Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 97.839/15
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso IV do art. 1º da Lei n. 534, de 13 de março de 2015, do Município de Emilianópolis. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade justificada de execução de função transitória e determinada. Ausência de excepcionalidade. 1. Não atende ao art. 115, X, CE/89 (que reproduz o art. 37, IX, CF/88), incluir-se entre as hipóteses que autorizam contratação por tempo determinado o atendimento de necessidade de função transitória e determinada à míngua da demonstração de efetiva excepcionalidade determinada. 2. A “necessidade justificada de execução de função transitória e determinada” mesmo que “relativa à execução de projetos vinculados a convênios celebrados com o entre público” (art. 1º, IV, a, Lei n. 534/15) não atende ao art. 115, X, CE/89, por não revelar a excepcionalidade. 3. A celebração de ajustes administrativos como convênios não é ontologicamente vínculo de trato temporário, sazonal ou transitório, e a viabilidade da contratação excepcional depende da inexistência de recursos humanos do quadro próprio de pessoal e da inovação de atribuições municipais, já que convênio que tenha como objeto a execução de atividades municipais próprias não tem caráter inovador a exigir temporariamente novos recursos humanos.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições
(artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e
129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso Protocolado
n. 97.839/15, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face do inciso IV, do art. 1º,
da Lei n. 534, de 13 de março de 2015, do Município de Emilianópolis, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I
- O ato normativo impugnado
1.
A Lei n. 534, de 13 de
março de 2015 (fls. 4/6), do Município de Emilianópolis, dispõe sobre a
contratação por tempo determinado nos termos do art. 37, IX, da Constituição
Federal. Seu art. 1º descreve as situações que embasam a possibilidade de
admissão temporária de pessoal, estabelecendo o inciso IV que:
“IV - necessidade justificada de execução de
função transitória e determinada:
a) Relativa à execução de projetos vinculados a convênios celebrados com o entre público”.
II – O PARÂMETRO DA
FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
2.
A Constituição Federal
assegura aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes respeito aos princípios
da própria Constituição Federal e da Constituição Estadual (art. 29). A Constituição
do Estado de São Paulo, em atenção ao art. 29 da Constituição da República,
assim dispõe:
“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
3.
Destarte, as Constituições
Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia municipal.
4.
O inciso IV, do art. 1º, da
Lei n. 534, de 13 de março de 2015, do Município de Emilianópolis, contraria frontalmente a
Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição
Federal, porque são incompatíveis com o disposto no art.
111 e no inciso X do art. 115, da Constituição do Estado de São Paulo, que
assim preceitua:
“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
5.
A contratação para
atendimento de “necessidade justificada de execução de função transitória e
determinada”, mesmo que “relativa à execução de projetos vinculados a convênios
celebrados com o entre público”, não espelha qualquer conteúdo de contratação por tempo determinado, para
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público que,
como é sabido, se destina ao suprimento de necessidade administrativa em face
de “circunstâncias que compelem a Administração
Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades
urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o
administrador público de realizar um concurso público para a contratação
temporária” (STF, ADI 3.649-DF, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe 30-10-2014), sendo, portanto, exigível, para além de outros
requisitos, que a contratação tenha como meta o atendimento de necessidade
temporária e que esta se qualifique por excepcional interesse público.
6. Este egrégio Tribunal de
Justiça, por seu colendo Órgão Especial, já decidiu que
não sustenta a contratação temporária o genérico atendimento a
objetivos resultantes de quaisquer convênios
ou consórcios, porque não se
presta ao serviço de atividades administrativas permanentes. Eis a ementa do
venerando acórdão:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRATAÇÃO
TEMPORÁRIA PERMITIDA GENERICAMENTE, PARA CONVÊNIOS CELEBRADOS ENTRE O MUNICÍPIO
E A UNIÃO OU MUNICÍPIO E ESTADO. MEDIDA EXCEPCIONAL INAPLICÁVEL A FUNÇÕES DE
NATUREZA PERMANENTE. MOLÉSTIA AO PRECEITO DO INCISO X DO ARTIGO 115 DA
CONSTITUIÇÃO PAULISTA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE”
(TJSP, ADI 990.10.196095-8, Órgão Especial, Rel. Des. Renato Nalini, v.u.,
17-11-2010).
7. Além
de se reportar aos fundamentos desse paradigma, cumpre ponderar que a
celebração de ajustes administrativos como convênios não é ontologicamente vínculo de trato
temporário, sazonal ou transitório, e a viabilidade da contratação excepcional
depende da inexistência de recursos humanos do quadro próprio de pessoal e da
inovação de atribuições municipais. Convênio que, por exemplo, tenha como
objeto a execução de atividades municipais próprias não tem caráter inovador a
exigir temporariamente novos recursos humanos. Ora, a “necessidade justificada de execução de função
transitória e determinada” mesmo que “relativa à execução de projetos
vinculados a convênios celebrados com o entre público”, conforme a alínea a
do inciso IV do art. 1º da Lei n. 534/15 não atende ao art. 115, X, da
Constituição Estadual, por não revelar a excepcionalidade.
