Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 49.153/15

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 11 da Lei n. 10.552, de 04 de setembro de 2013, e Resolução n. 396, de 07 de novembro de 2013, do Município de Sorocaba. Advocacia Pública. Representação judicial de agentes políticos. Finalidade específica da Advocacia Pública. Defesa dos interesses do poder público. Princípios de impessoalidade, moralidade, razoabilidade e interesse público. 1. Incompetência da advocacia pública municipal para defesa de interesses pessoais de agentes políticos em face de demandas versando sua responsabilidade pessoal no exercício de função pública, por ser vocacionada exclusivamente à tutela dos interesses do poder público como pessoa jurídica sujeito de direitos. 2. Afronta aos princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público na atribuição da tarefa de representação judicial de agentes políticos, pelo órgão de advocacia pública municipal, por atos praticados no exercício da respectiva função e que proporcionem sua responsabilidade pessoal.

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista nos arts. 103, II, e 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público) e nos arts. 25, I, e 29, I, da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição da República, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com respaldo nas informações colhidas no anexo protocolado em epígrafe referido, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “assessorar o Secretário Jurídico em todas as instâncias em defesa dos Vereadores, em razão de ações judiciais sofridas por eles em decorrência de votos, documentos ou opiniões no exercício dos trabalhos parlamentares” constante do art. 11 da Lei n. 10.552, de 04 de setembro de 2013, e, por arrastamento (ou dependência), da Resolução n. 396, de 07 de novembro de 2013, do Município de Sorocaba, pelos fundamentos expostos a seguir:

I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

1.                A Lei n. 10.552, de 04 de setembro de 2013, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar, altera a estrutura administrativa da Câmara Municipal e dá outras providências, dispondo em seu art. 11 o seguinte:

“Art. 11. A súmula de atribuições do cargo de Assessor Jurídico constante do Anexo II – Súmulas de Atribuições da Lei nº 6.169, de 08 de junho de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Assessor Jurídico: emitir parecer técnico-jurídico nos Projetos de Lei ou de Resolução que lhe forem encaminhados, nos requerimentos, moções e processos administrativos; cooperar com o autor na redação das proposições, sem prejuízo da independência na emissão futura de parecer; comparecer às reuniões das Comissões Permanentes e Especiais, quando solicitado, para dar orientação ou para colaborar na redação de pareceres e relatórios; participar da análise jurídica e da redação de contratos, convênios e acordos a serem firmados pela Câmara Municipal; assessorar o Secretário Jurídico nas ações judiciais em que a Câmara Municipal for autora ou ré, assessorar o Secretário Jurídico em todas as instâncias em defesa dos Vereadores, em razão de ações judiciais sofridas por eles em decorrência de votos, documentos ou opiniões no exercício dos trabalhos parlamentares; acompanhar e compilar a jurisprudência pertinente aos assuntos de interesse da Câmara Municipal e outras atividades compatíveis com o cargo.’ (NR)”.

2.                A análise do trâmite do respectivo projeto de lei (Projeto de Lei n. 216, de 2013) revela que sua propositura já tinha como objeto a alteração da estrutura administrativa da Câmara Municipal de Sorocaba, não constando de seu texto, todavia, qualquer preceito referente à representação judicial de agentes políticos municipais.

3.                Esse dispositivo foi introduzido no processo legislativo pela Emenda nº 05 (fl. 649) e consta da redação final aprovada pelo Poder Legislativo, cujo art. 11 acolheu a emenda.

4.                Em consequência da edição da lei, o Poder Legislativo local editou a Resolução n. 396, de 07 de novembro de 2013, para regulamentar a atuação da Secretaria Jurídica na defesa dos vereadores em ações judiciais decorrentes do exercício do mandato, prevista no art. 11 da Lei n. 10.552/13, com a seguinte redação:

Art. 1º O Vereador interessado em que a Secretaria Jurídica da Câmara atue em sua defesa nas ações judiciais, nos termos da alteração promovida pelo art. 11 da Lei nº 10.552, de 4 de setembro de 2013, deverá comunicar, por escrito, ao Presidente da Câmara que, imediatamente, remeterá a solicitação ao Secretário Jurídico.

