EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado n. 56.797/15
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão na estrutura da Câmara Municipal de Porto Feliz instituídos pela Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, da Câmara Municipal de Porto Feliz.
2) Cargo de provimento em comissão
de “Assistente Parlamentar”, inserto nos arts. 12 e 14, e Anexos A e B da Resolução
nº 304, de 15 de maio de 2015, da Câmara Municipal de Porto Feliz, cujas
atribuições, ainda que descritas no referido ato, não evidenciam funções de
assessoramento, chefia e direção, mas de caráter estritamente técnico,
burocrático, operacional e profissional, de sorte que tais postos deve ser
preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo
(115, II e V, CE/89).
3) Cargo comissionado de “Diretor Jurídico”, insculpido no art. 12, e Anexos A e B da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, da Câmara Municipal de Porto Feliz. As atividades de advocacia pública e suas respectivas chefias são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (arts. 30, 98 a 100, da Constituição Estadual).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição
do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das
expressões “Assistente Parlamentar” e “Diretor Jurídico”, relativas aos arts.
12 e 14, e Anexos A e B da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, da Câmara
Municipal de Porto Feliz, pelos fundamentos a seguir expostos.
1.
DOS ATOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e,
a cujas folhas esta petição se reportará, foi instaurado a partir de
representação encaminhada pelo Centro Nacional de Denúncia - CND, a fim de apurar
a constitucionalidade de cargos de provimento em comissão na Câmara Municipal de
Porto Feliz (fls. 03/28).
Solicitadas
informações junto à edilidade, fora consignado que a normativa apontada como
incompatível com a Carta Bandeirante, no caso a Resolução nº 298/14,
encontra-se revogada ante a edição da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015,
a qual redefiniu a estrutura administrativa da Câmara Municipal de Porto Feliz,
de sorte que não mais se visualiza nos quadros do Parlamento local nenhum cargo
comissionado que viole os preceitos insculpidos na Constituição Estadual (fls.
120/122).
Todavia, conforme se demonstrará no curso desta exordial, ainda que a Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, tenha revogado a normativa anterior e extirpado do ordenamento local cargos comissionados que atentavam contra o espírito da Carta Paulista, vide exemplo o cargo de “Assessor Jurídico”, o qual, inclusive, foi objeto de Termo de Ajustamento de Conduta junto ao promotor de justiça da localidade (fls. 126/128), da análise da aludida resolução ainda se observa a presença de postos comissionados flagrantemente inconstitucionais, especificamente os cargos “Assistente Parlamentar” e “Diretor Jurídico”, previstos nos arts. 12 e 14, e Anexos A e B, da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, da Câmara Municipal de Porto Feliz, por violação aos arts. 30, 98 a 100, 111, 115, I, II e V, e 144 da Constituição Estadual.
2. DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS
DE PROVIMENTO EM COMISSÃO IMPUGNADOS
A Resolução nº 304, de 15 de
maio de 2015, da Câmara Municipal de Porto Feliz, no
tocante aos cargos objurgados, possui a seguinte redação:
“Resolução
nº 304/15:
(...)
Art. 12 – O Quadro
Pessoal da Câmara é constituído de cargos públicos, servidores públicos
permanentes e comissionados, conforme Anexos que integram esta Resolução.
(...)
Art. 14 – Os
cargos de Assistente Parlamentar serão preenchidos por servidores indicados
pelos respectivos vereadores, por meio de requerimento à Mesa.
(...)
Anexo “A”
Diretoria Administrativa
Quantidade |
Cargo |
Regime |
Forma
de Provimento |
Requisito |
Ref. |
Jornada
Semanal |
11 |
Assistente
parlamentar |
Estatutário |
Comissão |
E.F |
5 |
40 |
(...)
Diretoria Jurídica
Quantidade |
Cargo |
Regime |
Forma de Provimento |
Requisito |
Ref. |
Jornada Semanal |
01 |
Diretor
jurídico |
Estatutário |
Comissão |
E.F |
10 |
20 |
(...)
Anexo B
Funções dos cargos
Diretoria administrativa:
(...)
Assistente
Parlamentar – Assessora o vereador assistindo no trato de seus interesses
legislativos; procede, por delegação do vereador assistido, ao atendimento dos
munícipes interessados; assessora o vereador assistindo em seus relacionamentos
políticos com autoridades municipais, estaduais e federais; atende telefonemas,
anota e transmite recados, redige ofícios, indicações, requerimentos e minutas
de proposituras a pedido do vereador assistido; zela pela conservação diária e
pela manutenção periódica dos equipamentos sob sua responsabilidade; requisita
ao diretor administrativo o material necessário para a execução de seus
serviços; executa outras atividades que lhe forem delegadas pelos níveis
hierárquicos superiores.
(...)
Diretoria jurídica:
Diretor
jurídico – Dirigir, coordenar, controlar e avaliar execução das atividades
inerentes a Diretoria Jurídica; atender em exclusividade as determinações da
Presidência em assuntos Legislativos e Jurídicos de interesses da Câmara;
participar ativamente das reuniões; atender os responsáveis pelas auditorias;
acompanhar os servidores que se encontram sob sua orientação nas necessidades
diárias e procurando solucionar de forma rápida e eficaz os problemas por eles
abordados.”
