EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
68.869/2015
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de empregos de provimento em comissão previstos na Lei nº 1.733, de 29 de outubro de 2003 e na Lei Complementar nº 11, de 18 de julho de 2007, todas do Município de Iguape.
2)
Empregos
de provimento em comissão de Assessor de
Finanças, Diretor de Divisão de Tesouraria, Diretor de Divisão de Orçamento e
Contabilidade, e Diretor de Divisão
de Protocolo que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e
direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a
serem preenchidas por servidores públicos investidos em empregos de provimento
efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de
dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).
3)
Emprego
de provimento em comissão de Assessor
Jurídico. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria
de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a
profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
4) Incompossível a sujeição dos empregos de provimento em comissão ao regime celetista (CLT), contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111, da CE/89).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda
no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 68.869/2015,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face das
expressões “regidos pela CLT”, “Assessor Jurídico”, “Assessor de Finanças”, “Diretor de Divisão de Tesouraria” e “Diretor de Divisão de Orçamento e
Contabilidade” constantes do Anexo I, da Lei nº 1.733, de 29 de outubro de
2003, e dos arts. 3º, 4º e 9º, da Lei Complementar nº 11, de 18 de julho de
2007, ambas do Município de Iguape, pelos fundamentos expostos a seguir:
1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta
de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada
pela Promotoria de Justiça de Iguape (fls. 02/05).
A Lei nº 1.733, de 29 de outubro de 2003, do
Município de Iguape, assim dispõe na parte que interessa:
“(...)
ANEXO I À LEI Nº
1.733/03
Quadro
de pessoal – Parte Permanente
Tabelas
de emprego de provimento em comissão,
criados, mantidos ou redenominados, regidos
pela CLT.
(...)”
(g.n.)
Já a Lei Complementar nº 11, de 18 de julho de 2007,
do Município de Iguape, criou o emprego de provimento em comissão de Diretor de
Divisão de Protocolo:
“(...)
Art.
3º - Fica criado o emprego de Diretor de Divisão de Protocolo no Departamento
de Administração, no anexo I da Lei 1.733, de 29 de outubro de 2003, conforme a
tabela abaixo:
Denominação |
Nº
emprego |
Ref. |
Requisito |
Tab. |
Diretor
de Divisão de Protocolo |
1 |
04 |
Ensino
Médio |
I |
Art.
4º - Passa a integrar o anexo VI da Lei 1.733, de 29 de outubro de 2003, o
tópico referente às atribuições do emprego de Diretor de Divisão de Protocolo
no Departamento de Administração.
“Diretor de Divisão de Protocolo:
I – Organizar o
recebimento, a classificação, a numeração, autuação, distribuição, o registro e
o controle da movimentação dos documentos e papéis encaminhados pelo Público à
Prefeitura;
II – expedir
correspondência;
III – organizar e
arquivar documentos por ordem alfabética e/ou numérica de acordo com as
técnicas de atualização de fichários, bem como desarquivá-los, quando
necessário;
IV – realizar
levantamento de documentos, quando solicitado;
V – controlar e
executar os serviços de malote;
VI – expedir
certidões atinentes aos processos.”
(...)
Art.
9º - Fica alterado o anexo I, Quadro de Pessoal – Parte Permanente, da Lei
1.733, de 29 de outubro de 2003, quanto ao emprego público de Assessor de
Finanças, conforme a tabela abaixo:
Denominação |
Nº
emprego |
Ref. |
Requisito |
Tab. |
Assessor
de Finanças |
2 |
04 |
Ensino
médio |
I |
(...)”
Os atos normativos transcritos, na parte em que previu
os empregos de provimento em comissão de
Assessor de Finanças, Diretor de Divisão de Tesouraria, Diretor de Divisão de
Orçamento e Contabilidade, Diretor de Divisão de Protocolo e Assessor Jurídico,
bem como a sua submissão ao regime celetista, são inconstitucionais por
violação dos arts. 98 a 100, 111, 115, incisos I, II e V, e 144, da
Constituição Estadual, senão vejamos.
2. DAS ATRIBUIÇÕES DOS EMPREGOS
EM COMISSÃO E O RELATÓRIO TÉCNICO DA AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
A Lei nº 1.733, de 29 de outubro de 2003, do
Município de Iguape, descreveu as atribuições dos empregos comissionados
mencionados, da seguinte maneira:
ANEXO VI À LEI Nº
1.733/03
DESCRIÇÃO
DOS EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO
(...)
Assessor Jurídico
I.
atuar
exclusivamente na esfera extra-judicial;
II.
estudar
procedimentos e assuntos que lhe seja submetido pelo Chefe do Poder Executivo;
III.
opinar
através de deliberações que, quando aceitas, passam a vincular a Administração
ao seu enunciado;
IV.
elaborar
pareceres;
V.
assessorar
o Chefe do Poder Executivo nos assuntos legais, economico-tributários e
relações públicas.
(...)
Assessor de Finanças
I.
auxiliar
na elaboração do orçamento programa e o Orçamento-plurianual de investimentos;
II.
auxiliar
na realização os registros, e os controles contábeis e orçamentários do
Município.