§ 1º Cabe ao Secretário Jurídico a análise da adequação da solicitação aos casos previstos no art. 11 da Lei nº 10.552/2013, comunicando fundamentadamente ao Presidente da Câmara em caso negativo, o qual informará imediatamente ao solicitante que não poderá ser defendido pela Secretaria Jurídica da Câmara.

§ 2º Nos casos em que o Vereador já possua procurador constituído, é de sua inteira responsabilidade providenciar a renúncia ou substabelecimento aos profissionais da Secretaria Jurídica da Câmara.

§ 3º A comunicação de que trata o caput deste artigo deverá ser efetuada com observância do prazo legal para defesa em cada ação, sendo de inteira responsabilidade do Vereador a comunicação extemporânea.

§ 4º O Vereador será responsável pelo pagamento das custas e demais despesas processuais, bem como por eventual condenação em verbas de sucumbência.

Art. 2º Deixando o Vereador o exercício da vereança definitivamente, por qualquer motivo, deverá comunicar imediatamente novo advogado para que sejam substabelecidos os poderes conferidos aos profissionais da Secretaria Jurídica da Câmara.

Parágrafo único. Decorridos 5 (cinco) dias sem a comunicação de que trata o caput deste artigo, os profissionais da Secretaria Jurídica da Câmara renunciarão ao mandato.

Art. 3º As despesas com a execução da presente Resolução correrão por conta de dotação orçamentária própria.

Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.”.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

5.                O art. 11 da Lei n. 10.552/13 e a Resolução n. 396/13 contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

6.                Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios não só pelo art. 29 da Constituição Federal, mas, também, por força do art. 144 da Constituição Estadual que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

7.                As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

(...)

Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

VII - propor ação civil pública representando o Estado;

VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.

(...)

Artigo 101 - Vinculam-se à Procuradoria Geral do Estado, para fins de atuação uniforme e coordenada, os órgãos jurídicos das universidades públicas estaduais, das empresas públicas, das sociedades de economia mista sob controle do Estado, pela sua Administração centralizada ou descentralizada, e das fundações por ele instituídas ou mantidas.

Parágrafo único - As atividades de representação judicial, consultoria e assessoramento jurídico das universidades públicas estaduais poderão ser realizadas ou supervisionadas, total ou parcialmente, pela Procuradoria Geral do Estado, na forma a ser estabelecida em convênio.

(...)

Artigo 111 – A administração pública, direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”.

8.                Esses preceitos reproduzem o quanto disposto nos arts. 37, caput, 131 e 132, da Constituição Federal.

9.                Sob o aspecto formal, não há vício de constitucionalidade.

10.              Já sob o aspecto material, a inconstitucionalidade do art. 11 da Lei n. 10.552/13 resulta por: (a) incompetência do órgão da advocacia pública municipal para defender interesses pessoais de agentes políticos em face de demandas versando sua responsabilidade pessoal no exercício de função pública, por ser vocacionado exclusivamente à tutela dos interesses do poder público como pessoa jurídica titular de direitos; (b) afronta aos princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público na atribuição da tarefa de representação judicial de agentes políticos, pelo órgão de advocacia pública municipal, por atos praticados no exercício da respectiva função e que proporcionem sua responsabilidade pessoal.

11.              O contraste da norma impugnada com os arts. 98, 99 e 101 da Constituição do Estado de São Paulo demonstra sua plena incompatibilidade. Embora estes dispositivos refiram-se ao Poder Executivo, por interpretação analógica, sistemática e teleológica, podem ser aplicados ao caso sub judice.

12.              O órgão de Advocacia Pública é “responsável pela advocacia do Estado” (art. 98, caput) e seus membros “exercerão a representação judicial e a consultoria” para esse específico fim (art. 98, § 2º).

13.              Não bastasse, o art. 99 ao traçar suas funções institucionais não enumera a representação judicial de agentes públicos, mencionando, isto sim, e de maneira explícita, dentre suas tarefas, verbi gratia, “representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais” (art. 99, I), “exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas” (art. 99, II), “representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas” (art. 99, III), “propor ação civil pública representando o Estado” (art. 99, VII), “prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei” (art. 99, VIII).