3.
O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
As expressões “Assistente Parlamentar” e “Diretor Jurídico”, previstas nos arts. 12 e 14, e Anexos A e B da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, da Câmara Municipal de Porto Feliz, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“(...)
Artigo 30 - À Procuradoria da Assembléia
Legislativa compete exercer a representação judicial, a consultoria e o
assessoramento técnico-jurídico do Poder Legislativo.
Parágrafo único - Lei de iniciativa da Mesa da
Assembléia Legislativa organizará a Procuradoria da Assembléia Legislativa,
observados os princípios e regras pertinentes da Constituição Federal e desta
Constituição, disciplinará sua competência e disporá sobre o ingresso na classe
inicial, mediante concurso público de provas e títulos.
(...)
Artigo 98 - A Procuradoria Geral do
Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da
justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao
Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos
princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei
orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos
órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da
carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da
Constituição Federal.
§ 2º - Os
Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá
de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos
Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial
e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.
(...)
Artigo 99 -
São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I -
representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive
as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer
as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das
entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
III -
representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;
IV - exercer
as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do
Estado;
V - prestar
assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;
VI - promover
a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;
VII - propor
ação civil pública representando o Estado;
VIII -
prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;
IX - realizar
procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei
especial;
X - exercer
outras funções que lhe forem conferidas por lei.
(...)
Artigo 100 -
A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral
do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da
instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral
do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em
comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento,
prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar
declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.
(...)
Artigo 111 -
A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Artigo 115 -
Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
I - os
cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na
forma da lei;
II - a investidura
em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de
provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissões, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as
funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de
carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
(...)
Artigo 144 -
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição. (...)”
Ao
analisar as atribuições referentes ao cargo de “Assistente Parlamentar”, constata-se
que a maioria de suas atribuições consistem em atividades de natureza
burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam
plexos de assessoramento, chefia e direção.
Por fim, há no quadro de
cargos de provimento em comissão o posto de “Diretor Jurídico”, e, nos termos
do art. 30, 98 a 100, da Constituição Estadual, as atividades de advocacia pública, e suas respectivas chefias,
são reservadas a profissionais investidos mediante aprovação em concurso
público.
De antemão, cumpre registrar que entendimento diverso do sustentado
significaria, na prática, negativa de vigência aos arts. 30, 98 a 100, 111,
115, I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, bem como aos arts. 37, incisos
II e V, da Constituição Federal – como será adiante corroborado - cuja aplicabilidade
à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
4.
DA CRIAÇÃO ABUSIVA OU ARTIFICIAL DE CARGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSISTENTE PARLAMENTAR
Da simples
análise das atribuições plasmadas no Anexo B da Resolução nº 304/15 se constata
que na consecução do cargo em epígrafe prevalecem atividades de natureza
burocrática e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e
direção, haja vista que ao “Assistente
Parlamentar” compete atender
telefonemas, anotar e transmitir recados, redigir ofícios, indicações,
requerimentos e minutas de proposituras a pedido do vereador assistido; zelar
pela conservação diária e pela manutenção periódica dos equipamentos sob sua
responsabilidade; requisitar ao diretor administrativo o material necessário
para a execução de seus serviços; executar outras atividades que lhe forem
delegadas pelos níveis hierárquicos superiores, dentre outras, as quais não são
atribuições de assessoramento, chefia e direção.
Dessa
forma, o cargo comissionado vergastado é incompatível com a ordem
constitucional vigente, em especial com
o art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São
Paulo.
Essa
incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela
Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta
autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela
Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No
exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e
funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre
outras questões, bem como se estruturando adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos
postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim
se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de
natureza técnica ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor,
situados, portanto, no ápice da
estrutura hierárquica da Administração Pública (e não em estruturas
subalternas), para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à
atividade predominantemente política.
Há
implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática
aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço
público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos ou empregos que, pela
própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de
confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração.
Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A
autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de
tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o
nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São
Paulo, Saraiva, 1993, p. 208, g.n.).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São
a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o
imprescindível “vínculo de confiança” (cf.
Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” superior da Administração (cf. Odete
Medauar, Direito administrativo moderno,
5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa
também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT
VOL-01765-01 PP-00169).
Não
é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o
provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de
confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das
diretrizes políticas do governo.
Pela
análise da natureza e atribuições do cargo objurgado não se identificam os
elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação
de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão
para tal criação, “propiciar ao Chefe de
Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas
funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes
políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer
plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta
ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da
autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a
serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o
dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a
que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No
caso em exame, evidencia-se claramente que o cargo de provimento em comissão alhures destina-se ao desempenho de
atividades predominantemente
burocráticas e profissionais, que não exigem, para seu adequado desempenho,
relação de especial confiança.
