Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado n. 089.318/15

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 6º, incisos I, II, III e IV, art. 9º, art. 13 e art. 15, todos da Resolução n. 60, de 02 de junho de 2014, da Câmara Municipal de Natividade da Serra. Fixação de remuneração. Reserva Legal.  1. Inconstitucional a fixação de remuneração por meio de resolução, exigência de lei pelas Constituições Estadual e Federal. 2. Inobservância dos arts. 20, III e 111 da Constituição do Estado São Paulo, correlatos aos arts. 51, IV, e 37, “caput” e inc. X, da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.  

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 6º, incisos I, II, III e IV, art. 9º, art. 13 e art. 15, todos da Resolução nº 60, de 02 de junho de 2014, do Município de Natividade da Serra, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – O Ato Normativo Impugnado

 

           A Resolução n. 60, de 02 de junho de 2014, da Câmara Municipal de Natividade da Serra, na parte ora impugnada, assim dispõe (fls. 47/55):

“(...)

DOS VENCIMENTOS E SALÁRIOS

Art. 6º - Os cargos e empregos públicos que fazem parte integrante desta Resolução serão distribuídos em escalas representadas da seguinte forma:

I – Os empregos de caráter permanentes e em comissão serão representados por números, “referência” e precedidos da letra, “grau”, onde a referência indicará a ordem crescente do grau de responsabilidade e a evolução funcional do servidor e o grau, a promoção por merecimento.

II – Os padrões serão estabelecidos por índices a partir do piso salarial do Município.

III – A admissão do servidor far-se-á sempre no padrão inicial estabelecido para o emprego ou cargo público.

IV – A promoção por merecimento far-se-á automaticamente a cada dois anos, obedecendo aos critérios das letras, assegurando direito os servidores efetivos.

(....)

Art. 9º - Aos servidores da Câmara Municipal será concedido um adicional por tempo de serviço, estabelecida em 2% (dois por cento) sobre seus vencimentos base a cada dois anos de efetivos serviços prestados a Câmara Municipal, revogando o artigo 31 até o artigo 32 da Resolução 28 de 22 de junho de 2006.

(...)

Art. 13 – Somente poderão concorrer ao acesso os servidores que:

I – preencherem as condições de habilitação e demais requisitos do novo emprego;

II – possuírem o interstício de um ano de exercício no emprego.

(...)

Art. 15 – O piso salarial (1ª do anexo II) para efeitos desta Resolução será de um salário mínimo atual no valor de R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais) por ser o menor padrão de vencimento.

(...)”

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

           Os dispositivos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

           Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

  As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Art. 20 - Compete exclusivamente à Assembleia Legislativa:

(...)

III - dispor sobre a organização de sua Secretaria, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

  A Resolução n. 60, de 02 de junho de 2014, da Câmara Municipal de Natividade da Serra, que, conforme a respectiva rubrica, “Dispõe sobre alteração da organização do quadro de pessoal e da evolução funcional, bem como aprova os valores das tabelas de vencimentos e salários dos servidores da Câmara Municipal de Natividade da Serra e cria cargos ou empregos de provimento permanentes”, contém dispositivos que padecem de inconstitucionalidade procedimental.

Todos os seus preceitos que respeitam à remuneração de seus servidores são formalmente inconstitucionais, pois contrariam o inc. III do art. 20 da Constituição Estadual (convergente aos arts. 51, IV, e 37, X, da CF), que exige lei de iniciativa da própria Casa para a fixação da remuneração de seus servidores.

Pelo inciso X do art. 37 da CF, alterado pela EC n. 19/98, “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso (...).” Enquanto o inc. III do art. 20 da Carta Paulista afirma ser de competência exclusiva da Assembleia Legislativa, neste caso, por correspondência, da Câmara Municipal, a iniciativa de lei para a fixação da remuneração.

O princípio da reserva legal, exigência de lei em sentido estrito, é consectário da tripartição dos Poderes, imanente ao próprio Estado Democrático de Direito.