14.              Em comum todas elas verbalizam atuação em prol do Estado como pessoa jurídica e não de seus agentes, sendo extensível às entidades da Administração Pública descentralizada (art. 100).

15.              Nem se diga que o “assessoramento jurídico e técnico-legislativo” ao Chefe do Poder Executivo (art. 99, V) forneceria constitucionalidade ao art. 11 da Lei n. 10.552/13. O parâmetro menciona exclusivamente o assessoramento, e não inclui a representação judicial e, ademais, não se estende aos demais agentes políticos. Tampouco se alegue a cláusula de encerramento do inciso X do art. 99 confortaria o preceito normativo municipal. O órgão de Advocacia Pública pode ter a seu cargo o exercício de “outras funções que lhe forem conferidas por lei”, mas, elas devem compatibilidade com os seus fins institucionais, dentre os quais não se alinha a representação judicial de agentes públicos.

16.              A amplitude da norma impressiona porque ainda permite que o Assessor Jurídico, concebido para defesa dos interesses e assistência jurídica à Câmara Municipal, atue “em todas as instâncias em defesa de Vereadores” em razão de ações judiciais sofridas “no exercício dos trabalhos parlamentares”, o que abrange qualquer demanda que empenhe a responsabilidade pessoal civil, eleitoral ou penal, como ação civil pública, ação civil pública por ato de improbidade administrativa, ação popular, ação penal pública etc.

17.              Quando, por exemplo, a Lei n. 8.429/92 (art. 17) e a Lei n. 4.717/65 (art. 6º) preveem a participação processual do ente público lesado na ação civil pública por ato de improbidade administrativa e na ação popular, fornecem-lhe a possibilidade de defesa do ato (se assim aprouver ao interesse público), e não do agente público.

18.              Para além do evidente desvio à finalidade institucional do Assessor Jurídico, caracteriza-se a violação aos princípios da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, inscritos no art. 111 da Constituição do Estado.

19.              O princípio da impessoalidade é conducente da proibição ao patrimonialismo e ao personalismo na administração pública envolvendo a imputabilidade dos atos da Administração a ela e não a seus agentes (e a consequente responsabilidade estatal), vedando favoritismos e preterições e indicando como norte da ação administrativa o interesse público e não o de seus agentes.

20.              Não tem harmonia com esse princípio a representação judicial de agentes políticos – no caso, vereadores - em face da perspectiva de sua responsabilidade pessoal (civil, eleitoral e penal) ainda que por atos praticados no exercício regular de suas atribuições. Para tanto, o agente político deve buscar o patrocínio no ministério privado da advocacia, não na advocacia pública, porque nela não se está tutelando o interesse do Estado como pessoa jurídica sujeito de direitos, mas, o de seu agente, e que com ele não se confunde.

21.              Isso, aliás, ofende o princípio da moralidade na medida em que não significa o balizamento do exercício de função pública segundo os cânones da ética, da lealdade e da vocação institucional da Administração Pública. Configura-se, aí, o uso e a apropriação de recursos públicos (humanos e materiais) para defesa de interesse pessoal dos agentes públicos na medida em que abrange atos em que o poder público é vítima, lesado ou prejudicado, e que nem sempre se afinam ao interesse público e estão distanciados da defesa do interesse estatal como pessoa jurídica sujeito de direitos.

22.              Tampouco se associa a norma impugnada aos princípios de razoabilidade e de interesse público. O credenciamento da representação judicial fica a mercê da avaliação subjetiva por envolver conceito indeterminado - “no exercício dos trabalhos parlamentares” -, podendo render ensejo a tratamentos díspares para situações semelhantes.

23.              Não é racional, lógico ou razoável que norma legal desvie a finalidade de defesa judicial e assistência jurídica à Câmara Municipal para a defesa de interesses pessoais de vereadores, onerando o erário com o dispêndio respectivo no emprego dos recursos humanos e materiais. Perece o interesse público primário quando essa mesma norma aparelha a tutela dos interesses de seus agentes, chamados à responsabilidade pessoal, pela consideração da prática de atos regulares segundo a conveniência subjetiva da própria Administração Pública e que podem não ser assim estimados pelos órgãos de controle externo.

