Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 74.307/2015
Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei complementar n. 556, de 20 de julho de 2007, do Município de Bragança Paulista. Arts. 65 à 74. Regulamentação de loteamentos fechados. Permissão de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo. Violação à liberdade de circulação. Ausência de razoabilidade e interesse público. Invasão da esfera normativa alheia sobre direito civil, direito urbanístico e normas gerais de licitação e contratação pública. Violação à liberdade de associação. Desvinculação do Plano Diretor. 1. Lei inconstitucional por não ter sido assegurada a participação comunitária em seu respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89). 2. O fechamento de loteamentos com outorga de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo, é restrição incompatível com as funções essenciais da cidade, a limitação à liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum do povo (art. 180, I, CE/89). 3. Legislação a que falta interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89): aquele significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição, discriminação incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça, bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável. 4 Lei local eivada de vício de competência legislativa, devido à usurpação da competência legislativa da União para legislar privativamente sobre direito civil e prever normas gerais sobre direito urbanístico (arts. 22, I, e 24, I, CF/88 c.c. art. 144, CE/89). 5. Violação ao art. 144, CE/89, patenteada pela restrição à liberdade de circulação, princípio estabelecido como direito fundamental. 6. Ofensa à liberdade de associação, a qual pressupõe autonomia de vontade para se associar, permanecer e se retirar quando lhe aprouver (art. 5º, XX, CF/88 c.c. art. 144, CE/89). 7. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 8. Exceção à regra da licitação ao favorecer particular como permissionário de uso privativo de bens públicos que não se investiu nessa qualidade a partir de processo seletivo objetivo, público e imparcial, o que significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art. 144, CE/89.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 65 à 74, da Lei Complementar
n. 556, de 20 de julho de 2007, do Município de Bragança Paulista (e, por
arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 70), pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo
Impugnado
A Lei Complementar n. 556, de 20 de julho de 2007, do
Município de Bragança Paulista, que “Aprova
o Código de Urbanismo de Bragança Paulista, dispõe sobreo parcelamento, o uso e
a ocupação do solo urbano e dá outras providências”, assim dispõe, na parte
que interessa:
“(...)
SEÇÃO III
DO LOTEAMENTO FECHADO
Art. 65 – Loteamento fechado constitui-se por loteamento aprovado como tal, em que há permissão de uso, a título precário, das áreas públicas e das vias de circulação para fechamento total ou parcial das áreas exclusivamente residenciais por meio de cerca ou muro, no todo ou em parte do seu perímetro, devendo assumir a responsabilidade de execução dos seguintes serviços:
I - manutenção e poda das árvores, quando necessário;
II - manutenção, limpeza e conservação das vias públicas de circulação, do calçamento e da sinalização de trânsito;
III - serviços relacionados à segurança interna e manutenção das portarias e sistemas de segurança;
IV - manutenção e conservação da rede de iluminação pública;
V - outros serviços que se fizerem necessários para a manutenção dos bens públicos;
VI - garantia de ação livre e desimpedida das autoridades e entidades públicas que zelam pela segurança e pelo bem-estar da população;
VII - indicações viárias adequadas internas e externas ao loteamento; e
VIII - termo de compromisso de remoção de todos os obstáculos relativos ao loteamento fechado no caso de revogação do decreto de permissão de uso nos termos em que vier a estabelecer.
Parágrafo Único - As áreas públicas e as vias de circulação, que poderão ser objeto de permissão de uso, deverão ser definidas na fase de análise do Visto Prévio do loteamento, podendo ser outorgadas em pedido posterior à aprovação final do mesmo, independentemente de licitação, nos termos do art. 94, § 2º, da Lei Orgânica do Município.
Art. 66 – A permissão de uso das áreas públicas e das vias de circulação somente será outorgada quando os loteadores ou a totalidade dos proprietários submeterem a administração das mesmas à associação de proprietários, constituída sob a forma de pessoa jurídica, com explícita definição de responsabilidade para aquela finalidade, sendo respeitadas as regras gerais previstas no Código Civil Brasileiro e devidamente constante do Regulamento do Loteamento registrado junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
§ 1º As áreas institucionais destinadas para implantação de equipamentos comunitários definidas no projeto, e sobre as quais não incidirá permissão de uso, deverão estar situadas externamente e serão mantidas sob responsabilidade da associação de proprietários ou do loteador, que exercerá, supletivamente, a defesa da utilização prevista no projeto, até que a Prefeitura exerça plenamente essa função.
§ 2º As Áreas de Proteção Permanente (APP) deverão ser preservadas na sua totalidade, sendo que qualquer intervenção deverá ter prévia autorização expedida pelos órgãos competentes.
§ 3º A área máxima do loteamento fechado dependerá de considerações urbanísticas, viárias, ambientais e do impacto que possa ter sobre a estrutura urbana, sempre dentro das diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor.
Art. 67 – No ato da solicitação do pedido de Visto Prévio, deverá ser especificada a intenção de implantação dessa modalidade de loteamento.
§ 1º Será exigido um sistema viário externo às áreas fechadas, no intuito de garantir o entrelaçamento do entorno com a malha viária urbana existente ou projetada.
§ 2º Os fechamentos situados junto ao alinhamento de logradouros públicos deverão respeitar recuos de 4m (quatro metros), onde deverá ser executado tratamento paisagístico e deverão ser conservados pela associação de proprietários ou equivalente.
§ 3º Em caso de indeferimento do pedido, os órgãos municipais envolvidos deverão apresentar as razões devidamente fundamentadas.
Art. 68 – Quando as diretrizes viárias definidas pela legislação municipal seccionarem a gleba objeto de projeto de loteamento fechado, deverão essas vias estar liberadas para o tráfego, sendo que as porções remanescentes poderão ser fechadas.
Art. 69 – As áreas públicas e as vias de circulação, definidas por ocasião da aprovação do loteamento, serão objeto de permissão de uso por tempo indeterminado, podendo ser revogada a qualquer momento pela Prefeitura, se houver necessidade e sem implicar em ressarcimento.
Art. 70 – Fica a Prefeitura autorizada a outorgar a permissão de uso sobre as áreas públicas e vias de circulação, a qual será formalizada por decreto do Poder Executivo, devendo nele constar:
I - os encargos relativos à manutenção e à conservação dos bens públicos em causa;
II - que qualquer outra utilização das áreas públicas será objeto de autorização específica da Prefeitura; e
III - quem de direito responderá pelas obrigações.
Art. 71 – Só será permitido o fechamento do loteamento e o enquadramento na modalidade descrita nesta Seção se atenderem a todas condições seguintes, além daquelas já mencionadas:
I - não haja prejuízo ao tráfego de pessoas e veículos, e que não haja descaracterização do sistema viário da região;
II - haja acesso às áreas institucionais destinadas a equipamentos comunitários;
III - observe as dimensões de lote com área mínima de 300m² (trezentos metros quadrados) e frente mínima de 10m (dez metros) ou as especificações da zona em que se situe, valendo a norma mais restrita; e
IV - sejam obedecidas, no que couber, as demais exigências constantes desta Lei Complementar.
Art. 72 – Caberá à Prefeitura a responsabilidade pela determinação, aprovação, supervisão e fiscalização dos serviços e obras de manutenção e limpeza dos bens públicos.
Art. 73 – As disposições construtivas e os parâmetros de ocupação do solo a serem observados para edificações deverão atender às exigências da legislação municipal em vigor para a zona de uso onde o lote ou loteamento estiver localizado.
Art. 74 – No loteamento fechado nos termos desta Lei Complementar, o loteador ou a Associação de Proprietários afixará em lugar visível, em todas as suas entradas, placa (s) metálica (s) com tamanho mínimo de 40x50cm com os seguintes dizeres:
(DENOMINAÇÃO DO LOTEAMENTO)
PERMISSÃO DE USO OUTORGADA PELO DECRETO (nº e data) à (razão social da Associação, nº do CNPJ e inscrição municipal), NOS TERMOS DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº ____, de _____ de ______ de 2007 - CÓDIGO DE URBANISMO. (ou, no caso de loteamentos fechados por atos anteriores a este Código, a identificação do instrumento legal autorizador do fechamento)
NÃO SE IMPEDE A ENTRADA DE QUALQUER PESSOA OU VEÍCULO.
