Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 111.511/2015
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Art. 2, da Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015, do
Município de Ibaté. Subsídio de Vereadores. Revisão anual. Vinculação ao
reajuste do funcionalismo público. 1. Inexistência do direito à revisão geral anual
da remuneração dos agentes políticos municipais porquanto exclusivamente conferido
aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. 2. Inadmissibilidade da vinculação
dessa revisão à promovida em favor dos servidores públicos municipais, pela
adoção de identidade de datas e índices. 3.
Arts. 111, 115, XI e XV, e 144, CE; arts. 29, VI, e 37, X e XIII, CF.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do art. 2º, da Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015, do Município de
Ibaté, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DO
Ato Normativo Impugnado
O presente expediente, no qual foi apurada a inconstitucionalidade do art. 2º, da Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015, do Município de Ibaté, foi iniciado por representação endereçada à Procuradoria-Geral de Justiça.
O dispositivo impugnado trata do subsídio dos Vereadores do Município de Ibaté.
O art. 2º, da Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015, do Município de Ibaté tem a seguinte redação (fls. 177):
“(...)
Art. 2º - Os subsídios dos vereadores
serão reajustados na mesma data e no mesmo índice em que for procedida a
revisão geral anual da remuneração dos servidores, iniciando-se no ano de 2018,
respeitado os limites do artigo 29, VI da Constituição Federal.
(...)”
II – DO
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
O
art. 2º, da Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015, do Município de Ibaté,
contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18,
29 e 31 da Constituição Federal.
Com
efeito, o dispositivo ora impugnado é incompatível com os seguintes preceitos
da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144,
e que assim estabelecem:
“Artigo 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115. Para a organização da administração pública direta e indireta,
inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do
Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
XI
– a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção
de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na
mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;
(...)
XV
– é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias
para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o
disposto na Constituição Federal;
(...)
Artigo 144 – Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
Como é cediço, os artigos 111 e 115, X e XV, da Constituição Estadual, reproduzem o artigo 37, caput, e seus incisos X e XIII, da Constituição Federal.
De
outra parte, cumpre observar que o art. 144 da
Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além
das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é
definido como “norma estadual de caráter remissivo, à medida que, para a
disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições
constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao
credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por
esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe
06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe
26-10-2010).
Disso decorre a possibilidade de contraste de lei
ou ato normativo local com o art. 144 da Constituição Estadual por sua remissão
à Constituição Federal e a seu art. 29, VI, que assim dispõe:
“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
Vereadores são agentes políticos do Município e não servidores públicos, já que têm o status de agentes não profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política por eleição.
Bem por isso, o art. 2º, da Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015, do Município de Ibaté, padece de inconstitucionalidade, pois contrasta com o art. 115, XV, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, XIII, da Constituição Federal.
O ordenamento constitucional proíbe a vinculação dos subsídios dos agentes políticos municipais ao dos servidores públicos municipais para fins de revisão geral anual.
A esse respeito, bem explicava Pontes de Miranda que a vinculação proibida é “no sentido de ligação, que torne dependente ou sujeite às regras jurídicas que se editem sobre outro cargo” (Comentários à Constituição de 1967, São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo III, 1967, p. 461), opinião perfilhada pela doutrina de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins no ordenamento jurídico vigente, ao enunciarem que a “vinculação é a subordinação de um cargo a outro ou a qualquer outro fator que funcione como índice de reajuste automático, como o salário mínimo ou a arrecadação tributária para fins de remuneração” (Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1992, vol. III, tomo III, p. 199), bem como por Hely Lopes Meirelles ao assentar que “vincular não significa remuneração igual, mas atrelada a outra, de sorte que a alteração da remuneração do cargo vinculante provoca, automaticamente, a alteração da prevista para o cargo vinculado” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 30ª ed., 2005, p. 410).
Nesse
sentido, a doutrina observa que “as manifestações da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal sempre indicaram a impossibilidade de vinculação entre
carreiras diversas, interditando que os estipêndios de uma determinada
categoria correspondessem a um percentual de outro e, conseqüentemente, que o
aumento concedido a uma fosse estendido à outra, impedindo ‘majorações de
vencimentos em cadeia’. Assim, por exemplo, a vinculação, prevista em lei
estadual, da alteração dos subsídios do Governador, do
Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de fixação dos
vencimentos dos servidores públicos em geral ofende o inciso XIII do art. 37. O
que não se coaduna com a noção proibitiva do art. 37, XIII, é uma vinculação
positiva, diferentemente da inserção de um limite, tornando o vencimento ou
subsídio de uma carreira dependente de outra” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São
Paulo: Saraiva, 2009, pp. 133-136).
O atrelamento da revisão dos
subsídios dos Vereadores Municipais à revisão dos vencimentos dos servidores
públicos municipais fere a Constituição, pois a alteração dos valores devidos a
estes implica a automática modificação dos subsídios dos agentes políticos,
desconsiderando a diversidade do regime
jurídico da remuneração dos agentes políticos municipais detentores de mandato
eletivo.