8. Acrescento
que a jurisprudência alicerça este entendimento, como se verifica dos seguintes
arestos:
“(...) 1) A contratação temporária prevista
no inciso IX do art. 37 da Constituição da República não pode servir à burla da
regra constitucional que obriga a realização de concurso público para o
provimento de cargo efetivo e de emprego público. 2) O concurso público, posto
revelar critério democrático para a escolha dos melhores a desempenharem
atribuições para o Estado, na visão anglo-saxônica do merit system, já integrava
a Constituição Imperial de 1824 e deve ser persistentemente prestigiado. 3)
Deveras, há circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar
medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes
e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o
administrador público de realizar um concurso público para a contratação
temporária. 4) A contratação temporária, consoante entendimento desta
Corte, unicamente poderá ter lugar quando: 1) existir previsão legal dos casos;
2) a contratação for feita por tempo determinado; 3) tiver como função
atender a necessidade temporária, e 4) quando a
necessidade temporária for de excepcional interesse público. 5) In
casu, o Plenário desta Corte entreviu a inconstitucionalidade de toda a Lei nº
4.599 do Estado do Rio de Janeiro que disciplina a contratação
temporária, dado o seu caráter genérico diante da ausência de uma
delimitação precisa das hipóteses de necessidade de contratação
temporária. Restou ressalvada a posição vencida do relator, no sentido de
que apenas o art. 3º da norma objurgada conteria preceito inconstitucional,
posto dúbio e dotado de trecho capaz de originar uma compreensão imprecisa,
inválida e demasiado genérica, no sentido de que a própria norma por si só
estaria criando os cargos necessários à realização da atividade, o que é
juridicamente inviável, uma vez que referida providência dependeria de lei
específica a ser aprovada diante de uma superveniente necessidade, nos termos
do que previsto no art. 61, §1º, II, alínea ‘a’, da Constituição da República.
6) É inconstitucional a lei que, de forma vaga, admite a contratação
temporária para as atividades de educação pública, saúde pública, sistema
penitenciário e assistência à infância e à adolescência, sem que haja demonstração
da necessidade temporária subjacente. 7) A realização de contratação
temporária pela Administração Pública nem sempre é ofensiva à salutar
exigência constitucional do concurso público, máxime porque ela poderá ocorrer
em hipóteses em que não há qualquer vacância de cargo efetivo e com o escopo,
verbi gratia, de atendimento de necessidades temporárias até que o
ocupante do cargo efetivo a ele retorne. Contudo,
a contratação destinada a suprir uma necessidade temporária que
exsurge da vacância do cargo efetivo há de durar apenas o tempo necessário para
a realização do próximo concurso público, ressoando como razoável o prazo de 12
meses. 8) A hermenêutica consequencialista indicia que a eventual declaração de
inconstitucionalidade da lei fluminense com efeitos ex tunc faria exsurgir um
vácuo jurídico no ordenamento estadual, inviabilizando, ainda que
temporariamente, a manutenção de qualquer tipo de contratação
temporária, o que carrearia um periculum in mora inverso daquele que leis
como essa, preventivas, destinadas às tragédias abruptas da natureza e às
epidemias procuram minimizar, violando o princípio da proporcionalidade –
razoabilidade. 9) Ex positis, e ressalvada a posição do relator, julgou-se
procedente a ação declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Estadual do Rio
de Janeiro nº 4.599, de 27 de setembro de 2005. 10) Reconhecida a necessidade
de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade para
preservar os contratos celebrados até a data desta sessão (28/05/2014),
improrrogáveis após 12 (doze) meses a partir do termo a quo acima” (STF, ADI
3.649-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 28-05-2014, m.v., DJe
30-10-2014).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 1.120/2003 DO MUNICÍPIO DE
CONGONHAL/MG. 1) NECESSIDADE TEMPORÁRIA E EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO
NÃO CONFIGURADOS. 2)CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE MÉDICOS, DENTISTAS,
ENFERMEIROS, TÉCNICOS EM ENFERMAGEM, BIOQUÍMICO, TÉCNICOS EM RX, AUXILIARES DE
ENFERMAGEM E AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE, AUXILIARES ADMINISTRATIVOS,
PROFESSORES, OPERÁRIOS DE OBRAS E SERVIÇOS PÚBLICOS; OPERADORES DE MÁQUINAS,
PEDREIROS, PINTORES, ELETRICISTAS, ENCANADORES, AUXILIARES DE PEDREIROS,
TÉCNICO AGRIMENSOR E MESTRE DE OBRAS, MERENDEIRAS E SERVIÇAIS, MAGAREFE E
MONITOR DE ESPORTES. 3) CONTRARIEDADE AO ART. 37, INC. II E IX, DA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. PRECEDENTES. . 4) RECURSO
EXTRAORDINÁRIO PROVIDO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 2º, 3º E
4º DA LEI COMPLEMENTAR N. 1.120/2003 DO MUNICÍPIO DE CONGONHAL/MG” (STF, RE
527.109-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 09-04-2014, v.u., DJe
30-10-2014).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º, INC.
