Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 108.342/15
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei nº 1.128, de 14 de abril de 2015, que fixa percentual mínimo de 10% para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa do Município de Platina, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual diminuto para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa do município, no caso 10% (dez por cento), vez que ao estabelecer em lei um percentual desse jaez o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio
Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei nº 1.128,
de 14 de abril de 2015, do Município de Platina, que fixa percentual mínimo de
10% (dez por cento) para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa do município, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
A Lei nº 1.128, de 14 de abril de 2015,
do Município de Platina, estabeleceu o percentual mínimo de 10% (dez por cento)
sobre os cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de
carreira no ente municipal (fl. 45). Vejamos:
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, ao prever
percentual diminuto na questão apontada, no caso 10% (dez por cento), o
Município torna a exigência plasmada no art. 115, V, mera ficção jurídica por
evidente esvaziamento de sua ratio normativa,
havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Constituição
Estadual.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
A Lei nº 1.128, de 14 de abril de 2015, do Município de Platina, contraria frontalmente a Constituição do
Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal
ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os
preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
A
norma contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 - Para a organização da administração
pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por
qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
Quando a legislação examinada estabelece percentual mínimo de 10%
(dez por cento) sobre os cargos de provimento em comissão a serem preenchidos
por servidores de carreira no ente municipal, prima facie poder-se-ia cogitar sua obediência ao disposto no art.
115, V, da Constituição Estadual, porquanto se visualiza no ente em comento
diploma tendente a dar cumprimento ao comando constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio
essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se
errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto de postos comissionados a
serem preenchidos por servidores de carreira no ente, no caso apenas 10% (dez
por cento), a Lei nº 1.128/15, na verdade, tornou mera ficção o dispositivo
indicado por representar evidente esvaziamento de seu comando, havendo,
portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta Paulista, por
afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à moralidade e burla
implícita à excepcionalidade do provimento em comissão quando do preenchimento
de postos na estrutura da Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência
um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte
quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por omissão
reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para tomada das
providências necessárias, após o que, em caso de persistência da mora, 50% dos cargos em questão deverão ser
preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com determinação.”
(TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Moacir Peres,
j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição
de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em
comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura
administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V,
da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa
configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias
para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão
legislativa, ao menos 50% (cinquenta
por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.”
(TJSP, ADI nº 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza,
j. em 10.06.15 v.u – g.n.).
Ante o exposto, o percentual
estabelecido na lei objurgada não se concilia com os arts. 111 e 115, V, da Constituição
Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal
de Justiça.
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura da norma municipal apontada como violadora de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo à legitimidade do
exercício de cargos públicos e à efetividade da Constituição, pois, a
manutenção do diploma impugnado favorecerá ao descumprimento do mandamento
constitucional.
À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para
suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei nº 1.128, de 14 de abril de
2015, do Município de Platina, que fixa percentual mínimo de 10% (dez por
cento) para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa do
município.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerer-se
o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja
julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 1.128, de 14 de abril de
2015, do Município de Platina, que fixa percentual mínimo de 10% (dez por
cento) para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa do
município.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Platina, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os
atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 28 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ms/bfs
Protocolado nº
108.342/15
Interessado:
Promotoria de Justiça de Platina
1. Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe
mencionado, em face da Lei nº 1.128, de 14 de abril de 2015, do Município de
Platina, que fixa percentual mínimo de 10% (dez por cento) para preenchimento
de cargos em comissão na estrutura administrativa do município.
2. Ciência ao interessado, remetendo-lhe
cópia da petição inicial e deste despacho.
São Paulo, 28 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ms/bfs