Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 42.471/2015
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 02, de 19 de abril de 2013,
do Município de Engenheiro Coelho. Separação de poderes. Criação abusiva e
artificial de cargos de provimento em comissão. Inexistência de atribuições,
exigências e requisitos de provimento previstos em lei. Delegação a decreto do
Chefe do Poder Executivo. 1. É Inconstitucional a criação de cargos públicos
desprovida da descrição de atribuições, inclusive relativamente aos postos de
assessoramento, chefia e direção. 2. As atividades de advocacia pública,
inclusive a assessoria e a consultoria, e suas respectivas chefias, são
reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. 3.
Constituição Estadual: 98 a 100; 111; 115, II, V; e 144.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
com pedido liminar, em face das expressões “comissionados” e “Anexo II – Quadro
Geral de cargos comissionados da Prefeitura Municipal de Engenheiro Coelho”
constantes no art. 67, dos arts. 69, 73 e 84, bem como do Anexo II da Lei
Complementar n. 02, de 19 de abril de 2013, e por arrastamento, do Decreto n. 42, de 03 de dezembro de
2014, e da Lei Complementar n. 01, de 10 de abril de 2006, todas do Município
de Engenheiro Coelho, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – Os Atos Normativos Impugnados
1.
A
Lei Complementar n. 02, de 19 de abril de 2013, que “Dispõe sobre a reorganização
administrativa e quadro de cargos da Prefeitura Municipal de Engenheiro Coelho,
conforme especifica e dá outras providências correlatas”, estabelece no que
interessa:
“Art.67) O quadro de cargos públicos efetivos,
comissionados e funções dos servidores públicos municipais, bem como suas
respectivas referencias, natureza, forma de provimento, carga horária, constam
dos seguintes anexos:
(...)
Anexo II – Quadro Geral de cargos comissionados da
Prefeitura Municipal de Engenheiro Coelho.
(...)
Art. 69) Os cargos de provimento em comissão,
constantes do Anexo II, são de livre nomeação e exoneração;
(...)
Art. 73) Os cargos em comissão nas quantidades,
denominações e grupo são especificados no Anexo II, que faz parte integrante
desta Lei.
(...)
Art.84) Fica o Poder Executivo autorizado a expedir
por Decreto as atribuições dos cargos públicos efetivos e comissionados
definidos na presente Lei e seus anexos, respeitada sempre a capacitação
funcional do servidor e o direito adquirido em face do ingresso em cargo por
concurso público.
(...)
2.
Analisando o dispositivo acima à luz dos preceitos que regem a Administração
Pública na Carta Bandeirante, percebe-se que resta eivado de patente inconstitucionalidade,
em razão de sua violação aos arts. 98 a 100; 111; 115, II e V; e 144 da
Constituição Estadual, pelo seguintes fundamentos.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
3.
A lei
combatida nesta vestibular contraria frontalmente a Constituição do Estado de
São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a
previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
4.
Os
preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
5.
Os cargos comissionados objurgados são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
"Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.
§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.
(...)
Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;
IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;
V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;
VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;
VII - propor ação civil pública representando o Estado;
VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;
IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;
X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.
Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do
Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação
jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do
Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em
comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento,
prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar
declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.
(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (...)”.
A - DA FALTA DA DESCRIÇÃO
DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
6. De
proêmio, cumpre esclarecer que é inconstitucional a criação de cargos de
provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática,
ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de
assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores
investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso
público.
7. A
criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada,
artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V,
da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição
Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as
quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções
técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido
de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
8. Não
é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego
público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de
natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente
burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e
permanente.
9. Portanto,
têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e
direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco
importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois,
10. É
dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições
de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja
presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o
desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de
diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez
– cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou
funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.
11. Para
tanto, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas
atribuições do cargo de provimento em comissão para se aquilatar se realmente
se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção. Isto se amolda ao
próprio princípio da legalidade – porque a reserva legal exige lei em sentido
formal para disciplina das atribuições de cargo público, como adverte a
doutrina:
“(...) somente a lei pode
criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é
o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da
Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse
dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público,
por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público
faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a
disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das
competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e
das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei
estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’.
Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa
posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as
regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal
Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p.
581).
12. Pois,
somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será
possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos
administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções
pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente
público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial,
aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à
aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada
pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.
13. Nem se alegue, por oportuno, que ao
Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das
atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria
sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo
para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de
competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público
e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação
cede à vista do art. 61, § 1°, II, a,
da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em
sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre
a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do
serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de
seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los
desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a,
84, VI, b, Constituição Federal; art.
47, XIX, a, Constituição Estadual) ou
para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem
explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84,
VI, a, da Constituição, é:
“(...) mera competência
para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a
transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira
de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed.,
pp. 324-325).
14. Neste
sentido, pronuncia a jurisprudência a inconstitucionalidade de leis que delegam
ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de
provimento em comissão (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009; STF, ADI 3.232-TO,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008; TJSP,
ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).
15. E, ademais, proclama a
inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que
possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas
demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia
ou direção (STF, ADI
3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p.
16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u.,
DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE
693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012;
STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe
15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel,
v.u., 30-01-2008). Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II),
7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA
PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do
pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional
norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração
da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na
administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna
prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da
Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se
harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a
investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador
estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a
exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público.
Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo regimental em
recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de
cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade
pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a
Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma
efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o
princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e
assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para
infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento”
(STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u.,
DJe 05-03-2012).
16. Na presente situação, o ato normativo
impugnado ao criar os cargos não cuidou de especificar as atribuições dos
cargos comissionados.
17. Aliás, o art. 84 da Lei Complementar n. 02, de 19 de abril de 2013, do Município de
Engenheiro Coelho,
determinou que “Fica o Poder Executivo autorizado a expedir por Decreto as
atribuições dos cargos públicos efetivos e comissionados definidos na presente
Lei e seus anexos, respeitada sempre a capacitação funcional do servidor e o
direito adquirido em face do ingresso em cargo por concurso público”.
18. O
Chefe do Poder Executivo editou o Decreto
n. 42, de 03 de dezembro de 2014, que “Revalida o Decreto 028/2009 e determina
outras providências”. Ressalta-se que o Decreto 028/2009 inconstitucionalmente
descreveu as atribuições dos cargos efetivos e comissionados do município.
19.
Como acima mencionado, não basta a lei criar o cargo de provimento em comissão
se não discriminar em seu bojo suas funções, a fim de viabilizar controle de
sua conformidade com as prescrições constitucionais.
20. Tendo em vista que a edição de cargo e
seu respectivo detalhamento encontram-se adstritos à reserva legal absoluta ou
formal, a fim de se permitir a aferição dos requisitos impostos pelo texto
constitucional quando da sua instituição, a invalidade da sua disciplina resta
presente em razão da omissão legislativa atinente à descrição de atribuições.
21. Quando da edição de lei que institui
cargo de provimento comissionado, e de suas eventuais alterações, cumpre ao
legislador traçar cada uma das atribuições conferidas ao servidor que o
ocupará, vez que a omissão de mandamento neste sentido impossibilita a aferição
da presença dos critérios exigidos pelo constituinte, conduta esta que não pode
ser tolerada em um Estado Democrático de Direito, cuja essência resta
alicerçada na ampla publicidade de informação, sendo contrário ao seu espírito
atos velados, obscuros, sobre os quais resta impossibilitada qualquer espécie
de controle:
“(...) 2.
Princípio constitucional de maior densidade axiológica e mais elevada estatura
sistêmica, a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da República
Federativa brasileira. Democracia que, segundo a Constituição Federal, se apóia
em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima
qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do Poder, seja ele político,
seja econômico, seja religioso (art. 220 da CF/88). (...)” (ADPF-MC 130. Relator Min. Carlos
Britto. Pleno. Julgamento: 27.02.2008)”
22. Ou seja, a exigência de reserva legal
se faz imperiosa em se tratando de cargos ou empregos de provimento desta
natureza, posto que serve à mensuração da perfeita subsunção da hipótese
normativa concreta ao comando constitucional.
23. A ausência de fixação de atribuições
desses cargos em lei e a determinação de que seja feita por decreto caracteriza
violação dos 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, pois, é exigência
elementar à criação de cargos públicos a descrição de suas atribuições em lei.
B - DO CARGO DE ADVOCACIA PÚBLICA.
24. Conforme
demonstrado anteriormente, há no quadro de cargos de provimento em comissão o
cargo de Diretor de Assuntos Jurídicos. Todavia, as atividades de
advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria, e suas respectivas
chefias, são reservadas a profissionais investidos mediante aprovação em
concurso público.
25.
É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam
ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia
pública estadual.
26. Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público, inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes, o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR
11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E
INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES
INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES
PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O
desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder
Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos
Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu
art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade
funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo
de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU
EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E
ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ
ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO
DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA”
(STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).
27. Portanto, a natureza técnica
profissional do cargo de Diretor de
Assuntos Jurídicos, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual,
não possibilita a sua instituição pela via do provimento comissionado, sendo,
portanto, flagrante a inconstitucionalidade dos cargos em comento nos moldes em
que fora editado.
III. DA
INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO
28. Não se pode olvidar que, acaso acolhido o pedido da
presente ação direta de inconstitucionalidade, restará despiciendo o Decreto n.
42, de 03 de dezembro de 2014, que “Revalida o Decreto 028/2009 e determina
outras providências”. O Decreto 028/2009 inconstitucionalmente descreveu as
atribuições dos cargos efetivos e comissionados do município.
29. Outrossim, acaso acolhido o pedido da
presente ação direta de inconstitucionalidade, será automaticamente restaurada
a Lei Complementar n. 01, de 10 de abril de 2006, do Município de Engenheiro
Coelho, que padece do mesmo vício de constitucionalidade.
30. Torna-se, portanto,
necessário que se reconheça a inconstitucionalidade por arrastamento ou
atração.
31. A
respeito da inconstitucionalidade por arrastamento, tem-se que:
"(...) se em determinado
processo de controle
concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma
principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada
inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de
instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da
inconstitucionalidade 'conseqüente', ou por 'arrastamento' ou por
'atração'" (Pedro Lenza, "Direito Constitucional Esquematizado",
Saraiva, 13ª Edição, p. 208).
32. Segundo precedentes do Pretório Excelso, é
perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento
(ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 08-09-2006, p. 16; ADI 3.645-PR, Rel.
Min. Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE, Rel. Min. Gilmar
Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 194/533;
ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09-06-2005, p. 4).
33. A
declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a)
o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal
torna despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda
que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório
restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo
vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam
direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.
34. Restabelecidos os efeitos da lei
revogada, dá-se o que se chama de efeito indesejado, já havendo assentado o
Supremo Tribunal Federal que:
"A reentrada em
vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório
produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao
problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode
padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado.
Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a
decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por
ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de
inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia
repristinatória indesejada, cumpre requerer igualmente, já na inicial da ação
direta, a declaração da inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato
normativo ressuscitado" (STF, ADI-MC 2.621-DF, Rel. Min. Celso de Mello,
01-08-2002).
35. Nesse contexto, requer-se a declaração
de inconstitucionalidade por arrastamento do Decreto n. 42, de 03 de dezembro
de 2014, que “Revalida o Decreto 028/2009 e determina outras providências”, por instrumentalidade, tendo em vista
que inconstitucionalmente descreveu as atribuições dos cargos, e da Lei
Complementar n. 01, de 10 de abril de 2006, pois referida norma apresenta os
mesmos vícios que maculam os dispositivos que figuram como objeto desta ação
direta de inconstitucionalidade.
IV – Pedido liminar
36. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de
princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o
ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação,
consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção
de remuneração à custa do erário.
37. À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar
para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das
expressões “comissionados” e “Anexo II – Quadro Geral de cargos comissionados
da Prefeitura Municipal de Engenheiro Coelho” constantes no art. 67, dos arts.
69, 73 e 84, bem como do Anexo II da Lei Complementar n. 02, de 19
de abril de 2013, do
Município de Engenheiro Coelho.
V – Pedido
38. Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade das expressões “comissionados” e “Anexo II – Quadro Geral
de cargos comissionados da Prefeitura Municipal de Engenheiro Coelho”
constantes no art. 67, dos arts. 69, 73 e 84, bem como do Anexo II da Lei
Complementar n. 02, de 19 de abril de 2013, e por arrastamento, do Decreto n. 42, de 03 de dezembro de
2014, e da Lei Complementar n. 01, de 10 de abril de 2006, do Município de
Engenheiro Coelho.
39. Requer-se ainda sejam requisitadas
informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Engenheiro Coelho, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os
atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 21 de agosto de 2015.
Márcio
Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
wpmj/crms
Protocolado n. 42.471/2015
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 02, de 19 de abril de 2013, do Município de
Engenheiro Coelho
1. Distribua-se a petição
inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face das expressões “comissionados” e “Anexo II –
Quadro Geral de cargos comissionados da Prefeitura Municipal de Engenheiro
Coelho” constantes no art. 67, dos arts. 69, 73 e 84, bem como do Anexo
II da Lei Complementar n. 02, de 19 de abril de 2013, e por arrastamento, do
Decreto n. 42, de 03 de dezembro de 2014, e da Lei Complementar n. 01, de 10 de
abril de 2006, do Município de Engenheiro Coelho, junto ao Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 21 de agosto
de 2015.
Márcio
Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
wpmj/crms