EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 117.303/2015

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 774, de 8 de março de 2013, do Município de Estiva Gerbi, de iniciativa parlamentar, que “OBJETIVA PRIORIDADE DE VAGAS EM CRECHES E EDUCAÇÃO INFANTIL PARA CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL, FÍSICA, AUDITIVA, VISUAL OU MÚLTIPLAS”.

2)     Violação da separação de poderes. Na ordem constitucional vigente, não existe a possibilidade de a administração municipal ser exercida pela Câmara Legislativa, por intermédio da edição de leis. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação dos arts. 5º, 47, II, XIV, XIX, ‘a’, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 117.303/2015), que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 774, de 8 de março de 2013, do Município de Estiva Gerbi, pelos seguintes fundamentos:

1.     ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do cidadão Juvenal Alves Corrêa Neto (fls. 02/13).

A Lei nº 774, de 8 de março de 2013, do Município de Estiva Gerbi, de iniciativa parlamentar, que “OBJETIVA PRIORIDADE DE VAGAS EM CRECHES E EDUCAÇÃO INFANTIL PARA CRIAÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL, FÍSICA, AUDITIVA, VISUAL E MÚLTIPLAS”, possui a seguinte redação:

“(...)

Artigo 1° - A presente Lei visa garantir a prioridade de vagas e creches para crianças com deficiência intelectual, física, auditiva, visual ou múltiplas devidamente matriculadas no Município.

Parágrafo Único – A presente Lei veicula todas as Escolas Municipais, em especial creches, entidades conveniadas ou parceiras, devendo ser realizada imediatamente a matrícula da criança, quando apresentada pelo responsável no Departamento de Educação, acompanhada do documento especificado no artigo 2º.

Artigo 2º - Para fazer jus a prioridade de vagas objeto desta Lei, o interessado deverá apresentar no Departamento de Educação cópia do laudo técnico que constate a deficiência.

Artigo 3º - O Departamento de Educação deverá efetuar a transferência da criança com deficiência intelectual, física, auditiva, visual ou múltiplas, matriculada na rede, se necessário, para o endereço mais próximo de sua residência, para melhor atendimento da inclusão social da criança.

Artigo 4° - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

(...)”

         A lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     FUNDAMENTAÇÃO

A lei que estabelece prioridade de vagas em creche às crianças com deficiência é inconstitucional por violar o princípio da separação de poderes, previsto nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144, da Carta Paulista.

Nos entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as atividades de gestão.

A regulamentação de creches municipais ou conveniadas, inclusive no tocante à disposição de vagas, é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Poder Executivo.

Trata-se de atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.

Apesar da evidente boa intenção do legislador municipal, não se trata de atividade sujeita à disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da administração de creches e disponibilização de vagas. Trata-se de atuação administrativa fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

Assim, o ato normativo impugnado, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por conter vício de iniciativa e por violar o princípio da separação de poderes, previsto nos arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, “a”, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

 (...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e a independência que deve existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX, da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Ainda que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX, da Constituição Estadual.

Assim, a lei, ao regulamentar a disponibilidade de vagas em creches municipais, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

3.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 774, de 8 de março de 2013, do Município de Estiva Gerbi.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Estiva Gerbi, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o dispositivo normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 15 de setembro de 2015.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

iccb

 

 

 


 

 

Protocolado nº 117.303/2015

Objeto: Lei nº 774, de 8 de março de 2013, do Município de Estiva Gerbi.

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

 

São Paulo, 15 de setembro de 2015.

 

 

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

iccb