EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 41.553/2015

 

 

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.024, de 25 de junho de 1997, Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006 e Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, todas do Município de Sumaré.

2.      Ausência de participação popular e de planejamento técnico na produção das leis mencionadas. Inconstitucionalidade por violação dos arts. 180, I, II e V, 181 e 191, da Constituição Estadual.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face das Leis nº 3.024, de 25 de junho de 1997, Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006 e Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, todas do Município de Sumaré, pelos seguintes fundamentos:

1. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação da Promotoria de Justiça da Comarca de Sumaré (fls. 02/03).

A Lei nº 3.024, de 25 de junho de 1997, do Município de Sumaré que “Dispõe sobre o uso conforme e o uso não conforme de imóveis, de acordo com a Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995 (Parcelamento do Solo)”, tem a seguinte redação (fls. 159/175):

“(...)

Art. 1- O artigo 79, caput e §§1º e 2º da Lei Municipal nº 2381, de 26 de dezembro de 1995 (Parcelamento do Solo), passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 79 – O uso não conforme ou a edificação não conforme de que trata a Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995 serão admitidos, desde que sua existência, anterior à data da publicação da presente lei, seja comprovada mediante documento expedido pela Prefeitura Municipal ou órgão Estadual ou Federal, e desde que o proprietário apresente a documentação necessária num prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da publicação desta Lei.

§ 1º - Nas edificações existentes anteriormente à publicação da presente lei cujos índices de aproveitamento e ocupação não tenham atingido os máximos previstos no quadro nº 2 da Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, porém cuja não conformidade seja referente apenas aos recuos, serão permitidas ampliações, desde que as edificações resultantes não ultrapassem aos índices estabelecidos, e novas partes sejam atendidas todas as exigências da zona de uso em que estiverem localizadas.

§2º - Nos imóveis não conforme, tanto com relação ao uso com a edificação, não serão admitidas quaisquer ampliações que agravem a não conformidade com relação a presente lei, admitindo-se apenas reformas essenciais à segurança e à higiene das edificações, instalações e equipamentos.”

Art. 2º - No quadro ZM1 e ZCS – 01, constante da Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, que estabelece as características das Zonas de Uso do Solo, a área mínima de 1.000 m2 passa a ser de 800 m2.

Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º- Revogam-se as disposições em contrário.

(...)

A Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006, do Município de Sumaré, que “Dispõe sobre a inclusão da Categoria de Uso identificada com R2 (edificação Residencial Multifamiliar) na Zona de Uso identificada como ZI1 (zona predominantemente industrial onde são permitidas indústrias leves e médias) definida pela Lei Municipal nº 2831/95, e Uso Conforme e o Uso não Conforme de Imóveis”, tem a seguinte redação (fls. 175/209):

“(...)

Art. 1- O artigo 79, caput e §§1º e 2º da Lei Municipal nº 2381, de 26 de dezembro de 1995 (Parcelamento do Solo), passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 79 – O uso não conforme ou a edificação não Conforme de que trata a Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, serão admitidos e regularizados desde que sua existência seja anterior à data da publicação desta lei, ou comprovada mediante documento expedido pela Prefeitura Municipal, órgão Estadual ou Federal, e desde que o proprietário apresente a documentação necessária num prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar a data de publicação desta Lei.

§1º - Não edificações existentes anteriormente à publicação da presente lei cujos índices de aproveitamento e ocupação não tenham atingido os máximos previstos no quadro 2 da Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, incluindo prédios comerciais e templos religiosos, porém cuja não conformidade seja referente apenas aos recuos, serão permitidas aplicações, desde que as edificações resultantes não ultrapassem aos índices estabelecidos, e novas partes sejam atendidas todas as exigências da zona de uso em que estiverem localizadas”.

Art. 2º - No quadro 2/3 (Características das Zonas de Uso do Solo) constante na Lei Municipal nº 2831/95, fica incluída a Categoria de Uso identificada como R2 na Zona de Uso identificada como ZI1, conforme quadro em anexo.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4 – Revogam-se as disposições em contrário, em especial o artigo 4º da Lei Municipal nº 4.025, de 20 de maio de 2005.

(...)”

E a Lei nº 5022, de 25 de junho de 2010, do Município de Sumaré, que “Dispõe sobre o Uso Conforme e o Uso não Conforme de Imóveis, de acordo com a Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995 (Parcelamento do Solo)”, tem a seguinte redação (fls. 210/228):

“(...)

Art. 1º - O artigo 79, caput” e parágrafo 1º da Lei nº 2831, de 26 de dezembro de 1995 (Parcelamento do Solo), passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 79 – O Uso não Conforme ou a edificação não Conforme de que trata a Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, serão admitidos e regularizados desde sua existência, seja anterior à data de publicação desta lei, ou comprovada mediante documento expedido pela Prefeitura Municipal, órgão Estadual ou Federal, e desde que o proprietário apresente a documentação necessária num prazo máximo 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias a contar a data de publicação desta Lei.

§1º - Nas edificações existentes anteriormente à publicação desta lei cujos índices de aproveitamento e ocupação não tenham atingido os máximos previstos no quadro nº 02 da Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, incluindo prédios comerciais e templos religiosos, construídos em área mínima de 125 m2 (cento e vinte e cinco metros quadrados), testada mínima de 5m (cinco metros), porém cuja não conformidade seja referente apenas aos recuos, serão permitidas ampliações, desde que as edificações resultantes não ultrapassem aos índices estabelecidos, e novas partes sejam atendidas todas as exigências da zona de uso em que estiverem localizados”.

Art. 2º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º - Revogam-se, as disposições em contrários.

(...)”

Os atos normativos impugnados padecem de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O processo legislativo dos referidos diplomas legais contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

As leis locais impugnadas contrastam os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“(...)

Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

3. DA Violação Ao princípio do planejamento

Os atos normativos impugnados desrespeitaram a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso do solo.

Nos termos dos art. 180, II e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada o uso do solo.

Todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.) deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, razão pela qual a exigência de planejamento e estudos técnicos.

O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê ainda a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (Art. 48, IV, 182, da CF e art.180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

O planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28, apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o do zoneamento e de outras restrições urbanísticas que, como manifestação concreta do planejamento urbanístico, tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que novo traçado viário, desafetação de áreas públicas com definição dos usos e restrições urbanísticas, dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampadas nas leis de uso e ocupação do solo urbano. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor Participativo e o Sistema de Planejamento Integrado e Gestão Participativa do Município.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

A Lei nº 3.024, de 25 de junho de 1997, do Município de Sumaré, estabeleceu que nas edificações existentes anteriormente à publicação daquela Lei cujos índices de aproveitamento e ocupação não tenham atingido os máximos previstos no quadro nº 2 da Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, porém cuja não conformidade seja referente apenas aos recuos, são permitidas ampliações, desde que as edificações resultantes não ultrapassem aos índices estabelecidos. Dispôs, ainda, que no quadro ZM1 e ZCS-01, constante da Lei nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, que estabelece as características das Zonas de Uso do Solo, a área mínima de 1.000 m² passou a ser de 800m².

Por sua vez, a Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006, do Município de Sumaré, previu que as edificações existentes anteriormente à publicação da presente Lei cujos índices de aproveitamento e ocupação não tenham atingido os máximos previstos no quadro nº 2 da Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, incluindo prédios comerciais e templos religiosos, porém cuja não conformidade seja referente apenas aos recuos, são permitidas ampliações, desde que as edificações resultantes não ultrapassem aos índices estabelecidos, e novas partes sejam atendidas todas as exigências da zona de uso em que estiverem localizados. Estabeleceu, ainda, que no Quadro 2/3 (Características das Zonas de Uso do Solo) constante na Lei Municipal nº 2831/95, ficou incluída a Categoria de Uso identificada como R2 na Zona de Uso identificada como ZI1.

E a Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, do Município de Sumaré, previu que as edificações existentes anteriormente à publicação da presente Lei cujos índices de aproveitamento e ocupação não tenham atingido os máximos previstos no quadro nº 2 da Lei Municipal nº 2831, de 26 de dezembro de 1995, incluindo prédios comerciais e templos religiosos, construídos em área mínima de 125 m² (cento e vinte metros quadrados), testada mínima de 5m (cinco metros), porém cuja não conformidade seja referente apenas aos recuos, são permitidas ampliações, desde que as edificações resultantes não ultrapassem aos índices estabelecidos, e novas partes sejam atendidas todas as exigências da zona de uso em que estiverem localizados.