Parágrafo Único - Os loteamentos que tenham permissão de uso concedida por meio de legislação anterior a esta Lei Complementar também deverão afixar placa indicativa, conforme padrões definidos no caput.
(...)” (g.n.)
II – O parâmetro da fiscalização
abstrata de constitucionalidade
A lei municipal impugnada contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e
da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
Aludido dispositivo da Constituição Paulista, ao condicionar
a autonomia municipal, consiste em norma constitucional remissiva à
Constituição Federal, e que incorpora- não bastasse a observância obrigatória
da própria norma constitucional central- a repartição de competências
administrativas e legislativas delineada pela Constituição Federal de 1988, de
tal sorte a admitir o contencioso estadual ou municipal pelo confronto direto e
frontal com a norma remissiva adotada pela Constituição Estadual, conforme
decidido pelo E. STF, in verbis:
“1. Agravo regimental em reclamação constitucional. 2. Competência dos tribunais de justiça estaduais para exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais contestados em face de constituição estadual. 3. Legitimidade da invocação, como referência paradigmática para controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais/estaduais, de cláusula de caráter remissivo que, inscrita na Constituição estadual, remete a norma constante da própria Constituição Federal, incorporando-a, formalmente, ao ordenamento constitucional do Estado-membro. 4. Invocação de paradigma. Reclamação 7.396. Processo de caráter subjetivo. Efeitos restritos às partes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STF, AgR-Rcl 10.406-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26-08-2014, v.u., DJe 16-09-2014). - g.n.
“RECLAMAÇÃO. A QUESTÃO DA PARAMETRICIDADE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS, DE CARÁTER REMISSIVO, PARA FINS DE CONTROLE CONCENTRADO, NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. RECLAMAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
- Revela-se legítimo invocar, como referência
paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis
ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo,
que, inscrita na Constituição Estadual, remete, diretamente, às regras
normativas constantes da própria Constituição Federal, assim incorporando-as,
formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento
constitucional do Estado-membro.
Com a técnica de
remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que,
embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em
razão da expressa referência a elas feita, o ‘corpus’ constitucional dessa
unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se a própria norma
constitucional estadual, de conteúdo remissivo, à condição de parâmetro de
confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2º da Constituição da
República. Doutrina. Precedentes” (STF, Rcl 2.462-RJ, Rel. Min. Celso de Mello,
30-04-2015, DJe 06-05-2014). – g.n.
A
legislação impugnada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 117 - Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Parágrafo único - É vedada à administração pública direta e indireta, inclusive fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público a contratação de serviços e obras de empresas que não atendam às normas relativas à saúde e segurança no trabalho.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Artigo 181 - Lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.
§ 1º - Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal”.
A lei impugnada, que dispõe sobre
regularização de loteamentos fechados, é norma urbanística
maculada por inconstitucionalidade material,
ex vi do disposto
nos incisos I e V do art. 180 da Constituição Paulista, aos quais a produção
normativa municipal está subordinada, o Município, ao traçar as normas de
desenvolvimento urbanístico, tem o dever de assegurar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade, dentre as quais a circulação,
e observar as normas urbanísticas e
de qualidade de vida. José Afonso da
Silva assevera que uma vez instituído o sistema viário, por meio da afetação do
bem, o acesso público a ele torna-se um poder legal exercitável erga omnes, em face do qual não se opõe
nenhum limite – configurado, por exemplo, pela exigência de identificação para
ingresso no loteamento fechado:
“O sistema viário é o meio pelo qual se realiza o direito à
circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção,
direito de ir e vir e também de ficar (estacionar, parar), assegurado na
Constituição Federal. Pedro Escribano Collado, em excelente monografia sobre as
vias urbanas, coloca muito bem o problema, nas seguintes palavras: `De maneira
ampla, e do ponto de vista do usuário, pode definir-se o direito à circulação
como a faculdade, enquanto perdure a afetação da via, de deslocar-se através
dela de um lugar para outro do núcleo urbano. Enquanto se tratar de bem afetado, a utilização não constituirá uma
mera possibilidade, mas um poder legal exercitável erga omnes. Em consequência, a Administração não
poderá impedir, nem geral nem singularmente, o trânsito de pessoas de maneira
estável, a menos que desafete a via, já que, de outro modo, se
produziria uma transformação da afetação por meio de uma simples atividade de
polícia” (José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros,
5ªed., p. 183-184).