VII, DA LEI 6.915/1997 DO ESTADO DO MARANHÃO. CONTRATAÇÃO DE
PROFESSORES POR TEMPO DETERMINADO. INTERPRETAÇÃO E EFEITO DAS EXPRESSÕES
‘NECESSIDADETEMPORÁRIA’ E ‘EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO’. POSSIBILIDADE
DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA SUPRIR ATIVIDADES PÚBLICAS DE NATUREZA
PERMANENTE. TRANSITORIEDADE CARACTERIZADA. PARCIAL PROVIMENTO DA AÇÃO. 1. A
natureza permanente de algumas atividades públicas - como as desenvolvidas nas
áreas da saúde, educação e segurança pública – não afasta, de plano, a
autorização constitucional para contratar servidores destinados a suprir
demanda eventual ou passageira. Necessidade circunstancial agregada ao
excepcional interesse público na prestação do serviço para o qual
a contratação se afigura premente autoriza
a contratação nos moldes do art. 37, inc. IX, da Constituição da
República. 2. A contratação destinada a atividade essencial e
permanente do Estado não conduz, por si, ao reconhecimento da alegada
inconstitucionalidade. Necessidade de exame sobre a transitoriedade
da contratação e a excepcionalidade do interesse público que a
justifica. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente
procedente para dar interpretação conforme à Constituição” (STF, ADI 3.247-MA,
Tribunal Pleno,
Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-03-2014, m.v., DJe 18-08-2014).
9. Reputa
a Suprema Corte a relevância da profissionalização da gestão pública, como se
capta do seguinte veredicto proferido no contencioso de constitucionalidade de
lei municipal que disciplinava a contratação por tempo determinado:
“(...) Há que se garantir a instituição do que os
franceses denominam de la culture de gestion, a cultura de gestão (terminologia
atualmente ampliada para ‘cultura de gestão estratégica’) que consiste na
interiorização de um vetor do progresso, com uma apreensão clara do que é
normal, ordinário, e na concepção de que os atos de administração devem ter a
pretensão de ampliar as potencialidades administrativas, visando à eficácia e à
transformação positiva. (...)” (STF, RE 658.026-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Dias Toffoli, 09-04-2014, m.v., DJe 31-10-2014).
10. Com
efeito, ao julgar a Lei n. 8.745/93, o Supremo Tribunal Federal assentou que
“nos casos em que a Constituição Federal atribui ao legislador o poder de
dispor sobre situações de relevância autorizadoras da contratação
temporária de servidores públicos, exige-se o ônus da demonstração e da
adequada limitação das hipóteses de exceção ao preceito constitucional da
obrigatoriedade do concurso público” (STF, ADI 3.237-DF, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, 26-03-2014, v.u., DJe 19-08-2014)
11. Não
custa gizar que o colendo Órgão Especial tem, em situações similares,
pronunciado a inconstitucionalidade, como se capta do exame do seguinte
julgado:
“Conclui-se da leitura conjunta dos arts. 1º e 3º da
Lei Complementar que a contratação temporária tem por fim suprir necessidade
ordinária de execução ou implementação de programas, projetos, serviços,
convênio, consórcio, acordo ou ajuste, nas áreas de assistência social,
esportes, lazer e cultura.
‘Art. 3º - A
contratação a que se refere o artigo 1º, será justificada no respectivo
expediente administrativo, poderá ser efetuada exclusivamente para atender
necessidade de contratação de pessoal para execução ou implementação de
programas, projetos, serviços, convênio, consórcio, acordo ou ajuste, na área
de assistência social e esportes, lazer e cultura’.
O incentivo e a concretização de medidas nas
atividades relacionadas à assistência social, esportes, lazer e cultura são
deveres ordinários do Estado (arts. 203, 215, 217 da CF e 232, 259, 264 e 265
da CE).
A Lei Complementar é genérica e permite a contratação
temporária para atender a necessidades ordinárias daquelas áreas.