(...)
Diretor de Divisão
de Tesouraria
I.
realizar
as atividades pertinentes ao recebimento, pagamento e guarda-valores;
II.
promover
toda a conciliação bancária;
III.
efetuar
relatórios de receita e despesas gerais, classificando-as;
IV.
organizar
os empenhos em ordem cronológica para pagamento.
(...)
Diretor
de Divisão de Orçamento e Contabilidade
I.
elaboração
de orçamento programa;
II.
emissão
de notas de empenho, relatótios de execução orçamentária e de gestão fiscal;
III.
emissão
de balancetes de receita e despesas mensais;
IV.
prestação
de contas junto às Secretarias de Estado e órgãos da União;
V.
emissão
de balanço geral do exercício;
VI.
conferência
de subvenções sociais;
VII.
emissão
de ordem cronológica de pagamentos;
VIII.
emissão
de relatórios trimestrais da Educação e semestrais da Saúde – SIOPS;
IX.
remessa
dos relatórios para publicação na imprensa escrita e aos órgãos fiscalizadores.
(...)”
A Lei nº 1.800, de 22 de março de 2005, do Município
de Iguape, atualizou as funções do Assessor Jurídico, nos seguintes termos:
“(...)
Art.
1º - O tópico concernente às atribuições de Assessor Jurídico, inserto no anexo VI, da Lei nº 1.733, de 29 de
outubro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘I – representar a municipalidade, judicial
e extrajudicialmente;
II
– estudar procedimentos e assuntos que lhe sejam submetidos pelo Chefe do Poder
Executivo;
III
– elaborar pareceres;
IV
– assessorar o Chefe do Executivo nos assuntos legais, econômico-tributários e
relações públicas;’
(...)”
Cumpre
destacar, a partir dessa análise, que tais funções e atribuições foram apontadas como inconstitucionais em relatório técnico
da auditoria do Tribunal de Contas do Estado, nos seguintes termos:
“(...)
Ao se analisar a lei nº. 1.733/2003 (fls. 376/399 do Anexo II) e a Lei Complementar nº. 11/2007 (fls. 400/407 do Anexo II), que regulamentam o quadro de pessoal do Executivo, observamos que vários dos cargos em comissão existentes encontram-se em desarmonia ao estabelecido pelo artigo 37, V, da Constituição Federal, pelos motivos que a seguir delineamos:
- Assessor de Gabinete (...)
- Assessor de Finanças (fls. 391 do Anexo II) – tem como atribuições ‘auxiliar na elaboração do orçamento programa e o orçamento-plurianual de investimentos; auxiliar na realização os registros, e os controles contábeis e orçamentários do Município’. Também aqui, vemos funções técnicas, inerentes a cargo de caráter permanente.
- Diretor de Divisão de Tesouraria (fls. 392 do Anexo II) – Tem como atribuições ‘realizar recebimento, pagamento, conciliações bancárias, relatórios contábeis e organizar empenhos’, atividades típicas de Tesoureiro, que é cargo de caráter efetivo e que, aliás, não existe no organograma funcional do Executivo.
- Diretor de Divisão de Orçamento e Contabilidade (fls. 392 do Anexo II) – Tem como atribuições ‘realizar orçamentos, balancetes, prestações de contas, relatórios contábeis’, entre outras, todas atividades típicas de cargo de caráter permanente, no caso específico, Contador, cargo também inexistente no Quadro de Pessoal da Prefeitura.
- Diretor de Divisão e Protocolo (fls. 401/402 do Anexo II) – Tem como atribuições ‘receber, organizar, arquivar e encaminhar documentos’, ou seja atividades típicas de seção de protocolo, caracterizando-se por serem eminentemente técnicas e inerentes a cargo de caráter efetivo.
A Egrégia Primeira Câmara, em sessão de 17/03/2009, nos autos do TC-2419/026/07, sob a relatoria do E. Conselheiro Doutor Cláudio Ferraz de Alvarenga, decidiu, em situação semelhante à retro descrita, que ‘o Município deve promover a extinção dos cargos impropriamente em comissão’.
(...)” (g.n.)
(fls. 44/45 do protocolado MP 68.869/2015)
Em suma, os empregos
em comissão de Assessor de Finanças, Diretor
de Divisão de Tesouraria, Diretor de Divisão de Orçamento e Contabilidade e
Diretor de Divisão de Protocolo, apresentam
atribuições típicas de auxiliar, tesoureiro, contador e técnico, respectivamente,
ou seja, funções meramente profissionais, que não demandam relação de confiança,
como passaremos a expor.
3.
DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES
DOS EMPREGOS COMISSIONADOS
As atribuições dos empregos de Assessor de Finanças, Diretor de Divisão de
Tesouraria, Diretor de Divisão de Orçamento e Contabilidade e Diretor de Divisão de Protocolo, do Município de Iguape,
têm natureza meramente técnica, burocrática, operacional e
profissional, conforme se observa pela descrição das funções destinadas aos
ocupantes de tais empregos.
