EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
117.302/2015
Ementa:
1)
Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 2º,
3º e 4º da Lei nº 758, de 3 de agosto de 2012, do Município de Estiva Gerbi, de
iniciativa parlamentar, “Onde institui o
dia municipal do plantio de árvores, passando a integrar o calendário oficial
do Município”.
2) Lei Municipal que não se
restringe à inclusão e evento em calendário oficial. Imposição ao Poder
Executivo de obrigações. Atos de gestão. Violação do princípio da separação de
poderes tanto na perspectiva da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do
Poder Executivo para atribuições da Administração Pública quanto a reserva da
Administração para organização e funcionamento do Poder Executivo, além de
criar despesas sem indicação de recursos orçamentários (arts. 5º, 25, 176, I,
47, II, XIV e XIX, a, 144, CE/89).
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 117.302/2015, que segue como anexo),
vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
dos arts. 2º, 3º e 4º da Lei nº 758, de 3 de agosto de 2012, do Município de
Estiva Gerbi, pelos seguintes
fundamentos:
1
- ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado a partir de representação do cidadão Juvenal Alves Corrêa Neto
(fls. 02/13).
A
Lei nº 758, de 3 de agosto de 2012, do Município de Estiva Gerbi, de
iniciativa parlamentar, “Onde institui o
Dia Municipal do Plantio de Árvores, passando a integrar o calendário oficial
do Município”, possui a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica instituído o “Dia Municipal do Plantio de Árvores”, a ser comemorado anualmente no dia 21 de setembro, data que se comemora o início da Primavera, passando a integrar o Calendário Oficial do Municipal.
Art. 2° - O Poder
Executivo participará desta comemoração coordenando e efetuando dentro de suas
possibilidades o cadastramento das árvores já existentes, a distribuição e
plantio do maior número possível de árvores apropriadas para o ambiente local.
Art. 3º - Deverão ser
priorizadas áreas de preservação ambiental, notadamente locais onde existam
nascentes ou cursos de água, áreas onde surjam novas moradias, sobretudo
bairros habitacionais; deverão também ser delimitadas áreas para a formação de
bosques, praças, que poderão ser adotadas por empresas e pela comunidade.
Art. 4º - O Poder
Executivo regulamentará esta Lei, através de Decreto.
Art. 5º - Esta Lei, entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” (g.n.)
Os artigos 2º, 3º e 4º da lei são verticalmente
incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a
seguir.
2
- FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente importante ressaltar que cada ente federativo dispõe de autonomia para fixar datas comemorativas que sejam relacionadas com fatos ou pessoas que façam parte de sua história, bem como de incluir em seu calendário eventos da localidade, só havendo limites quanto à fixação de feriados, por força de legislação federal de regência, o que, porém, não ocorre na situação em análise.
Não é de iniciativa privativa
do chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa para a criação de data
comemorativa, como o da lei objeto de análise, podendo a Câmara de Vereadores
legislar sobre esta matéria.
No entanto, a Lei n. 758, de
3 de agosto de 2012, do Município de Estiva Gerbi, não versa apenas sobre
instituição da data comemorativa, mas envolve, também, atos de gestão
administrativa, prevendo coordenação do evento pelo Poder Executivo,
cadastramento, distribuição e plantio de árvores, determina locais de plantio e
prevê programa para formação de bosques e praças, em sistema de parceria com
empresas privadas e comunidade.
Desta forma, a atividade legislativa extrapolou os limites, estando alguns dispositivos da lei impugnada em confronto com a ordem constitucional, por violar o princípio federativo e o princípio da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:
“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”
As matérias
previstas nos arts. 2º e 3º da lei encontram-se no âmbito da atividade
administrativa do município, cuja organização, funcionamento e direção superior
cabem ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.
A regulamentação determinada pela
legislação ora impugnada trata-se de atividade
nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha
política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas
aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da
Administração.
Quando
o Poder Legislativo do município edita lei determinando atuação administrativa
em sua regulamentação, como ocorre, no caso em exame, indevidamente, interfere
na esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o
princípio da separação de poderes.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade da realização de eventos e atividades em datas comemorativas. Trata-se de atuação administrativa fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
A inconstitucionalidade,
portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na
Constituição Paulista e aplicável aos municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).
É pacífico na doutrina, bem
como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre recordar aqui o
ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar.
(...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas.
Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes,
princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer
atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e
inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo
ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda
deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do
Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos
do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder
Judiciário” (Direito municipal
brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da
Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto
de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência
que devem existir entre os poderes estatais.
As matérias tratadas na lei, nos arts.
2° e 3º, encontram-se na órbita da chamada reserva
da Administração, que reúne as competências próprias de administração e
gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e XIV da
Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ainda que se imagine que
houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão
municipal, a iniciativa seria privativa do chefe do Poder Executivo, mesmo quando
ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX, da
Constituição Estadual.
Assim, os arts. 2° e 3º da
lei, ao fixarem obrigação ao poder executivo, violam o art. 47, II e XIV, no
estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à
organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada
da reserva da Administração.
Em síntese, cabe
nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, decidir se irá
deliberar a respeito do tema.
De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada cria, evidentemente, novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.
A norma combatida, ao instituir atividade a ser desenvolvida, não indicou os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cuja instalação e desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não servindo a tanto a genérica menção a dotações orçamentárias próprias.
Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.
3 - DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o
recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final
seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos
artigos 2º, 3º e 4º da Lei nº 758, de 3 de agosto de 2012, do Município de
Estiva Gerbi.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Estiva Gerbi, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o
ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São
Paulo, 10 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb
Protocolado nº 117.302/2015
Objeto: Lei nº 758, de
3 de agosto de 2012, do Município de Estiva Gerbi
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Comunique-se a propositura da ação ao interessado.
São
Paulo, 10 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb