geral". E acrescenta o ilustre administrativista: "Se isto fosse
norma geral, estaria apegada a distinção constitucional entre norma, simplesmente,
e norma geral" (Licitações, RDP
83/16).
Ao
simplesmente dispensar a licitação para a realização de contrato de concessão
de uso, criando uma hipótese sui generis
de dispensa, o legislador fere diretamente o próprio princípio da licitação, assente
no ordenamento constitucional.
É o
que anota José Afonso da Silva ao afirmar que “o princípio da licitação significa que essas contratações ficam
sujeitas, como regra, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas
para a Administração Pública. Constitui um princípio instrumental de realização
dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos
eventuais contratantes com o Poder Público” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., São Paulo,
Malheiros, 2007, p. 672).
No
que tange especificamente a concessões de uso, Marçal Justen Filho: “Algumas
dúvidas surgem a propósito de concessão e permissão de uso de bens públicos,
que não se confundem com as concessões e permissões de serviço público. Essas
figuras não estão explicitamente reguladas na Lei nº 8.666 e a elas não se
referem as Leis nº 8.987, nº 9.074 e nº 11.079 (que
dispõe sobre concessão e permissão de serviços públicos). A omissão legislativa
não pode conduzir à interpretação da ausência de obrigatoriedade de licitação.
Aliás, veja-se que o art. 2º da Lei nº 8.666 alude genericamente a ‘concessões
e permissões’, sem qualificar seu objeto. Deve tomar-se em vista, como ponto de partida,
a previsão constitucional de que todas as contratações administrativas serão
precedidas de licitação.” Ventilando inclusive o princípio da isonomia,
conclui: “Logo, a concessão de uso de bem público demandará a adoção de um
procedimento licitatório” (Comentários à
Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed., São Paulo,
Dialética, 2010, p. 52).
Diante da desnecessidade de licitação para a concessão de uso com entidades públicas, esta ação direta apenas destina-se a impugnar as expressões “concessionário de serviço público” e “ou assistenciais, a entidades particulares declaradas de utilidade pública municipal, e entidades particulares mediante prévia autorização legislativa” constantes no artigo 174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina, excluindo-se do pedido da ação a expressão “a entidades públicas, governamentais constante no mencionado artigo.
Mais uma vez, cita-se Marçal Justen Filho: “Se houver
execução direta do objeto pela própria Administração, não será necessária
licitação. Afinal, sequer existirá contrato – pois contrato é modalidade de ato
jurídico bilateral (que exige participação de duas partes). Não teria sentido
determinar a desnecessidade de licitação para atividades realizadas no âmbito
interno de cada pessoa integrante da Administração. Em tais hipóteses, quem
está desenvolvendo a atividade material e jurídica é a própria pessoa (por seus
órgãos). (...) A licitação será obrigatória quando a Administração promover a
execução de um certo objeto por meio dos préstimos de
um terceiro, que não seja enquadrável na definição do art. 1º, parágrafo único,
da Lei nº 8.666.” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos, 14ª ed., São Paulo, Dialética, 2010, p. 48).
II - DA LIMINAR
Estão
presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a
suspensão dos atos normativos hostilizados.
A
razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a
propositura desta ação direta, antes declinados.
Quanto
ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a
presunção de constitucionalidade das leis glosadas nesta ação direta, atos materiais
serão realizados no sentido de concretização de suas previsões normativas,
gerando situações cuja reversão ao status
quo ante, futuramente, será de considerável grau de dificuldade.
As
situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido
da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos,
desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado
de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte
Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Requer-se,
destarte, a concessão da liminar, determinando-se a suspensão das expressões “concessionário
de serviço público” e “ou assistenciais, a entidades particulares declaradas de
utilidade pública municipal, e entidades particulares mediante prévia
autorização legislativa” constantes no artigo 174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina, até o julgamento definitivo desta ação.
III - CONCLUSÃO E PEDIDO
Posto
isso, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao
final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade das expressões “concessionário de serviço público” e “ou
assistenciais, a entidades particulares declaradas de utilidade pública
municipal, e entidades particulares mediante prévia autorização legislativa”
constantes no artigo
174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito
Municipal de Adamantina, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 03 de agosto de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ef/mam
Protocolado nº 43.006/2015
Interessada: Promotoria
de Justiça de Adamantina
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face das expressões “concessionário de serviço público” e “ou assistenciais, a entidades particulares declaradas de utilidade pública municipal, e entidades particulares mediante prévia autorização legislativa” constantes no artigo 174 da Lei Orgânica do Município de Adamantina, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Arquive-se a representação no que se refere ao art. 174 da mencionada lei, uma vez que não apresenta os vícios de constitucionalidade que eivam o art. 173.
3. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 03 de agosto de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ef/mam