Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado n. 66.639/15

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Art. 8º, 17 e 20, Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do rio Preto. Criação dos cargos de provimento em comissão. Atribuições burocráticas ou técnicas. Advocacia Pública. Estágio probatório. Cômputo de tempo em cargo comissionado. 1. É inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições não revelem assessoramento, chefia ou direção, ou sejam próprias à advocacia pública (arts. 98, §§ 1º a 3º, 111, 115, II e V, CE/89). 2. Padece de inconstitucionalidade preceito normativo municipal que aproveita o cômputo, para fins de estágio probatório visando à estabilidade em cargo de provimento efetivo, o período de exercício de cargo de provimento em comissão ou função gratificada, mesmo que com avaliação (art. 127, CE/89).

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 8º, 17 e 20 da Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

                   A Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto, que dispõe sobre a reestruturação administrativa da autarquia Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto – SeMAE, altera a Lei Complementar n. 130, de 24 de agosto de 2001, juntamente com as Leis Complementares n. 265 e n. 266, ambas de 06 de outubro de 2008 e Lei Complementar n. 375, de 02 de janeiro de 2013, cria em seu art. 8º 02 (dois) cargos de Gerente Jurídico e em seu art. 20 01 (um) cargo de Assessor Especial, todos de provimento em comissão, e, além disso, permite em seu art. 17 o aproveitamento, para fins da aquisição da estabilidade, do tempo de serviço em cargo de provimento em comissão.

                   Eis a redação dos preceitos legais impugnados:

“Art. 8º - Ficam criados 02 cargos em comissão de Gerente Jurídico (GJU), assim declarados de livre nomeação e exoneração pelo Superintendente, com padrão remuneratório fixado no Anexo I desta Lei Complementar, que deverão ser ocupados por advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, de notório saber jurídico, reputação ilibada e estar pessoalmente qualificado para a respectiva área de atuação, com as seguintes atribuições:

I – planejar, gerir, dirigir e administrar as atividades da Gerência, em todos os seus aspectos, delegando aos seus subordinados a administração da rotina diária das gerências;

II – assessorar direta e pessoalmente o Diretor Jurídico no desempenho de suas atribuições;

III – apreciar previamente, por determinação do Diretor Jurídico, documentos e expedientes submetidos à sua apreciação, quanto aos aspectos jurídico-formais da redação dos mesmos;

IV – emitir pareceres e realizar estudos específicos, por determinação do Diretor Jurídico;

V – realizar outras atribuições específicas relativas ao seu campo de atuação, por determinação do Diretor Jurídico.

(...)

Art. 17 - O artigo 15 da Lei Complementar nº 266, de 06 de outubro de 2008, e suas alterações, passa a vigorar acrescido do Parágrafo único, com a seguinte redação:

‘Art. 15. .....

Parágrafo Único - O servidor concursado em estágio probatório, que for nomeado para cargo em comissão ou função gratificada, durante o período de seu estágio probatório, não terá sua avaliação suspensa enquanto ocupar o cargo de livre nomeação e exoneração, se, as atividades do cargo ou função gratificada ocupada forem similares e correlatas ao cargo de origem.’

(...)

Art. 20 – Fica criado o cargo de provimento em comissão de Assessor Especial (AE), com remuneração com base no Quadro de Cargos de Provimento em Comissão constante no ANEXO I, desta Lei Complementar, ao qual compete especificamente assessorar e assistir a chefia imediata sobre as matérias pertinentes, assessorar na articulação com órgãos da Autarquia, auxiliar na definição das ações da sua área de competência, instruir expedientes administrativos que lhe sejam submetidos, receber e despachar documentos diretamente com o superior hierárquico, acompanhar ou representar, quando solicitado, o superior hierárquico em reuniões, eventos e solenidades.

Parágrafo Único - São requisitos para o provimento em comissão do cargo de Assessor Especial (AE), possuir preferencialmente formação de nível superior e estar pessoalmente qualificado para a respectiva área de atuação”.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   Os dispositivos acima transcritos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

                   As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 127 - Aplica-se aos servidores públicos estaduais, para efeito de estabilidade, o disposto no artigo 41 da Constituição Federal.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   É inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

                   A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

                   Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.

                   Portanto, têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador. O essencial é análise do plexo de atribuições das funções públicas.

                   É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

                   A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553; STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

                  As atribuições do cargo de Assessor Especial (art. 20) não consistem em assessoramento, chefia e direção, como determina a Constituição, caracterizando meras funções burocráticas que não dependem da liberdade de provimento em sua investidura. Além do alto grau de generalidade, imprecisão e indeterminação constante da redação normativa impugnada ao se referir ao assessoramento e à assistência à chefia imediata sobre as matérias pertinentes ou ao auxílio na definição de ações de sua área de competência, não se constata a necessidade de relação de confiança para transmissão de diretrizes políticas de governo e controle de sua execução na instrução de expedientes administrativos, no recebimento de documentos e na sua submissão à deliberação superior, no acompanhamento ou representação do superior hierárquico em eventos, reuniões e solenidades.