Da leitura do art. 1° e do art. 9°, é
cristalina a restrição a ampla liberdade de circulação e de usufruto dos bens públicos de
uso comum do povo, enfim, às funções sociais da cidade, rompendo com a diretiva
de observância das normas urbanísticas e de qualidade de vida, de modo a colidir com o art. 180, I e V, da Constituição Estadual.
Além disso, e por conta da norma
remissiva do art. 144 da Constituição Estadual, há notória supressão
do direito fundamental à liberdade de locomoção
e circulação, previsto no art. 5º, caput e inciso XV, da Constituição
Federal. Sobre a temática, importante consignar o posicionamento sedimentado na
jurisprudência do Pretório Excelso:
“- LOTEAMENTO. RUA DE ACESSO COMUM. CONDOMÍNIO INEXISTENTE. Com o condomínio singulariza-se a propriedade dos lotes, caindo no domínio público e no livre uso comum a rua de acesso. Não é juridicamente possível, em tais circunstâncias, pretender-se constituir condomínio sobre a rua, à base da Lei 4.591/64. Nulidade da convenção condominial e dos atos dela decorrentes. Recurso extraordinário provido”. (STF, RE 100.467-3, Rel. Min. Francisco Rezek).
Em questão similar, assim voltou a se
pronunciar a E. Corte Constitucional:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N.
1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL.
ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E
CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE
DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO.
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito
Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da
Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito
Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é
obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato
do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de
propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições,
pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É
incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às
‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na
medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.
1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
Gizado nesse venerando aresto que:
“(...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...) 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum”.
Em conclusão, há novamente ofensa ao art. 144
da Constituição Paulista.
A
restrição à circulação permitida pelo ato normativo impugnado não
se alia ao interesse público
nem à razoabilidade. O interesse
público, ao contrário da providência legislativa adotada, é a garantia do livre
acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se
coadunando com a limitação instituída nas normas vergastadas que, além de
irrazoáveis, são desprovidas de racionalidade, justiça e bom senso, implantando
discriminação insuportável.
Não
se deve olvidar que vias públicas são bens de uso comum do povo, assim como que
vias e praças, espaços livres e áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos nos loteamentos passam a
integrar o patrimônio público municipal a partir de seu registro.
E diferente do regulado pela Lei nº
6.766/79 e pelo Código Civil, no fechamento de loteamento, que mais se
assemelha a um “condomínio privado”, o particular não está a serviço da
administração, mas a serviço próprio; nada é feito em favor da coletividade,
trata-se de investimentos privados destinados a seus titulares.
Não há preconceito à utilização de bens
públicos por particulares, situação essa disciplinada pela autorização,
permissão e concessão de uso, precedidas de licitação, inspiradas
pela satisfação do interesse
geral. O que se pretende nesta exordial é combater a instituição
de “condomínios privados” em áreas públicas, visto que contraria o interesse
público, a função social da cidade e a ordem jurídica.
E nem se
alegue, por oportuno, a insuficiência dos órgãos de segurança pública no
combate à criminalidade para se legitimar o fechamento de áreas públicas em
prol da fruição de pequena parcela da população.