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados
desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des.
Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des.
Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel.
des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008,
v.u.).
Por fim, cabe registrar que entendimento diverso do ora
sustentado significaria, na prática, negativa
de vigência ao art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, bem como
ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à
hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
5. DO
CARGO DE DIRETOR JURÍDICO
Ex vi do disposto no Anexo A da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, foi instituído na estrutura da Câmara Municipal de Porto Feliz o cargo comissionado de “Diretor Jurídico”, posto este caracterizado por ser de livre nomeação e exoneração.
Todavia, as atividades de advocacia
pública, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais investidos
mediante aprovação em concurso público.
É o que se infere do art. 30 e, seu
parágrafo único, bem como dos arts. 98 a 100, todos da Constituição Estadual
que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar
da advocacia pública estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes, o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR Nº 913, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2011,
QUE DISPÕE SOBRE A REGORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA CÂMARA MUNICIPAL E DÁ
OUTRAS PROVIDÊNCIAS – CARGO DE ‘ASSESSOR TÉCNICO JURÍDICO’, CONSTANTE DOS
ANEXOS I, X E XIII DA REFERIDA LEI COMPLEMENTAR - FORMA DE PROVIMENTO EM
COMISSÃO – NÃO CORRESPONDÊNCIA A FUNÇÕES DE DIREÇÃO, CHEFIA OU ASSESSORAMENTO,
DESTINANDO-SE AO DESEMPENHO DE ATIVIDADES TÉCNICAS OU PROFISSIONAIS, QUE
DISPENSAM, PARA SEU REGULAR DESEMPENHO, RELAÇÃO ESPECIAL DE CONFIANÇA –
HIPÓTESE, ADEMAIS, EM QUE SE ATRIBUEM FUNÇÕES PRÓPRIAS DA ADVOCACIA PÚBLICA –
FORMA DE INGRESSO QUE DEVE RESPEITAR O SISTEMA DE MÉRITO – PRECEDENTES DESTE
ÓRGÃO ESPECIAL – VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 30, 98 A 100, 111, 115, INCISOS II E V, E
144 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO – MODULAÇÃO DOS EFEITOS (120 DIAS DESTE
JULGAMENTO) – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE”. (TJ/SP, ADI nº
2022690-67.2015.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Casconi, julgado em 15/06/2015)
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE – Legislação do Município de Cruzeiro que dispõe sobre
a criação do cargo de Coordenadores do Gabinete e de Assessores Técnicos
Executivos e dá outras providências – Funções descritas que não exigem nível
superior para seus ocupantes – Cargo de confiança e de comissão que possuem
aspectos concentuais diversos – Afronta aos artigos 30, 98, 99, 100, 111, 115,
incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual – Ação procedente”. (TJ/SP, ADI
nº 2098395-08.2014.8.26.0000, Rel. Des. Antônio Carlos Malheiros, julgado em
08/11/2014)
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
(ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO -
CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO
ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de
assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz
prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela
Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma
inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos
membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de
investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU
EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E
ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ
ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO
DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA”
(STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v.,
DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO
II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO
MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL
REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE
ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA.
INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
Isto posto, o cargo em epígrafe
revela-se flagrantemente inconstitucional, devendo ser declarada a
inconstitucionalidade de preceitos que autorizam sua mantença nos quadros da
edilidade.
7.
DO PEDIDO
LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura dos preceitos legais da Câmara Municipal de Porto
Feliz apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do
Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima
investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.
Está claramente demonstrado que
o cargo de “Assistente Parlamentar”, inserto nos arts. 12 e 14, e Anexos A e B,
da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, do Município de Porto Feliz, não
possui atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções
técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas
por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, assim como
o de “Diretor Jurídico”, também disciplinado nos Anexos A e B, da
Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015, ofende sobremaneira ao art. 30 e seu parágrafo
único, bem como os arts. 98 a 100, todos da Constituição Estadual.
O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para a
suspensão parcial da eficácia das expressões “Assistente Parlamentar” e “Diretor Jurídico”, previstas
nos arts. 12 e 14, e Anexos A e B da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015,
da Câmara Municipal de Porto Feliz.
8. DO PEDIDO PRINCIPAL.
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que, ao final, seja ela julgada procedente, reconhecendo-se
a inconstitucionalidade dos cargos “Assistente Parlamentar” e “Diretor Jurídico”, previstos
nos arts. 12 e 14, e Anexos A e B da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015,
da Câmara Municipal de Porto Feliz.
Requer-se,
ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Porto Feliz,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se
sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 14 de agosto de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ef
bfs
Protocolado nº 56.797/15
Interessado: Centro Nacional de Denúncia - CND
1. Distribua-se a petição inicial da
ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em
face das expressões “Assistente Parlamentar” e “Diretor Jurídico”, previstas
nos arts. 12 e 14, e Anexos A e B da Resolução nº 304, de 15 de maio de 2015,
da Câmara Municipal de Porto Feliz.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 14 de agosto de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ef
bfs