                   Por sua vez, as atribuições dos cargos de Gerente Jurídico (art. 8º) não revelam atribuições de assessoramento, chefia ou direção, senão funções profissionais e técnicas.

                   Bem por isso, o provimento comissionado é incompatível com o art. 98 da Constituição Estadual, pois, não bastassem as ponderações anteriores, atividades inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação jurídica dos órgãos e entidades da Administração Pública centralizada ou descentralizada, são exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público, como revela a remissão ao art. 132 da Constituição Federal contida no § 1º do art. 98 da Constituição Estadual. Cediça jurisprudência assim pronuncia:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL Nº 8.186/2007 (ALTERADA PELAS LEIS nºs 9.332/2011 e 9.350/2011) DO ESTADO DA PARAÍBA: ART. 3º, INCISO I, ALÍNEA ‘A’ (‘na elaboração de documentos jurídicos’) E ANEXO IV, ITENS NS. 2 A 21 (NAS PARTES QUE CONCERNEM A CARGOS E A FUNÇÕES DE CONSULTORIA E DE ASSESSORAMENTO JURÍDICOS) – CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO – APARENTE USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS RESERVADAS A PROCURADORES DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ART. 132) – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO CAUTELAR – MANIFESTAÇÕES FAVORÁVEIS DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA – DECISÃO CONCESSIVA DE SUSPENSÃO CAUTELAR DE EFICÁCIA DAS NORMAS IMPUGNADAS INTEIRAMENTE REFERENDADA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, PREJUDICADO O RECURSO INTERPOSTO. O SIGNIFICADO E O ALCANCE DA REGRA INSCRITA NO ART. 132 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: EXCLUSIVIDADE E INTRANSFERIBILIDADE, A PESSOAS ESTRANHAS AO QUADRO DA ADVOCACIA DE ESTADO, DAS FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS DE PROCURADOR DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL. – É inconstitucional o diploma normativo editado pelo Estado-membro, ainda que se trate de emenda à Constituição estadual, que outorgue a exercente de cargo em comissão ou de função de confiança, estranho aos quadros da Advocacia de Estado, o exercício, no âmbito do Poder Executivo local, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos, pois tais encargos traduzem prerrogativa institucional outorgada, em caráter de exclusividade, aos Procuradores do Estado pela própria Constituição da República. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Magistério da doutrina. – A extrema relevância das funções constitucionalmente reservadas ao Procurador do Estado (e do Distrito Federal, também), notadamente no plano das atividades de consultoria jurídica e de exame e fiscalização da legalidade interna dos atos da Administração Estadual, impõe que tais atribuições sejam exercidas por agente público investido, em caráter efetivo, na forma estabelecida pelo art. 132 da Lei Fundamental da República, em ordem a que possa agir com independência e sem temor de ser exonerado ‘ad libitum’ pelo Chefe do Poder Executivo local pelo fato de haver exercido, legitimamente e com inteira correção, os encargos irrenunciáveis inerentes às suas altas funções institucionais. CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO: A QUESTÃO DO VALOR JURÍDICO DO ATO INCONSTITUCIONAL (ADI 2.215-MC/PE, REL. MIN. CELSO DE MELLO). O “STATUS QUAESTIONIS” NA JURISPRUDÊNCIA E NA DOUTRINA CONSTITUCIONAIS: PLURALIDADE DE OPINIÕES DOUTRINÁRIAS EM TORNO DOS GRAUS DIFERENCIADOS DE INVALIDADE DO ATO INCONSTITUCIONAL. A POSIÇÃO PREVALECENTE NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A MODULAÇÃO TEMPORAL COMO TÉCNICA DECISÓRIA DE ABRANDAMENTO, MEDIANTE JUÍZO DE CONCRETA PONDERAÇÃO, DO DOGMA DA NULIDADE DO ATO INCONSTITUCIONAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. – Concessão, ‘ad referendum’ do Plenário, por decisão monocrática do Relator, de medida cautelar em sede de fiscalização abstrata. Possibilidade excepcional. A questão do início da eficácia desse provimento cautelar. Execução imediata, com todas as consequências jurídicas a ela inerentes, dessa decisão, independentemente de ainda não haver sido referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. – O tríplice conteúdo eficacial das decisões (tanto as declaratórias de inconstitucionalidade quanto as concessivas de medida cautelar) nos processos objetivos de controle abstrato de constitucionalidade: (a) eficácia vinculante, (b) eficácia geral (“erga omnes”) e (c) eficácia repristinatória. Magistério doutrinário. Precedentes” (STF, ADI 4.843-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 11-12-2014, v.u., DJe 19-02-2015).