24.              Não só por isso será afastada a casuística para permissão ou negação da representação judicial de agente político por Advogado Público – qual seja, o Assessor Jurídico da Câmara Municipal -, mas também porque mesmo que não sejam contrapostos o interesse público e o interesse do agente a ser representado pelo Assessor Jurídico, é inconcebível que um agente acusado de agir contra a lei e violar o interesse público seja defendido pela Advocacia Pública, cuja missão é defender o Estado.

25.              Não se trata, vale ressalvar, de presunção de que o agente político tenha agido com dolo para prejudicar terceiros, pois, independente da conclusão pela decisão judicial, os Assessores Jurídicos devem ter suas funções restritas à defesa da Câmara Municipal.

26.              Assim sendo, indiferente saber se os interesses (do agente político a ser defendido e o interesse público) são contrapostos ou se são convergentes. Tal representação judicial não pode ser permitida por ser violadora de princípios constitucionais.

27.              Ao Assessor Jurídico da Câmara Municipal cabe a representação judicial da Câmara, e não de seus vereadores porque não se autorizou na Constituição a defesa dos interesses destes.

28.               A jurisprudência já teve a oportunidade de aquilatar atos similares:

“(...) 2. Na espécie, não há como reconhecer a preponderância do interesse público quando um agente político se defende em uma ação de investigação judicial, cuja consequência visa atender interesse essencialmente seu, privado, qual seja, a manutenção da elegibilidade do candidato. Por outro lado, revela-se contraditória a afirmação de que havia interesse secundário do Município a ensejar a defesa por sua Procuradoria, na medida em que a anulação de um ato administrativo lesivo, ao invés de lhe imputar ônus, apenas lhe daria benefícios econômico-financeiros. (...)” (STJ, REsp 908.790-RN, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 20-10-2009, m.v., DJe 02-02-2010).

“(...) 3. Entretanto, quando se tratar de defesa de um ato pessoal do agente político, voltado contra o órgão público, não se pode admitir que, por conta do órgão público, corram as despesas com a contratação de advogado. Seria mais que uma demasia, constituindo-se em ato imoral e arbitrário. (...)” (STJ, AgRg-REsp 681.571-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, 06-06-2006, v.u., DJ 29-06-2006).

“(...) 1. O Tribunal a quo condenou o ora recorrente pela prática de improbidade administrativa, por ter, na condição de prefeito, utilizado o serviço da procuradoria municipal para promover sua defesa jurídica pessoal em Ação Popular na qual o cidadão autor deduzira a nulidade de atos abusivos praticados no exercício do mandato, a saber, a substituição do brasão oficial por outro semelhante ao do seu partido político e promoção pessoal irregular em anúncios de serviços e obras públicas.

(...)

5. O STJ possui orientação firmada no sentido de que a defesa particular do agente por procurador público configura improbidade administrativa, salvo se houver interesse convergente da Administração. (...)” (STJ, REsp .1.229.779-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 16-08-2011, v.u., DJe 05-09-2011).

“(...) 1. Considerando que o Município contratou advogado exclusivamente para defender interesses da Administração, caracteriza ato de improbidade administrativa a autorização do Prefeito aos seus subalternos, permitindo-lhes a utilização dos serviços jurídicos do causídico para duvidosa finalidade pública - defesa em relação à acusação penal e com denúncia recebida por prática de crime de falsificação de documento público, dispensa irregular de licitação, contratação e designação irregular de servidores, desvio e emprego ilegal de verbas públicas e formação de quadrilha -, evidenciando forte indício de conflito de interesses público e privado.

2. Nos termos da jurisprudência do STJ, ‘quando se tratar da defesa de um ato pessoal do agente político, voltado contra o órgão público, não se pode admitir que, por conta do órgão público, corram as despesas com a contratação de advogado’ (AgRg no REsp 681.571/GO, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 29.6.2006).

3. Mais grave ainda a violação dos princípios da moralidade administrativa e da boa-fé objetiva quando a defesa de atos pessoais, tidos por criminosos, dos servidores é disfarçada como serviços ‘gratuitos’ do advogado contratado às expensas do contribuinte. (...)” (STJ, REsp 490.259-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, 02-02-2010, v.u., DJe 04-02-2011).