Da análise dos Projetos de Lei que redundaram nas leis impugnadas, verificou-se que não ocorreram estudos técnicos para verificação da viabilidade das propostas. As modificações legislativas não estão fundadas por planejamento urbanístico que busca o crescimento ordenado da cidade e a melhoria das condições de vida dos cidadãos.

As leis impugnadas, ainda que tenha sido de iniciativa do Executivo, por não decorrerem da atividade de planejamento urbano do município, compromete o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

Deste modo, patente a inconstitucionalidade dos atos normativos que, sem qualquer estudo prévio consistente, e de forma casuística e pontual, alteraram o uso conforme e o uso não conforme de imóveis, por ferir frontalmente o disposto nos artigos 180, caput e inciso II, e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e § 1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

4. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

 A transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.

A validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens dos particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção.

Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem estar do povo. Cumprem esta premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.

Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.

O princípio da participação comunitária no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano é uma exigência da Constituição Estadual (art. 180, II e 191).

O entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento como da participação comunitária na produção de normas de ordenamento urbanístico. Neste sentido, convém transcrever as seguintes ementas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

Imperioso ainda destacar o entendimento inserto na ementa que se segue, no sentido da necessidade da participação popular, também na fase de discussão do projeto de lei, diante de eventuais emendas substitutivas:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - PROCESSO LEGISLATIVO SUBMETIDO A PARTICIPAÇÃO POPULAR - VOTAÇÃO, CONTUDO, DE PROJETO SUBSTITUTIVO QUE, A DESPEITO DE ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS DO PROJETO INICIAL, NÃO FOI LEVADO AO CONHECIMENTO DOS MUNÍCIPES – VÍCIO INSANÁVEL - inconstitucionalidade declarada. "O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhes expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta" (ADI 994.09.224728-0)

Da análise dos Projetos de Lei que convertidos na Lei nº 3.024, de 25 de junho de 1997, Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006 e Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, todas do Município de Sumaré, não se conferiu possibilidade da participação comunitária na produção normativa.

Seria imprescindível a participação da comunidade seja para discutir acerca da viabilidade das ampliações das edificações existentes (Leis nº 3024/1997, n° 4231/2006 e nº 5022/2010), seja para verificar a possibilidade de diminuição da área mínima de 1.000 m² para 800 m² das características das Zonas de Uso do Solo (Lei nº 3024/1997), bem como para aferição da viabilidade da inclusão da Categoria de Uso identificada como R2 na Zona de Uso identificada como ZI1 (Lei nº 4231/2006).

Deste modo, padece de inconstitucionalidade a Lei nº 3.024, de 25 de junho de 1997, Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006 e Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, todas do Município de Sumaré, por subtraírem a possibilidade e exigência constitucional da participação popular, ferindo frontalmente o disposto no art.180 caput e inciso II, no art.181 caput e §1º e no art.191, da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art.182 caput e § 1º, e o art. 30 e inciso VIII, da Constituição Federal.

5. DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos atos normativos impugnados.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que as leis impugnadas padecem de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com um crescimento desordenado da cidade, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que a ocupação do solo, com base nas alterações de uso providas no mapa de zoneamento, poderá levar a situações urbanisticamente não desejáveis que poderá gerar conflitos e intranquilidade na comunidade.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já eventualmente já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia das Lei nº 3.024, de 25 de junho de 1997, Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006 e Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, todas do Município de Sumaré.

6. DO PEDIDO PRINCIPAL.

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade das Leis nº 3.024, de 25 de junho de 1997, Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006 e Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, todas do Município de Sumaré.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sumaré, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 13 de outubro de 2015.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

aca/mi

Protocolado nº 41.553/2015

Interessado: Dra. Luciane Cristina Nogueira Lucas Lo Ré – Promotora de Justiça da Comarca de Sumaré

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face das Lei nº 3.024, de 25 de junho de 1997, Lei nº 4.231, de 15 de setembro de 2006 e Lei nº 5.022, de 25 de junho de 2010, todas do Município de Sumaré, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.     Cumpra-se.

 

                  São Paulo, 13 de outubro de 2015.

 

 

 

 

                     Márcio Fernando Elias Rosa

                     Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

aca/mi