Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 072.750/15
Constitucional.
Tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 9, §§1º
e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José
do Rio Preto. Imposição de obrigações a notários e oficiais
de registro de imóveis. Alteração legislativa relacionada ao momento de
transmissão de bem imóvel para fins de tributação do ITBI. Artigos 9, §§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27
de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto. Imposição de
obrigações aos notários, oficiais de registro de imóveis e prepostos
decorrentes de realização de atos relacionados à transmissão de imóveis ou de
direitos a eles relativos, além de modificação do ato de transferência de bem
imóvel que dá ensejo à tributação do ITBI. Incompatibilidade
com os arts. 5º caput; 69, II, “b”; 77 e 144, da Constituição do Estado de São
Paulo, Competência privativa do Poder Judiciário para legislar sobre
organização dos serviços notariais e de registro. Invasão da competência
privativa federal. Violação à propriedade privada.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos artigos 9,
§§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº
323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto, consideradas as alterações promovidas
pelas Leis Complementares nº 400/13 e 454/14, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município
de São José do Rio Preto,
de iniciativa do Poder Executivo, “dispõe sobre ITBI- Imposto sobre transmissão
‘inter-vivos’ de bens imóveis e de direitos reais sobre eles, alteração da
legislação relativa ao ISSQN e hipóteses de reparcelamento de débitos de
qualquer natureza no município de São José do Rio Preto” e estabeleceu o
seguinte nos arts. 9, §§1º e 2º, 10 e 11, consideradas as alterações promovidas
pelas Leis Complementares nº 400/13 e 454/14. Vejamos:
“(...) Art. 9
- Ressalvado o disposto nos artigos seguintes, o imposto será pago mediante
guia eletrônica disponibilizada pela Administração Tributária Municipal, ou
pelos Tabelionatos e Serventias de Notas e de Registro autorizados até a data
da apresentação do título ou instrumento com força translativa, representativo
do negócio jurídico sobre o qual incida o tributo, para fins do registro
definitivo. (Redação dada pela Lei Complementar nº 454, de 2014)
§1º - Os
notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos ficam obrigados a
verificar a exatidão e a suprir as eventuais omissões dos elementos de
identificação do contribuinte e do imóvel transacionado no documento de
arrecadação, nos atos em que intervierem. (Renumerado pelo parágrafo único pela
Lei Complementar nº 400, de 2013)
§2º - Caso a
guia não seja paga no seu vencimento e mesmo assim haja o registro definitivo,
o imposto será exigido com os encargos legais, a partir de seu vencimento, nos
termos desta Lei Complementar. (Incluído pela Lei Complementar nº 400, de 2013)
Art. 10 - Na
arrematação, adjudicação ou remição, o imposto será pago dentro de 05 (cinco) da
expedição da guia eletrônica emitida com base nos dados constantes dos
respectivos autos ou cartas. (Redação dada pela Lei Complementar nº 400, de
2013)
Art. 11 - Nas
transmissões realizadas por termo judicial ou em virtude de sentença judicial,
o imposto será pago dentro de 5 (cinco) dias contados da expedição da guia
eletrônica emitida com base nos dados constantes dos respectivos autos ou
cartas. (...)”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os arts. 9, §§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do
Município de São José do Rio Preto, consideradas as alterações promovidas pelas Leis
Complementares nº 400/13 e 454/14, contrariam frontalmente a Constituição do
Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os referidos
dispositivos são incompatíveis com os artigos 5º, caput; 69, II, “b”; 77 e 144, todos da Constituição Estadual, que
assim estabelecem:
“CE/89:
Art. 5º. São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 69. Compete
privativamente ao Tribunal de Justiça:
(...)
II – pelos
seus órgãos específicos:
(...)
b) organizar
suas secretarias e serviços auxiliares, velando pelo exercício da respectiva
atividade correicional;
(...)
Art. 77. Compete,
ademais, ao Tribunal de Justiça, por seus órgãos específicos, exercer controle
sobre atos e serviços auxiliares da Justiça, abrangidos os notariais e os de
registro.
(...)
Art. 144 . Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Avive-se, por
necessário, que o art. 144 da Constituição
Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da
Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado
“norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos
limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da
Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o
controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo
(STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF,
Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Daí decorre a possibilidade de
contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual por sua remissão
à Constituição Federal e a seus arts.
5º, caput, e XXII; 22, I; e 156, II, que assim dispõe:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito de
propriedade;
(...)
Art. 22. Compete privativamente à União
legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal,
processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...)
Art. 156. Compete aos Municípios instituir
impostos sobre:
(...)
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;”
Neste contexto normativo, exsurge “ictu oculi” que a iniciativa legislativa do Executivo do município de São José do Rio Preto afrontou a prescrição constitucional de que compete ao Poder Judiciário iniciativa de lei a respeito de serventias judiciais e extrajudiciais (art. 69, II, “b”, da CE).
Ora, é cediço que os tabelionatos e registros são serviços auxiliares da justiça e, assim sendo, cabe ao Poder Judiciário privativamente disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos notários, oficiais e prepostos.
Neste sentido, confira-se a jurisprudência do STF:
“Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Lei Estadual (SP) nº 12.227/06. Inconstitucionalidade
formal. Vício de iniciativa. Art. 96, II, "b" e "d", da
Constituição Federal. 1. A declaração de inconstitucionalidade proferida por
Tribunal estadual não acarreta perda de objeto da ação ajuizada na Suprema
Corte, pendente ainda recurso extraordinário. 2. Vencido o Ministro Relator,
que extinguia o processo sem julgamento do mérito, a maioria dos Julgadores
rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir por ausência de impugnação
do art. 24, § 2º, item 6, da Constituição do Estado de São Paulo, com
entendimento de que este dispositivo não serve de fundamento de validade à lei
estadual impugnada. 3. É pacífica a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as leis que
disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa
privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas
"b" e "d" do inciso II do art. 96 da Constituição da
República. Precedentes: ADI nº 1.935/RO, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ
de 4/10/02; ADI nº 865/MA-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/4/94.