Fértil
é a jurisprudência ao censurar a vinculação do reajuste ou revisão dos
subsídios de agentes políticos municipais a dos servidores públicos municipais:
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 3.491-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 27-09-2006, v.u., DJ 23-03-2007, p. 71, RTJ 201/530).
“Ação direta de inconstitucionalidade - sustentada
inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº
11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original e na que foi dada pelo
artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de maio de 2008, do Município de
Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários
e Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá
outras providências’, e ‘Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o
parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei n° 11.600, de 09/04/08’, respectivamente -
vedada é a vinculação do reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do
Vice, e de seus auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo
público municipal - é vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em
percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a
vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à revisão geral anual do
funcionalismo público municipal ou à alteração dos subsídios dos Deputados
Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante a legislatura, por
força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada ‘regra da legislatura’ aos
parlamentares municipais - vedada é a instituição de décimo terceiro subsídio a
quem tem vínculo não profissional com a Administração Pública - é vedada a
expansão do subsídio como parcela única concebido, para abranger valores
excedentes à remuneração do mandato parlamentar estadual (ajuda de custo,
jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º, 111, 115, XI, XII e
XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente, assentando-se, ademais, a
fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem
remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou
na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os
limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal” (TJSP,
ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).
“O Colendo Supremo Tribunal Federal já assentou ser inconstitucional
dispositivo de lei estadual vinculando a alteração do subsídio do Governador,
do Vice-Governador e dos Secretários de Estado ao reajuste dos vencimentos dos
servidores públicos. (...)
‘Mutatis mutantis’ a situação é a mesma em se tratando de lei
municipal que vincula a alteração do subsídio de vereador ao reajuste do
funcionário público municipal. Evidente a inconstitucionalidade de dispositivo
que prevê tal vinculação para o reajuste dos vereadores, porquanto também nessa
hipótese ocorre violação à ‘regra da legislatura’, estatuída no artigo 29, VI,
da Constituição da República. É o caso dos autos, em que a edição de lei
atrelando a revisão do subsídio dos vereadores ao reajuste dos servidores
municipais, ensejou alteração daquele na mesma legislatura, pelos próprios
parlamentares, que assim acabaram por legislar em causa própria, em clara e
inequívoca transgressão ao princípio da moralidade administrativa, que a
Constituição Federal consagra (artigo 37) e protege (art. 5º, LXXIII).
Em suma, como bem anotou o parecer da douta Procuradoria-Geral de
Justiça, ‘Sendo que a remuneração deve ser fixada em cada legislatura para a
subsequente, não é tolerável a 'revisão anual dos subsídios',’ mesmo porque
‘Não faria sentido que, de um lado, a Carta Magna condicionasse a fixação dos
subsídios dos Vereadores a legislatura e, de outro lado, mantivesse para os
parlamentares, sem mais, a aplicação da regra geral do art. 37, X’ (fl. 501).
Por derradeiro, é oportuna trazer à baila vetusta decisão da Suprema
Corte, da lavra do Ministro Mário Guimarães, ao julgar o RE nº 25.793/SP, em 1º
de agosto de 1955, quando se decidiu que ‘Não podem as Câmaras Municipais
alterar durante o período do mandato, o subsídio de seus vereadores (...),
colhendo-se desse venerando acórdão citação sobre a matéria, que nos dias
atuais tem inteira aplicabilidade e está assim redigida: ‘João Barbalho,
comentando o art. 46, da Constituição de 91, achava que deveria a fixação do
subsidio ser antes da eleição, de modo que se não soubesse quem queria o
beneficiado - cautela que hoje consta da Constituição de 46, e terminava suas
considerações com a citação destas palavras de Aristóteles, sempre oportuna
entre nós - 'Combinai de tal forma vossas leis e vossas instituições, que os
empregos não possam ser objeto de um cálculo interessado’ (V. Comentários à
Constituição Federal Brasileira, pg. 235)’ (...)” (TJSP, II 161.056-0/0-00,
Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, 13-08-2008, v.u.).
Aliás, releva notar que a Constituição Estadual não autoriza sequer a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos, pois esse direito – tal e qual previsto na Constituição Federal (art. 37, X) – é restrito e exclusivo dos servidores públicos (art. 115, XI), havendo também violação aos princípios da legalidade e moralidade (art. 111, Constituição Estadual).
Não têm os agentes políticos não profissionais as
garantias da revisão geral anual, como se infere do art. 115, XI, da
Constituição Estadual, já que esse direito subjetivo é exclusivo dos servidores
públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da
República, como magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de
Contas, em virtude do caráter profissional de seu vínculo à função pública.
III – Pedido
Posto isso,
requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final,
seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, da
Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015, do Município de Ibaté.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal
de Ibaté, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se
manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 5 de novembro de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb/mi
Protocolado n. 111.511/2015
1. Distribua-se a petição inicial da
ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 2º, da Lei nº 2.905, de 02 de outubro de 2015,
do Município de Ibaté.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 24 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb/mi