29.              Converge a esse entendimento o parecer da Procuradoria-Geral da República lançado em ação direta de inconstitucionalidade que analisou o art. 45 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e a alínea a do Anexo II da Lei Complementar n. 10.194/94 daquela unidade federativa (que asseguravam a assistência judiciária do Estado ao servidor público processado civil ou criminalmente), acolhido pelo Relator Ministro Joaquim Barbosa, e que assim expressa:

“(...) se o servidor comprovar suas dificuldades e seu grau de necessidade, tem ele o amparo da Defensoria Pública, na medida em que o próprio texto constitucional determina que o Estado prestará assistência judiciária e integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Dessa forma, não há necessidade de lei que privilegie indistintamente todos os servidores estaduais, no exercício de suas atribuições (...)

Entretanto, o dispositivo da Constituição Estadual, desvirtuado ainda mais pela lei supracitada, estabelece injustificável privilégio àqueles que praticarem crimes contra o Estado, atos de improbidade e lesões ao seu patrimônio, os quais serão beneficiados, necessitem ou não, do patrocínio estatal de sua causa. Ora, se o agente for hipossuficiente, terá direito à assistência jurídica estatal. Mas se não a necessitar deverá promover sua defesa com recursos próprios, sem o patrocínio estatal, já que a defesa do Estado, na maioria dos casos, não se confunde com a do servidor e deve ser promovida pelo competente corpo de Procuradores do Estado.

Portanto, a norma desigualada não é necessária nem adequada. Tampouco proporcional, eis que significará, na maioria das vezes, no patrocínio, pelo Estado, da conduta de ímprobos, corruptos, servidores faltosos (...)” (STF, ADI 3.022-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 02-08-2004, v.u., DJ 04-03-2005).

30.              Trata-se de desigualdade desarrazoada e afrontosa à moralidade, à impessoalidade e ao interesse público.

31.             Sendo inconstitucional o art. 11 da Lei n. 10.552/13, a Resolução n. 396/13 que o regulamenta é acoimada de idêntico vício em relação de sua dependência, como já decidido (RTJ 219/143; RTJ 194/533), à luz da inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento, razão pela qual também deve ser declarada, na conformidade da explicação doutrinal:

“se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da inconstitucionalidade ‘conseqüente’, ou por ‘arrastamento’ ou por ‘atração’.” (Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 13ª ed., p. 208).

III - Pedido liminar

32.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação e que consubstancia indevido uso da máquina pública.

33.              Ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (RTJ 138/64; RTJ 142/52).

34.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da expressão “assessorar o Secretário Jurídico em todas as instâncias em defesa dos Vereadores, em razão de ações judiciais sofridas por eles em decorrência de votos, documentos ou opiniões no exercício dos trabalhos parlamentares” constante do art. 11 da Lei n. 10.552, de 04 de setembro de 2013, e, por arrastamento (ou dependência), da Resolução n. 396, de 07 de novembro de 2013, do Município de Sorocaba.

IV - PEDIDO

35.              Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “assessorar o Secretário Jurídico em todas as instâncias em defesa dos Vereadores, em razão de ações judiciais sofridas por eles em decorrência de votos, documentos ou opiniões no exercício dos trabalhos parlamentares” constante do art. 11 da Lei n. 10.552, de 04 de setembro de 2013, e, por arrastamento (ou dependência), da Resolução n. 396, de 07 de novembro de 2013, do Município de Sorocaba.

36.              Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sorocaba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre as normas impugnadas, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 25 de agosto de 2015.

 

 

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

wpmj/mam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 49.153/15

Interessado: Doutor Orlando Bastos Filho – Promotor de Justiça de Sorocaba

Objeto: inconstitucionalidade da expressão “assessorar o Secretário Jurídico em todas as instâncias em defesa dos Vereadores, em razão de ações judiciais sofridas por eles em decorrência de votos, documentos ou opiniões no exercício dos trabalhos parlamentares” constante do art. 11 da Lei n. 10.552, de 04 de setembro de 2013, e, por arrastamento (ou dependência), da Resolução n. 396, de 07 de novembro de 2013, do Município de Sorocaba.

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado anexo.

2.     Oficie-se ao douto Promotor de Justiça interessado, com o envio de cópias, cientificando-o da propositura da ação.

São Paulo, 25 de agosto de 2015.

 

 

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj/mam