A resolução, ato normativo primário, disporá sobre a regulação de determinadas matérias relativas ao Legislativo, desde que não incluídas, pela Constituição, no campo de incidência das leis ou dos decretos legislativos. Assim, não é ato normativo apropriado a fixar remuneração ou instituir vantagens, já que tais matérias devem ser reguladas por lei (CF, arts. 37, X, e 51, IV; CE, art, 20, III, e 128).

Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Resoluções da Câmara Legislativa do Distrito Federal que dispõem sobre o reajuste da remuneração de seus servidores. Reserva de lei.

I.      (...)

II.    Remuneração dos servidores públicos. Princípio da reserva de lei. A Emenda Constitucional 19/98, com a alteração feita no art. 37, X, da Constituição, instituiu a reserva legal para a fixação da remuneração dos servidores públicos. Exige-se, portanto, lei formal e específica. A Casa Legislativa fica apenas com a iniciativa de lei. Precedentes: ADI-MC 3.369/DF, Relator Min. Carlos Velloso, DJ 02.02.05; ADI-MC 2.075, Relator min. Celso de Mello, DJ 27.06.2003. As Resoluções da Câmara Distrital não constituem lei em sentido formal, de modo que vão de encontro ao disposto no texto constitucional, padecendo, pois, de patente inconstitucionalidade, por violação aos artigos 37, X; 51, IV; e 52, XIII, da Constituição Federal.

III.   Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3.306/DF, Relator Min. Gilmar Mendes, j. 17.03.2011).

A propósito, frisa-se que são inconstitucionais “todas” as disposições relativas à remuneração, ou seja, também as que aludem ao salário e às vantagens pecuniárias, uma vez que aquela engloba as demais formas de contraprestação pecuniária, cuja fixação deve, igualmente, respeitar a reserva legal, corolário do princípio da legalidade.

Eis, então, argumento consistente para o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos pertinentes à remuneração de servidores da Câmara Municipal de Natividade da Serra, contidos na Resolução n. 60/2014.

Inconstitucionais, portanto, as previsões que fixam a remuneração dos servidores, notadamente as relativas à criação de vantagens pecuniárias indevidas, por contrariedade ao art. 111, já que violam o princípio da legalidade, e ao arts. 20, III, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta, no que diz respeito aos parâmetros estaduais de controle.

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos dispositivos apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo e da Constituição Federal é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos normativos questionados subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas (e imposição de obrigações à Municipalidade) que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos certamente não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 6º, incisos I, II, III e IV, art. 9º, art. 13 e art. 15, todos da Resolução nº 60, de 02 de junho de 2014, do Município de Natividade da Serra.

 

IV – Pedido

Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 6º, incisos I, II, III e IV, art. 9º, art. 13 e art. 15, todos da Resolução nº 60, de 02 de junho de 2014, do Município de Natividade da Serra.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Natividade da Serra, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 19 de outubro de 2015.

 

  Márcio Fernando Elias Rosa

                             Procurador-Geral de Justiça

iccb/mi

 

Protocolado nº 089.318/15

Interessado: Dr. Pedro de Jesus Juliotti – Conselho Superior do Ministério Público

 

 

 

 

 

 

 

1)      Relatório.

Trata-se de expediente instaurado por provocação do ilustre Rel. do Conselho Superior do Ministério Público para análise da inconstitucionalidade das Resoluções nº 13/98 e 60/14.

Alega o representante, que os atos normativos impugnados acima padecem de inconstitucionalidade no que tange aos dispositivos que tratam da fixação de remuneração e existência de cargos de provimento em comissão com atribuições de caráter técnico ou burocrático.

Instado, o Prefeito Municipal informou que as Resoluções de nº 13/98 e 60/14 são objeto da ação direta de inconstitucionalidade de nº 2007948-37.2015.8.26.0000 (fls. 34).

Por sua vez, a Câmara Municipal de Natividade da Serra sustentou que não há vício de inconstitucionalidade nas Resoluções de nº 13/98 e 60/14, visto que numa audiência com o representante do Ministério Público ficou estabelecido prazo de 06 meses para que se extinguisse os cargos comissionados, bem como preparação e realização de concurso público, a fim de substituir os cargos em comissão de Assessor Jurídico, Assessor Técnico e Assessor Legislativo (fls. 36/37).