No atual
estágio civilizatório, todos os cidadãos encontram-se vulneráveis (em
diferentes graus) à crescente onda de violência, e a decisão de se privilegiar
determinados munícipes com o fechamento de suas vias ou bairros, em detrimento
de outros, revela-se ato totalmente refratário ao primado da isonomia, vez que
possui traços de pessoalidade e arbitrariedade, isso sem mencionar a
possibilidade de óbice ao direito geral de locomoção nos perímetros que compõem
a urbe.
Em relação ao
tema sub judice, lança-se precedente
firmado neste Sodalício, in verbis:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE
AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS
SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE
INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO
NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS,
INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO SEMÂNTICO DO
DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA - O DIREITO
FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO
FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO
DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI
9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).
No mesmo sentido, vetusto acórdão do
Supremo Tribunal Federal fixou que o interesse público
é preservado pela defesa da livre utilização
de bem público de uso comum do povo:
“Loteamento. Fechamento de acesso a ruas que interligam lotes e conduzem à orla marítima. - Legalidade de ato da Prefeitura Municipal, removendo obstáculos que impediam aquele livre acesso. - Inconstitucionalidade inocorrente da Lei Municipal nº 557/79, de Ubatuba: assegura direito à utilização de bem público de uso comum do povo. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, RE 94.253-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Oscar Correa, 12-11-1982, v.u., DJ 17-12-1982, p. 13.209).
O ato normativo combatido ofende,
outrossim, o direito de liberdade de associação
previsto no art. 5, incisos XVII e XX, da Constituição Federal, aplicáveis aos
municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.
Pelo que se depreende do inciso V do
art. 1° do diploma impugnado, é necessária a constituição de uma entidade
representativa dos proprietários, o que significa compelir os
proprietários de imóveis a se associarem
e manterem-se associados, pois, dessa
forma, viabiliza-se o fechamento de loteamentos, vilas e ruas sem saída.
Tratando do conteúdo da liberdade de
associação, anota Paulo Gustavo Gonet Branco que:
“Os dispositivos da Lei Maior brasileira a respeito da liberdade de associação revelam que, sob a expressão, estão abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações, b) a de ingressar nelas, (c) a de abandoná-las e de não associar, e, finalmente, (d) a de sócios se auto-organizarem e desenvolverem as suas atividades associativas” (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2013, pp. 303-305).
A associação pressupõe ato de
vontade. A jurisprudência é fértil ao censurar a restrição à liberdade de
associação resultantes de condomínios atípicos:
“AGRAVO
REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE
MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COBRANÇA DE NÃO ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE.
APLICAÇÃO DO 'ENUNCIADO SUMULAR N° 168/STJ.
Consoante entendimento sedimentado no âmbito da Eg. Segunda Seção Desta
Corte Superior, as taxas de manutenção instituídas por associação de moradores
não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu
ao ato que fixou o encargo (Precedentes: AgRg no Ag 1179073/RJ, Rei. Min. Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJe de 02/02/2010; AgRg no Ag 953621/RJ, Rei. Min.
João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 14/12/2009; AgRg no REsp
1061702/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, Quarta Turma, DJe de 05/10/2009; AgRg
no REsp 1034349/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 16/12/2008.
(...)”. (STJ, AgRg-EREsp 961.927-RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe
15-09-2010).
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, ‘as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo’ (ERESP nº 444.931/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, rel. p/o acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 1º.2.2006’. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg-REsp 613.474-RJ, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05-10-2009).
“Existem precedentes concluindo que o condomínio, ainda que atípico, tem legitimidade para propor ação de cobrança de despesas condominiais. No caso, todavia, a autora da ação de cobrança é simples associação de moradores – quando muito, o que se denomina condomínio atípico. As deliberações desses condomínios atípicos não podem atingir quem delas não tomou parte. Vale dizer: as obrigações assumidas pelos que espontaneamente se associaram para ratear as despesas comuns não alcançam terceiros que a elas não aderiram” (TJSP, Apelação 0041203-52.2004.8.26.0114, Rel. Des. Moreira Viegas).
Ora, se ninguém pode ser compelido a
se associar ou manter-se associado.