                   O art. 17 acrescentou parágrafo único ao art. 15 da Lei Complementar n. 266, de 08 de outubro de 2008, assegurando o aproveitamento, para fins de aquisição de estabilidade, do período em que o servidor titular de cargo de provimento efetivo desenvolver atividades de cargo de provimento em comissão ou função gratificada se “forem similares e correlatas ao cargo de origem”.

                   A inovação normativa não se afina com o art. 127 da Constituição Estadual que remete ao art. 41 da Constituição Federal. A aquisição da estabilidade exige o triênio de efetivo exercício no cargo de provimento efetivo para o qual nomeado o servidor público, no qual seu desempenho será avaliado.

                   A norma local estabelece que o servidor titular de cargo de provimento efetivo poderá ser nomeado, durante o período (trienal) de estágio probatório, para o exercício de cargo de provimento em comissão ou função de confiança, adicionando que durante esse tempo “não terá sua avaliação suspensa (...) se as atividades do cargo ou função gratificada forem similares ou correlatas ao cargo de origem”.

                   Ora, é evidente que a inovação normativa simplesmente neutraliza a carga positiva do estágio probatório na medida em que a aferição do desempenho não tem relação com o desempenho do cargo que titulariza o servidor, mas, com o desenvolvimento de outras funções e sem que tenha sido dimensionada sua aptidão específica, e que estão sujeitas exclusivamente ao crivo subjetivo da autoridade que o nomeou. A existência de vínculo de confiança, de natureza eminentemente subjetiva, entre o servidor e a autoridade superior, se incompatibiliza com o trato objetivo e igualitário que deve marcar a aferição de desempenho, subordinando-a a influências subjetivas, pessoais, políticas, não sendo heresia concluir que, durante esse período, obviamente aquele granjeará resultados positivos, da mesma maneira em que poderá ser exonerado por azo de fatores que não têm obrigatoriamente qualquer relação objetiva com o exercício do cargo.

III – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo às finanças públicas e à legitimidade do exercício de cargos públicos.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos arts. 8º, 17 e 20 da Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto.

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 8º, 17 e 20 da Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de São José do Rio Preto, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 31 de agosto de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 66.639/15

Interessado: Roberto Carlos Martins

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto

 

 

 

 

 

                   1. Junte-se cópia da Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto, mediante pesquisa no sítio eletrônico da Câmara Municipal respectiva.

                   2. Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face do art. 8º da Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto.

                   3. Determino o arquivamento da representação com relação à totalidade da Lei Complementar n. 464, de 17 de abril de 2015, do Município de São José do Rio Preto, por não ser exigível à luz da Constituição do Estado de São Paulo a observância do inciso II do art. 180 em seu respectivo processo legislativo por não constituir lei que diretamente discipline o desenvolvimento urbano.

                   Tampouco é admissível contestá-la no contencioso direto de constitucionalidade por sua eventual incompatibilidade com o direito infraconstitucional à luz do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, que elege como parâmetro exclusivo para esse escopo a Constituição Estadual.

                   Além disso, eventual incompatibilidade com o art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo nos termos em que exposta na representação – no tocante ao curso do processo legislativo – constituiria inconstitucionalidade reflexa ou indireta, por demandar seu cotejo com o Regimento Interno da Câmara Municipal.

                   4. Também arquivo a representação no que se refere aos demais dispositivos da Lei Complementar n. 464/15 particularmente impugnados, já observando, ab initio, que essa foi a conclusão no tocante ao art. 50 da Lei Complementar n. 346, de 18 de agosto de 2011, em oportunidade anterior (Protocolado n. 109.742/14).

                   A criação de novos órgãos na estrutura da autarquia - que não se confunde com a criação de cargos – como previsto nos arts. 2º, 7º, 9º, 11, não se mostra, em linha de princípio, inconstitucional, e o exame de matéria de fato a respeito desautoriza o contencioso direto de constitucionalidade, sem prejuízo do acesso ao controle difuso, inclusive mediante provocação à douta Promotoria de Justiça de São José do Rio Preto, como, aliás, requerido (fl. 20).

                   Idênticas premissas e conclusões se estendem à criação de cargos de provimento efetivo de Advogado e Assistente Social (art. 21), e de funções gratificadas (art. 22).

                   5. Ciência à douta Promotoria de Justiça de São José do Rio Preto, remetendo-se cópia da representação (fls. 02/31), bem como ao interessado.

                   São Paulo, 31 de agosto de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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