Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 109.375/2015

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei nº 650, de 29 de dezembro de 2014, do Município de Igarapava. Processo legislativo. Irrepetibilidade de projeto reprovado. É vedada a reapresentação de projeto de lei rejeitado na mesma sessão legislativa, senão mediante proposta da maioria absoluta dos membros do Poder Legislativo (art. 29, CE/89). Cláusula do processo legislativo de observância obrigatória para Estados e Municípios.

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (109.375/2015), vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 650, de 29 de dezembro de 2014, do Município de Igarapava, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

         A Lei nº 650, de 29 de dezembro de 2014, do Município de Igarapava, que “Dispõe sobre o Parcelamento de Débitos
Previdenciários do Município de Igarapava com o Instituto de Previdência Municipal de Igarapava - PREVIGARAPAVA
”, assim dispõe:

“(...)

(...)”

A Lei nº 650/2014, do Município de Igarapava, é fruto do Projeto de Lei nº 62/2014 (fls. 70/73), apresentado pelo Chefe do Poder Executivo em 18 de dezembro de 2014 (fls. 65/69), e que foi aprovado pelo Poder Legislativo, em sessões extraordinárias realizadas nos dias 24, 26 e 29 de dezembro de 2014 (fls. 74/88), data última em que expedido o Autógrafo nº 66/2014 (fls. 89/91), sendo sancionada em 29 de dezembro de 2014 e publicada (fl. 92 e verso).

Entretanto, e como emerge das informações prestadas pela Câmara Municipal de Igarapava (fls. 52/53), projeto de lei idêntico havia sido rejeitado anteriormente pelo Poder Legislativo (fls. 61/62).

Com efeito, o Projeto de Lei nº 56/2014, de autoria do Chefe do Poder Executivo, apresentado em 24 de novembro de 2014 (fls. 56/57), continha idêntica redação a do projeto de lei subsequente, acima referido (fls. 58/60).

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

         A Lei nº 650, de 29 de dezembro de 2014, do Município de Igarapava, é incompatível com a seguinte regra da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável ao Município por força de seu art. 144:

“Artigo 29 - A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá ser renovada, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros da Assembleia Legislativa.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

 

III – IRREPETIBILIDADE DE PROJETO REJEITADO NA MESMA SESSÃO LEGISLATIVA

Claramente o constituinte quis criar um obstáculo à contínua apreciação de projetos de lei cujo conteúdo já tenha sido apreciado pela Casa Legislativa na mesma sessão legislativa.

Com efeito, não se concebe que os parlamentares rejeitem um projeto de lei, e, pouco tempo depois, passem a entender que, aquilo que até então não era bom, passou a sê-lo.

Tal rejeição cria uma presunção relativa no sentido de que o projeto não era de interesse da sociedade, e por isso mesmo foi rejeitado, que somente poderia ser quebrada a partir do engajamento da maioria absoluta dos membros da Casa Parlamentar, que, unidos, reapresentariam o projeto de lei.

Neste sentido o ensinamento de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, para quem “caso o projeto seja da iniciativa do Chefe do Poder Executivo, tendo sido arquivado, pode ser reapresentado na mesma sessão legislativa, pela maioria absoluta de qualquer das Casas, fazendo incidir a regra do art. 67, mesmo em se tratando de iniciativa reservada” (Curso de direito constitucional, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 363, nota 15).

As regras do processo legislativo federal são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

         A Constituição Estadual no art. 29 reproduz a limitação contida no art. 67 da Constituição Federal consagrando a regra da irrepetibilidade de projeto de lei rejeitado na mesma sessão legislativa.

         No caso concreto, o segundo projeto foi reapresentado pelo próprio Chefe do Poder Executivo, na mesma sessão, quando na verdade deveria ter sido apresentado pela maioria absoluta dos componentes do Poder Legislativo.

         A iniciativa legislativa é “um ato simples, em regra geral. Como exceção, tem a estrutura de ato coletivo quando serve para apresentar projeto que reitera disposições constantes de outro que, na mesma sessão legislativa, ou foi rejeitado em deliberação, ou foi vetado (obviamente tendo sido mantido o veto). Nessa hipótese, exige o art. 67 da Constituição que a proposta seja subscrita pela maioria absoluta dos membros de qualquer das Câmaras. Dessa forma, a iniciativa resulta aí da soma, sem fusão, de vontades de conteúdo e finalidades iguais, que continuam autônomas, pertencentes a titulares de iniciativa individual” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2001, 27ª ed., p. 186).

         Em tais casos o objetivo da regra é “evitar infindáveis reapresentações de projetos de lei rejeitados, sem que haja a mínima viabilidade de alteração do posicionamento do Congresso Nacional” (Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 1.165), e “cabe observar que, não tendo o dispositivo acolhido a ressalva referente a proposições do Poder Executivo, este não poderá renová-las na mesma sessão legislativa” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 459).

         Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal que pronunciou a inconstitucionalidade da expressão “ressalvados os projetos de iniciativa exclusiva” que continha o próprio art. 29 da Constituição do Estado de São Paulo:

“CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. ESTRUTURA DO PROCESSO LEGISLATIVO. PROJETO DE LEI REJEITADO. REAPRESENTAÇÃO. EXPRESSÕES EM DISPOSITIVOS QUE DESOBEDECEM AO ART. 25 E SE CONTRAPÕEM AO ART. 67, AMBOS DA CF. A OBSERVÂNCIA DAS REGRAS FEDERAIS NÃO FERE AUTONOMIA ESTADUAL. PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE EM PARTE” (STF, ADI 1.546-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, 03-12-1998, v.u., DJ 06-04-2001, p. 66).

         Verifica-se, portanto, a ocorrência de vício de inconstitucionalidade formal ou nomodinâmica, a contaminar de forma irreversível a Lei Municipal nº 650/14, visto não ter observado o art. 29 da Constituição Estadual que reproduz o art. 67 da Constituição Federal.

IV – Pedido liminaR

         À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da lei municipal de Igarapava apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil reparação.

         À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação Lei nº 650, de 29 de dezembro de 2014, do Município de Igarapava.

V – Pedido

         Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade Lei nº 650, de 29 de dezembro de 2014, do Município de Igarapava.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Igarapava, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

         Termos em que, pede deferimento.

                         São Paulo, 21 de outubro de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 109.375/2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face Lei nº 650, de 29 de dezembro de 2014, do Município de Igarapava junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.      Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 21 de outubro de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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