Todavia, não é o que ocorre na questão
apresentada, vez que para materialização do fechamento a lei impugnada acaba
por obrigar os proprietários de imóveis a pactuar com essa prática vedada pelo
ordenamento, não lhes restando outra opção a não ser aderir aos desmandos da
associação, sob pena de não poderem fruir desses bens comuns, além de
dificultar-lhes o gozo de seu próprio patrimônio imobiliário situado nessas
áreas indevidamente fechadas, já que dependem da condição de associados.
A legislação impugnada criou
exceção à regra da licitação,
violando o art. 117 da Constituição Estadual que reproduz os arts. 37, XXI e
175 da Constituição Federal, ao investir na qualidade de exclusivo prestador de
serviços públicos e ao favorecer como usuário privativo de bens públicos pessoa
jurídica de direito privado sem que esta tenha participado de processo seletivo
objetivo, público e imparcial.
Tal
significa, ainda, afronta à competência
legislativa da União para normas gerais
sobre licitação e contrato administrativo
sobre uso de bens públicos e execução de serviços públicos (arts. 22, XXVII,
37, XXI, e 175, Constituição Federal), patenteando, novamente,
ofensa à competência normativa alheia, sindicável por força do art. 144 da
Constituição Estadual, ao remeter ao art. 22, XXVII, da Constituição Federal.
As exceções à licitação
(inexigibilidade, dispensa, dispensabilidade, proibição) constituem matérias da
essência das normas gerais de licitações e contratações públicas, não sendo
lícito aos Municípios disciplinarem o assunto em lei para além das prescrições
contidas em lei federal. Neste sentido:
“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DE AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA COM REPRESENTAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL PARA DEFLAGRAR O PROCESSO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM TESE. INTELIGÊNCIA DO ART. 103, INCISO VIII, DA MAGNA LEI. REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA ANTECIPADAMENTE SATISFEITO PELO REQUERENTE. IMPUGNAÇÃO DA LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUIU, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUL-RIO-GRANDENSE, A PREFERENCIAL UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE DO AUTOR QUE APONTA INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO, BEM COMO USURPAÇÃO COMPETENCIAL VIOLADORA DO PÉTREO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECONHECE-SE, AINDA, QUE O ATO NORMATIVO IMPUGNADO ESTREITA, CONTRA A NATUREZA DOS PRODUTOS QUE LHES SERVEM DE OBJETO NORMATIVO (BENS INFORMÁTICOS), O ÂMBITO DE COMPETIÇÃO DOS INTERESSADOS EM SE VINCULAR CONTRATUALMENTE AO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (RTJ 192/163).
“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 02-04-2007, v.u., DJe 18-05-2007).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...)” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
“SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE DIREITO DE EMPRESA TRANSPORTADORA DE OPERAR PROLONGAMENTO DE TRECHO CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. Afastada a alegação do recorrido de ausência de prequestionamento dos preceitos constitucionais invocados no recurso. Os princípios constitucionais que regem a administração pública exigem que a concessão de serviços públicos seja precedida de licitação pública. Contraria os arts. 37 e 175 da Constituição federal decisão judicial que, fundada em conceito genérico de interesse público, sequer fundamentada em fatos e a pretexto de suprir omissão do órgão administrativo competente, reconhece ao particular o direito de exploração de serviço público sem a observância do procedimento de licitação. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e a que se dá provimento” (RT 837/125).
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a partir da vigência da Constituição de 1988, a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração. II – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 792.149-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-10-2010, v.u., DJe 16-11-2010).
Não bastasse, a norma impugnada
também é inconstitucional por ofensa aos arts. 180, V, e 181, §
1º, da Constituição do Estado de São Paulo.
Das normas municipais de
desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às normas
urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim,
delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas, que
instituam conformidade com diretrizes
do plano diretor, que deve caráter
integral (art. 181, caput
e § 1º, da Constituição Paulista).
A adoção de normas
municipais alheadas ao plano diretor configura indevido
fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas
do planejamento urbano integral, vulnerando sua
compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal
Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se
configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio
direto e frontal à Constituição:
“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).
