EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 89.504/2015

                       

                       

Ementa:    

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. §§ 1º e 5º, do art. 63 e parágrafo único, do art. 64, todos da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana.

2)      Gratificação de Regime Especial de Trabalho aos cargos de provimento em comissão (art. 63, §§1º e 5º). Previsão que ofende o art. 128 da Constituição Estadual.

3)      A concessão de gratificação a servidores públicos, sem critérios objetivos determinados ou que considera como critério objetivo requisito para provimento do cargo, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público.

4)      Norma que confere indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheada aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

5)      A concessão de gratificação a servidores públicos, por discricionariedade da autoridade, viola o princípio da legalidade.

6)      Benefícios que não atendem à legalidade, interesse público e às exigências do serviço. Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 1, 111, 128 e 144 da Constituição Estadual.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 89.504/2015, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos §§1º e 5º, do art. 63 e parágrafo único, do art. 64, todos da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Promotor de Justiça da Comarca de José Bonifácio (fls. 02/05).

O art. 63 e §§1º e 5º, da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana, tem a seguinte redação (fls. 99/151):

“(...)

Art. 63. A gratificação de Regime Especial de Trabalho será devida ao servidor, que for designado para ficar a disposição do serviço 24 (vinte e quatro horas) diárias, durante as quais poderá ser convocado a trabalhar em qualquer momento, inclusive aos sábados, domingos e feriados.

§1º. A critério da autoridade concedente, o valor da gratificação a que se refere este artigo será de 10% (dez por cento) até o limite de 50 (cinquenta por cento) do vencimento do funcionário designado.

(...)

§5º. O funcionário nomeado ou designado para exercer cargo em comissão fará jus ao recebimento da gratificação que se trata este artigo.

(...)”

O art. 64 e, seu parágrafo único, da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana, tem a seguinte redação (fls. 99/151):

“(...)

Subseção IV

Representação de Gabinete

Art. 64. Será concedido ao Servidor gratificação de representação de gabinete para prestar serviços ao Gabinete do Prefeito ou do Presidente da Câmara.

Parágrafo único. A critério da autoridade concedente, o valor da gratificação de que se trata este artigo será de até 70% (setenta por cento) do vencimento do funcionário.

(...)”

2.     DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

Os atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

As regras jurídicas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 - As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”.

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

a)    Da inconstitucionalidade da gratificação de Regime Especial de Trabalho aos servidores de provimento em comissão

Sabe-se que as vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

O adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição ligada a determinados cargos ou funções que, para serem bem desempenhados, exigem um regime especial de trabalho, uma particular dedicação ou uma especial habilitação de seus titulares (ex facto officii). (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760).

A doutrina assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452).

Os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

Ademais, oportuno ressaltar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

A Constituição do Estado de São Paulo subordina a previsão de vantagens pecuniárias à concorrência de dois requisitos; devem atender ao interesse público (e não somente o do servidor) e às exigências do serviço.

Diante destas considerações, verifica-se incompatibilidade constitucional da gratificação denominada de Regime Especial de Trabalho para servidores de provimento em comissão prevista no art. 63 e §5º, da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana.

           Com efeito, os cargos em comissão são considerados especiais por natureza, sendo exceções à regra do concurso público. A natureza das atividades exercidas pelo detentor de cargo em comissão (de chefia, assessoramento e direção) já compreendem o exercício de um encargo diferenciado de serviços, de natureza própria e especial.

Os servidores comissionados justamente por trabalharem em regime especial, não fazem jus à hora extra ou bonificação por dedicação exclusiva.

Note-se que exatamente por se reconhecer a especialidade da função o servidor comissionado recebe uma remuneração maior em comparação aos cargos de provimento efetivo. Portanto, a gratificação em questão remunera em duplicidade o servidor comissionado.

           A norma impugnada conferiu indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheia aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos, conforme alude o artigo 128 da Constituição Bandeirante.