O tema não é novo. Já foi muito apreciado por este c.
Órgão Especial (ADIN n. 0062377-56.2013.8.26.0000, Rel. Des. Pires Neto, ADIN
n. 0403491-04.2010.8.26.0000, Rel. Des. Samuel Júnior, e ADIN n.
0172267-61.2012.8.26.0000, Rel. Des. Itamar Gaino).
A guisa de exemplo, recorde-se a esclarecedora ementa
do julgado na ADIN n. 0207638- 23.2011.8.26.0000, relatado pelo eminente Des.
Elliot Akel:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
- LEI MUNICIPAL N°744, DE 3 DE MAIO DE 2000, DO MUNICÍPIO DE IACANGA, QUE
DISPÕE SOBRE SITUAÇÕES DE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE
PÚBLICO QUE AUTORIZAM CONTRATAÇÃO DE PESSOAL POR TEMPO DETERMINADO - PREVISÃO
GENÉRICA E PARA ATENDIMENTO DE NECESSIDADES PERMANENTES, CASOS EM QUE É
EVIDENTE A NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO - EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA -
VIOLAÇÃODO ART. 111 E DO ART. 115, INCISOS II E X, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE
SÃO PAULO - AÇÃO PROCEDENTE (...)” (TJSP,
ADI 0128863- 23.2013.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Vilenilson, 13-11-2013,
v.u.).
12.
Regra constitucional é a
admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante
prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como
estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II,
da Constituição Federal. Ressalvada a investidura em cargos de provimento em
comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.
13.
A Constituição Estadual no
art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da
República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de
pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa
transitória de excepcional interesse público. Não é qualquer interesse público
que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do
concurso público – somente aquele que veicula uma necessidade do aparelho administrativo
na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade
desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à
previsão legal, notadamente pela imprevisibilidade e extraordinariedade da
situação e a impossibilidade de a Administração Pública acorrê-lo com meios
próprios e ordinários de seu quadro de recursos humanos.
14.
A admissão de pessoal a
termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e
extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não se admitindo
dissimulação na investidura em cargos ou empregos públicos à margem do concurso
público e para além das ressalvas constitucionais, pois, segundo José dos
Santos Carvalho Filho, há três elementos que configuram pressupostos na
contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da
função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002, 9. ed., pp. 478-479).
15.
A lei específica não poderá
utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar
conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na
excepcionalidade. 16. Neste
sentido, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX.
Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida
no inciso IX, do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação
temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e
genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática
que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder
interessado na contratação estabelecer os casos de contratação:
inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI
ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES
PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA
LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço
público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário,
razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao
contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de
contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É
pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação
temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos.
Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga
procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
17. Não
bastasse não haver ontologicamente qualquer excepcionalidade na contratação para
“necessidade justificada de execução de função transitória e determinada”,
mesmo que “relativa à execução de projetos vinculados a convênios celebrados
com o entre público” (inciso IV do art. 1º), a lei local impugnada genericamente
é instituída para disciplinar as contratações por tempo determinado para
atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (caput do art. 1º), o que não evidencia qualquer
característica excepcional. Isto não é suficiente para sua constitucionalidade,
pois, “empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do
Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não
podem ensejar o chamamento desses servidores” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
18.
A admissibilidade da
contratação por tempo determinado visa ao “suprimento de pessoal perante
contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões
apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama
satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal
de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser
desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária,
eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não
haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o
excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento
temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por
não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem
insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira
de Mello. Curso de Direito Administrativo,
São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
III – Pedido liminar
19. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura do preceito normativo do Município de Emilianópolis
apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de
São Paulo é sinal, de per si, para
suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se
ilegítima admissão e permanência de pessoal no serviço público remunerado e
dispêndio indevido de recursos públicos.
20. À
luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, do inciso IV, do art. 1º,
da Lei n. 534, de 13 de março de 2015, do Município de Emilianópolis.
IV – PEDIDO
21.
Face ao exposto, requer-se o
recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada
procedente, declarando a inconstitucionalidade do inciso IV, do art. 1º, da Lei n. 534, de 13 de março de 2015,
do Município de Emilianópolis.
22. Requer-se, ainda, sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de Emilianópolis,
bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins
de manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 15 de setembro
de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj/mam
Protocolado nº 97.839/15
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade do inciso IV, do art. 1º, da Lei n. 534, de 13 de março de
2015, do Município de Emilianópolis
Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade impugnando o inciso IV, do art. 1º, da Lei n. 534, de 13 de março de 2015, do Município de Emilianópolis, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
São
Paulo, 15 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj/mam