4. Inconstitucionalidade formal da Lei Estadual (SP) nº 12.227/06, porque
resultante de processo legislativo deflagrado pelo Governador do Estado. 5.
Ação direta que se julga procedente, com efeitos ex tunc.” (ADI
3773/SP, Rel. Min. Menezes de Direito, Tribunal Pleno, Julgado em 04/03/2009,
DJe 03/09/2009)
Outrossim, os notários, por não serem sujeitos passivos do ITBI
de imóveis pertencentes e negociados por terceiros, não podem sujeitar-se à
obrigação fiscal quer de ordem principal, quer secundária, não lhes cabendo,
também, a posição de cobradores de tal imposto, ou fiscais de seu recolhimento,
conforme se depreende da previsão insculpida no §1º do art. 9º da lei combatida.
A Fazenda Pública deve valer-se dos procedimentos próprios a
tal desiderato. Assinale-se, ademais, que os notários não são contribuintes do ITBI dos imóveis transacionados por
terceiros, bem como, não podem ser enquadrados como responsáveis em tal relação tributária, pois o art. 134, VI, do
CTN, atinge apenas os 'tributos
devidos sobre os atos praticados'. Portanto, não sendo contribuinte ou
responsável, os notários não podem experimentar qualquer reprimenda fiscal, seja
de obrigação principal ou acessória, o que revela a fragilidade da norma
municipal.
Por fim, não se pode furtar nesta exordial do fato de o
Prefeito e Câmara Municipal de São José do Rio Preto ao legislarem sobre
transmissão de propriedade de imóvel acabaram invadindo competência exclusiva
da União acerca de matéria civil (art. 22, I, da CF).
Como sabido, o imposto sobre a transmissão inter vivos de bens imóveis e direitos
reais sobre imóveis (ITBI), plasmado no art. 156, II, da Constituição Federal,
tem com fato gerador o momento da transmissão patrimonial ou a cessão de
direitos reais atinentes ao bem, que se configura, segundo o art. 1.245 e
parágrafos do Código Civil, quando do registro do respectivo título no cartório
de registro de imóveis. In verbis:
“Art. 1.245.
Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título
translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o
título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2o Enquanto não se promover, por
meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo
cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.”
Partindo-se da ratio do dispositivo supra, se o fato gerador do tributo examinado somente se visualiza com a transmissão do bem, e este ato, por conseguinte, reclama o registro do título no cartório respectivo, segundo consta da lei civil, configura-se inviável não só a imposição do ITBI antes do citado registro, sob pena de ofensa aos arts. 5º, caput e XXII, e 156, II, da CF, bem como a modificação do ato previsto no diploma civilista que efetiva a transferência de bem imóvel, por violação ao art. 22, I, da CF.
Sobre a quaestio iuris, colaciona-se posicionamento sedimentado no Excelso Pretório:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO
GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE. A obrigação
tributária surge a partir da verificação de ocorrência da situação fática
prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da
transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação civil, a
transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro.
Assim, pretender a cobrança do ITBI sobre a celebração de contrato de
promessa de compra e venda implica considerar constituído o crédito antes da
ocorrência do fato imponível. Agravo regimental a que se nega
provimento.” (ARE 805859 AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, julgado
em 10/02/2015, DJe 09/03/2015).
“Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo. Imposto sobre a
Transmissão De Bens Imóveis –ITBI. Fato Gerador: Registro da transferência efetiva
da propriedade. Precedentes. Agravo Regimental ao qual se nega provimento.”
(ARE 798241 AgR/RJ, Min. Rel. Cármen Lúcia, 2ª Turma, julgado em 01/04/2014,
DJe 14/04/2014)
“Agravo regimental no agravo de instrumento. Imposto de transmissão
intervivos de bens imóveis. ITBI. Momento da ocorrência do fato
gerador. Compromisso de compra e venda. Registro do imóvel. 1. Está
assente na Corte o entendimento de que o fato gerador
do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade
imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.” (AI 764432 AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli,
1ª Turma, julgado em 08/10/2013, DJe 25/11/2013)
Ante os argumentos perfilados, não
resta dúvida acerca da inconstitucionalidade dos arts. 9, §§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do
Rio Preto, consideradas
as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº 400/13 e 454/14, em razão da violação aos
artigos 5º, caput; 69, II, “b”; 77 e
144, todos da Constituição Estadual, e arts. 5º, caput e XXII; 22, I; e 156,
II, todos da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força de seu
art. 144.
III – Pedido
liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do Município de São
José do Rio Preto apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se a imposição de inconstitucionais penalidades aos
notários, registradores e prepostos.
À luz deste perfil, requer a
concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento
desta ação, dos arts. 9, §§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do
Rio Preto, consideradas
as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº 400/13 e 454/14.
IV – Pedido
Face ao exposto, requer-se o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 9, §§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do
Rio Preto, consideradas
as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº 400/13 e 454/14.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de São José do Rio Preto, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se
manifestar sobre os dispositivos do ato normativo impugnado, protestando por
nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo, 25 de agosto de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aaamj
Protocolado nº 072.750/15
Interessado: Promotoria de Justiça de São José do Rio Preto
Assunto: Inconstitucionalidade dos artigos
9, §§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do
Município de São José do Rio Preto, consideradas as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº
400/13 e 454/14.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos artigos 9, §§1º e 2º, 10 e 11 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto, consideradas as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº 400/13 e 454/14, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 25 de agosto de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aaamj