Outro
aspecto dos mencionados empregos também lhes conferem natureza de unidades que
desempenham atividades subalternas. A previsão de jornada de trabalho de 40
horas semanais, incompatível com função de direção superior.
Além deste aspecto indicativo de que os empregos
impugnados desempenham funções subalternas, de pouca
complexidade, não se exigindo tão somente o dever comum de lealdade às
instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição de suas atribuições
evidenciam a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou
operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.
Dessa forma, os empregos comissionados anteriormente
destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115 incisos I, II e V, e
art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao
perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço
público sem concurso.
Embora o Município seja dotado de autonomia política
e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da
Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita
ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13.
ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal deve ser exercida com a
observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição
Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício de sua autonomia administrativa, o
Município cria cargos e funções, mediante atos normativos, instituindo
carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando
adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município organize
seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional,
sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais
federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.
A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve
ser o preenchimento dos postos por meio de concurso público de provas ou de
provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista
inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da
Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento
dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.
A criação de cargos de provimento em comissão, de
livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o
governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções
inerentes à atividade predominantemente política.
Há implícitos limites à sua criação, visto que assim
não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso
para acesso ao serviço público.
A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em
precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes
com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser
encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso
(STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas
aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam
excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com
relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem
além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e
qualquer servidor.
É esse o fundamento da argumentação no sentido de que
“os cargos em comissão são próprios para
a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente
que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação,
ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões
percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante
não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob
pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de
gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício
de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente
profissional, fora dos níveis de direção,
chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas
pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo
de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa
também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT
VOL-01765-01 PP-00169).
Não
é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o
provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de
confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das
diretrizes políticas do governo.
Pela
análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados não se identificam os
elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo na vigência da ordem constitucional
anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio
Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo
legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real
controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de
sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a
atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de
competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa,
a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas
apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos
seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de
lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem,
comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma
fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade
pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre
provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior,
mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e
exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras,
enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos
titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas
atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer
preocupações e considerações de outra natureza”(Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT,
1984, p. 95/96).
No caso em exame, evidencia-se claramente que os empregos de provimento em comissão, antes
referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu
adequado desempenho, relação de especial confiança.
É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada
encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00,
j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de
janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30
de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des.
Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).
4.
DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA
A atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.
É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.
Este modelo deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
Assim, a natureza técnica profissional do emprego de Assessor Jurídico, no Município de Iguape, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o emprego seja de provimento em comissão.
5.
DO REGIME CELETISTA AOS EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – VIOLAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA MORALIDADE
Finalmente,
cerifica-se que os empregos de provimento em comissão antes referidos, no
Município de Iguape, estão submetidos ao regime celetista.
A
subordinação dos empregos de provimento em comissão ao regime celetista importa
em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade,
previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição
Estadual.
Enquanto
a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial
dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de
racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando
discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta
à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética,
boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração
Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público
(primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade
de incidência nos atos normativos.
Na
espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios. Como o provimento comissionado
constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público,
possibilitando a investidura por critérios pessoais e subjetivos, sob o pálio
da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de
sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do
regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa
imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da
atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica
precária e instável.
O
padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a
oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego
comissionado, à luz da conformação constitucional que realça a liberdade de seu
provimento - orientada por força de ingredientes puramente políticos. Em suma,
a sujeição do emprego comissionado ao regime celetista implica intolerável
outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à
vista da natureza do provimento em comissão cuja marca eloquente é a
instabilidade ditada pela relação de confiança.
Dessa
forma, inconstitucional tal previsão, por
violar o art. 111 e os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual ao
subordinar todos os empregos de provimento em comissão criados ao regime de
contratação da CLT.
6. DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das expressões “regidos pela CLT”, “Assessor Jurídico”, “Assessor
de Finanças”, “Diretor de Divisão de
Tesouraria” e “Diretor de Divisão de
Orçamento e Contabilidade” constantes do Anexo I, da Lei nº 1.733, de 29 de
outubro de 2003, e dos arts. 3º, 4º e 9º, da Lei Complementar nº 11, de 18 de
julho de 2007, ambas do Município de Iguape.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Iguape, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que, aguarda-se deferimento.
São Paulo, 02 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
lfmm/dcm
Protocolado nº 68.869/2015
Assunto: propositura de ação direta de
inconstitucionalidade das leis municipais de Iguape nº 1.733/2003 e 11/2007
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face das expressões “regidos pela CLT”, “Assessor Jurídico”,
“Assessor de Finanças”, “Diretor de Divisão de Tesouraria” e “Diretor de Divisão de Orçamento e
Contabilidade” constantes do Anexo I, da Lei nº 1.733, de 29 de outubro de
2003, e dos arts. 3º, 4º e 9º, da Lei Complementar nº 11, de 18 de julho de
2007, ambas do Município de Iguape, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 02 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
lfmm/dcm