Cabe ressaltar que a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do “bom administrador”. Quando se trata da gestão do patrimônio público, todas as condutas devem concorrer para a criação do bem comum, e, para tanto, devem observar não somente o que é lícito ou ilícito, o justo ou injusto, mas atender a critérios morais que hoje dão valor jurídico à vontade psicológica do administrador. A gestão do dinheiro público exige do administrador prudência muito maior do que aquela que empregamos na gestão dos nossos bens.

Hoje a moralidade administrativa foi erigida em fator de legalidade não só do ato administrativo, mas também da produção normativa.

A instituição da gratificação de Regime Especial de Trabalho para os servidores de provimento em comissão não se conforma com a moral administrativa e com o interesse público.

A necessidade de se verificar se a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos, no entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

Ademais, o ato normativo impugnado que instituiu a gratificação de Regime Especial de Trabalho aos cargos de provimento em comissão contraria o princípio da razoabilidade e moralidade, que devem nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio, é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

A gratificação de Regime Especial de Trabalho para os servidores de provimento em comissão não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse C. Órgão Especial, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público. Confira-se: ADI 0136976-34.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 16 de novembro de 2011, ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.

Bem observa Wellington Pacheco Barros, destacado Professor e Desembargador:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

No caso em tela não há qualquer contraprestação especial ou extraordinária para que haja incidência e justificativa para a concessão da vantagem pecuniária individual.

A instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Em casos análogos, essa Corte tem reconhecido a inconstitucionalidade das normas que instituem tais vantagens, firme no entendimento de que são violadoras da moralidade administrativa, princípio de assento constitucional, como demonstra o seguinte excerto de julgado:

“[A] Constituição do Estado, em seu artigo 111, preceitua que a Administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, deve obedecer aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público e, ainda, no seu artigo 128, só autoriza o pagamento de vantagens pecuniárias que atendam ao interesse público e às exigências do serviço, o que, no caso em tela, não aconteceu.

É evidente que o pagamento de adicional de nível universitário a servidores efetivos que exerçam funções para as quais não se exige, como pré-requisito o curso superior, não atende as exigências do serviço como tampouco satisfaz o interesse público, visando, portanto, favorecer somente um grupo de servidores privilegiados que preencheram um dado absolutamente incidental - ter curso superior -, o que se constitui em uma verdadeira liberalidade ilegítima, às expensas do erário, como foi oportunamente lembrado pela douta Procuradoria.

(...)

Diante disso, a promulgação, pela Câmara Municipal, da Resolução impugnada, afronta os artigos 111, 128 e 144, todos da Constituição do Estado” (ADIN nº 064.382-0/0-00, rel. Sinésio de Souza, j. 19 Set. 2001).

Posto isso, o §5º, do art. 63 da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana, é inconstitucional uma vez que contraria os artigos 111 e 128 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

b. Da violação ao princípio da legalidade

O §1º do art. 63, da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana, estabelece que a critério da autoridade concedente, o valor da gratificação de Regime Especial de Trabalho será de 10% (dez por cento) até o limite de 50% (cinquenta por cento) do vencimento do funcionário designado.

E o parágrafo único, do art. 64, da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana, estabelece que a critério da autoridade concedente, o valor da gratificação de Representação de Gabinete será de até 70% (setenta por cento) do vencimento do funcionário.

Os vencimentos dos servidores públicos devem ser fixados em lei específica, assim como as vantagens pecuniárias, até porque accessorium sequitur principale.

De qualquer modo, nessa compreensão, incluem-se as vantagens pecuniárias e seus respectivos valores porque a dimensão da reserva de lei - da tradição jurídico-constitucional brasileira (art. 15, n. 17, Constituição de 1824; art. 34, n. 24, art. 72, n. 32, Constituição de 1891; art. 65, IV, Constituição de 1946; arts. 43, V, e 57, II, Constituição de 1967; art. 37, X, Constituição de 1988) - abrange quaisquer espécies remuneratórias e, aliás, quaisquer estipêndios pagos pelo poder público sob qualquer rubrica, alcançando acréscimos e vantagens pecuniários, indenizações, auxílios, abonos que só podem ser concedidos por ato normativo da exclusiva alçada do Poder Legislativo, pois a ele compete a integralidade da disciplina da matéria.

Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: se à lei é reservada, com exclusividade, a função de fixação da remuneração do servidor público, inclusive de seu valor, pela mesma razão pertence-lhe fixar adicional ou a gratificação e seus respectivos valores (ainda que fracionário ou percentual e até com diferenciações em razão do cargo situar-se em maior ou menor grau de hierarquia, de complexidade etc.), sob pena, inclusive, de inviabilidade do planejamento e da execução orçamentária (art. 169, Constituição Estadual).

Em torno do tema, o Supremo Tribunal Federal prestigia a prevalência da reserva legal na remuneração dos servidores públicos:

“O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).

“Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções n.ºs 26, de 22/12/94; 15, de 23/10/97, e 16, de 30/10/97, todas do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, havendo a primeira criado a gratificação de representação, correspondente a 40% do valor global atribuído a diversos cargos, estendendo-a, inclusive, aos inativos que se aposentaram em cargos de igual denominação ou equivalente. 2. Alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo. 3. Medida cautelar deferida e suspensa, com eficácia ex nunc, a eficácia das Resoluções impugnadas. 4. Procedência da alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo, eis que há necessidade de lei em sentido formal para a criação de vantagens pecuniárias a servidores do Poder Judiciário. 5. A Lei Magna não assegura aos Tribunais fixar, sem lei, vencimentos ou vantagens a seus membros ou servidores. 6. Jurisprudência do STF no sentido de que ‘não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob o fundamento da isonomia’ (Súmula 339 e ADINs n.º 1776, 1777 e 1782). 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 1.732-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17-04-2002, v.u., DJ 07-06-2002, p. 81).

Perfilhando esta orientação, merece destaque julgamento deste egrégio Tribunal de Justiça, cuja ementa é a seguinte:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Ato normativo municipal que confere ao Chefe do Poder Executivo a possibilidade de, mediante portaria e a seu alvedrio, conceder gratificações de 20 e até 100% sobre os vencimentos dos servidores – Violação da cláusula da reserva legal, visto que somente por lei, em sentido formal, podem ser fixadas gratificações e vantagens – Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal – Preceito normativo que, ademais, vulnera a moralidade, o princípio da impessoalidade e da razoabilidade – Ofensa aos artigos 5º, 24, § 2º, nº 1, 111, 115, XI, todos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios ex vi o artigo 144 da mesma Carta – Inconstitucionalidade do § 1º do artigo 5º da Lei nº 3.122 do Município de Cruzeiro reconhecida – Inconstitucionalidade também do § 2º do mesmo preceito por arrastamento – Ação procedente” (TJSP, ADI 169.057-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, 28-01-2009, v.u.).

A fixação e graduação do valor da gratificação conferida a discricionariedade da autoridade viola o princípio da legalidade, pois nos termos do art. 24, § 2º, 1 da Constituição Federal o valor da remuneração do servidor público, que abrange as gratificações, deve ser fixada por lei.

4.     DOS PEDIDOS

a.  Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma impugnada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque permite dispêndio público de maneira ilegítima, periclitando as forças do erário com a potencialidade real e concreta de danos irreversíveis ou de difícil reparação.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia das disposições normativas questionadas, continuarão sendo aplicadas. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos relativos às gratificações impugnadas não serão revertidos ao erário pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta, dos §§1º e 5º, do art. 63 e do parágrafo único do art. 64, todos da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana.

Do Pedido Principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos §§1º e 5º, do art. 63 e do parágrafo único do art. 64, todos da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Ubarana, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 08 de outubro de 2015.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mi

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 89.504/2015

Interessado: Dr. Hérico William Alves Destéfani – Promotor de Justiça da Comarca de José Bonifácio

 

 

 

 

 

1.    Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos §§1º e 5º, do art. 63 e parágrafo único, do art. 64, todos da Lei Complementar nº 55, de 17 de junho de 2010, do Município de Ubarana.

2.    Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 08 de outubro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/mi