2)           Fundamentação.

O parecer é no sentido do arquivamento parcial deste procedimento e de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 6º, incisos I, II, III e IV, art. 9º, art. 13 e art. 15, todos da Resolução nº 60, de 02 de junho de 2014, do Município de Natividade da Serra.

No tocante à Resolução de nº 13/98, a mesma encontra-se revogada, conforme informação contida na certidão de vigência inserta às fls. 57.

           A rigor, diante da revogação do diploma impugnado, é desnecessária qualquer discussão a respeito da possibilidade ou não de configuração de sua inconstitucionalidade.

           Em sede de controle concentrado de constitucionalidade dos atos normativos, já se pacificou o entendimento, na doutrina e na jurisprudência (em especial do E. STF), no sentido de que se o diploma não está mais em vigor, não há interesse de agir para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Ademais, como corolário de tal raciocínio, afasta-se o interesse processual para o exame do mérito da ação que já tenha sido proposta. Esse mesmo entendimento deve ser aplicado às leis transitórias, cujos efeitos já se tenham esgotado quando de sua apreciação.

           Nesse sentido, ensina OSWALDO LUIZ PALU que “(...) atualmente, a posição do STF em caso de ato normativo revogado após a propositura da ação direta é a de estar a ação direta prejudicada por falta de objeto; os eventuais efeitos residuais havidos devem ser questionados na via concreta, não na abstrata” (Controle de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 219).

           Também LUÍS ROBERTO BARROSO assim se posiciona, afirmando que “a revogação ou o exaurimento dos efeitos da lei impugnada fazem com que a ação perca seu objeto ou, mais tecnicamente, levam à perda superveniente do interesse processual, haja vista que a medida deixou de ser útil e necessária. Eventuais direitos subjetivos que tenham sido afetados pela lei inconstitucional deverão ser demandados em ação própria” (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2004, p.137/138).

           Necessário ponderar, entretanto, que a inviabilidade do ajuizamento de ação direta não impedirá o controle difuso, na medida em que a conclusão deste protocolado não assenta juízo de valor a respeito da legitimidade ou ilegitimidade constitucional da Resolução 13/98 de Natividade da Serra.

No tocante aos cargos de provimento em comissão, insertos na Resolução de nº 60/2014, verifica-se que de fato, tramita perante o Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Justiça de São Paulo, a ação direta de inconstitucionalidade noticiada pelo Prefeito Municipal.

Diante da existência dessa ação, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça, na qual se impugna, o mesmo objeto desta representação, a solução para o presente expediente só pode ser o arquivamento, sob pena de se incidir em bis in idem.

Inclusive o colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou a ação procedente em venerando acórdão que se encontra assim ementado:

“DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Resolução nº 60 de Natividade da Serra. Instituição de cargos de provimento em comissão de “Assessor Técnico” e “Assessor Jurídico”. Ocupações que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção. Funções meramente técnicas, destinadas a concurso público. Inconstitucionalidade configurada. Violação de dispositivos da Constituição Estadual. Ação procedente, para o fim de declarar a inconstitucionalidade da norma impugnada. Modulação de efeitos pelo prazo de 180 dias, a partir da publicação do Acórdão”. (ADIN nº 2007948-37.2015.8.26.0000, Rel. Des. Péricles Piza, julgado em 27 de maio de 2015).

3) Conclusão

Posto isso, promovo o arquivamento parcial deste expediente no tocante à Resolução de nº 13/98, bem como dos cargos de provimento em comissão insertos na Resolução de nº 60/2014 e de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 6º, incisos I, II, III e IV, art. 9º, art. 13 e art. 15, todos da Resolução nº 60, de 02 de junho de 2014, do Município de Natividade da Serra.

Ciência ao douto Rel. do Conselho Superior do Ministério Público interessado, remetendo-lhe cópia da petição inicial e do arquivamento parcial.

                   São Paulo, 19 de outubro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

                             Procurador-Geral de Justiça

iccb/mi