A Constituição do Estado acolhe objetiva e expressamente o princípio
do planejamento em matéria urbanística, predicado
por integralidade, compatibilidade e globalidade, e que se consubstancia no
plano diretor, acolitado pelo princípio da conformidade com as normas
urbanísticas e de qualidade de vida.
A exigência do plano diretor, como
“instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, está
assentada no § 1º do art. 182 da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à
hipótese decorre da regra contida no art. 144 da Constituição do Estado de São
Paulo, não bastasse o art. 181 desta. E o art.182 caput da Carta Magna disciplina que “a política de desenvolvimento
urbano, executada pelo poder Público municipal, conforme diretrizes gerais
fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Se o inciso VIII do art. 30 da
Constituição Federal prevê a competência dos Municípios para “promover, no que
couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”, seu exercício não pode se
distanciar dos demais cânones constitucionais federais e estaduais incidentes,
seja qual for o propósito da legislação urbanística municipal.
O que se infere dos dispositivos acima
apontados que a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante
planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei, e as diretrizes
para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano
diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de
cada Município.
Ora, a sistemática constitucional,
quanto à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da
ocupação e uso do solo, torna patente que o casuísmo resta
evidenciado nos atos normativos que regulam situações isoladas, como ocorre na
hipótese em apreço, violando diretamente a sistemática constitucional incidente
sobre a matéria, vez que qualquer modificação legislativa que envolva a
política de desenvolvimento urbano, o zoneamento e a ocupação e uso do solo
deve ser realizada dentro de um contexto de planejamento, e de diretrizes
gerais, não se admitindo ordenação dissociada da utilização global do solo
urbano.
Tratando da elaboração do plano
diretor, anota Hely Lopes Meirelles que “toda cidade há que ser planejada: a cidade
nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade
velha, para sua renovação” e acresce que “a elaboração do plano diretor é
tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua abrangência, devendo
por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com
profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do
Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento
do Município e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e
utilidade para a população” (Direito
Municipal Brasileiro, pp. 393-395).
Ainda sobre o tem, pondera Toshio
Mukai:
“a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 29).
E nem seria despropositado obtemperar
que a transformação assentida pelo ato normativo combatido teria potencialidade
para incompatibilizar-se com o princípio da impessoalidade,
adotado expressamente no art. 111 caput da
Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37 caput da Constituição Federal, porque foram instituídas em prol de
poucos que pretendem se segregar no usufruto restrito de bens públicos.
Deste modo, as inovações legislativas
urbanísticas impendem planejamento neutro e objetivo, racional e imparcial, não
inculcando mudanças tópicas capazes de criar desequilíbrio subjetivo
determinado.
Pelas razões expostas, é flagrante a
inconstitucionalidade dos arts. 65 à 74, da Lei Complementar n. 556, de 20 de
julho de 2007, do Município de Bragança Paulista, e se esparge aos Decretos expedidos
com base em seu art. 70, em virtude da relação de dependência com
a lei impugnada.
III – Pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como
violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo, é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme
com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil
reparação, sobretudo pelo agravo à liberdade de acesso e fruição a bens
públicos de uso comum do povo.
À luz desta contextura, requer a
concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo
julgamento desta ação, dos arts. 65 à 74, da Lei Complementar n. 556, de 20 de
julho de 2007, do Município de Bragança Paulista, e, por
arrastamento, dos Decretos
expedidos com base em seu art. 70.
V – Pedido
Face ao exposto, requer-se o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 65 à 74, da Lei
Complementar n. 556, de 20 de julho de 2007, do Município de Bragança Paulista,
e, por arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 70.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e
à Câmara Municipal de Bragança Paulista, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral
do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando
por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 10 de setembro de 2015.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
aaamj/dcm
Protocolado nº 74.307/15
Interessado: propositura de ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 2.462/2011 (ref. Lei complementar n. 556/07, de Bragança Paulista)
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos arts. 65 à 74, da Lei Complementar n. 556, de 20 de julho de 2007, do Município de Bragança Paulista, e, por arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 70, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 10 de setembro de 2015.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
aaamj/dcm