EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 074.991/15

 

Ementa:

 

1)        Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do Município de Campinas, que “dispõe sobre a concessão de alvará de uso em edificações existentes em áreas do Município de Campinas zoneadas pela Lei nº 6.031/88 em Z1, Z2, Z3, Z5, Z6 e Z7”.

2)        Abuso do poder de emendar. Emendas aditivas e modificativas de caráter casuístico que comprometem a estrutura orgânica do zoneamento e descaracterizam o projeto de lei original que alterou a destinação do uso do solo, matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Violação do princípio da separação de poderes, (arts. 5º e 47, II, XI e XIV, da Constituição do Estado).

3)        Ausência de participação popular e de planejamento técnico na produção da lei que altera o ordenamento do uso e ocupação do solo. Violação dos arts. 180, I, II e V, 181 e 191, da Constituição Estadual.

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do Município de Campinas, que “dispõe sobre a concessão de alvará de uso em edificações existentes em áreas do Município de Campinas zoneadas pela Lei nº 6.031/88 em Z1, Z2, Z3, Z5, Z6 e Z7”, pelos seguintes fundamentos:

 

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação apresentada pelo DD. 9º Promotor de Justiça de Campinas, Dr. Valcir Paulo Kobori (fls. 02/309).

O diploma normativo impugnado “dispõe sobre a concessão de alvará de uso em edificações existentes em áreas do Município de Campinas zoneadas pela Lei nº 6.031/88 em Z1, Z2, Z3, Z5, Z6 e Z7”.

A lei possibilitou que edificações situadas em zonas estritamente residenciais fossem destinadas a usos comerciais, de serviços, institucionais ou industriais, em extensas áreas do Município de Campinas.

Ressalta-se que, dos documentos que instruíram a representação, constata-se que a lei entrou em vigor - alterando o zoneamento, uso e ocupação do solo - sem que houvesse estudo técnico prévio capaz de analisar a viabilidade da medida e de seus efeitos, tampouco houve a efetiva participação comunitária, os quais deveriam ter sido observados.

A análise do processo legislativo, conforme informações prestadas pela Câmara Municipal de Campinas, denota, ainda, que foram apresentadas diversas emendas ao projeto inicial pelos vereadores, consubstanciadas, em linhas gerais, na inclusão de outras vias públicas nas novas regras de zoneamento, uso e ocupação do solo.

O referido projeto e a maior parte de suas emendas foram aprovados pelos componentes da Câmara Municipal, com parecer favorável da Comissão de Constituição e Legalidade, com posterior sanção e promulgação pelo Prefeito Municipal.

O Projeto de Lei Complementar nº 29/2013, de Campinas, foi alterado com as seguintes emendas:

Conforme manifestação da Câmara Municipal de Campinas de fls. 317/321, com exceção das duas primeiras emendas acima transcritas (fls. 361/365), o Projeto de Lei Complementar nº 29/2013, de Campinas, foi aprovado, com todas as demais emendas propostas, sem discussão, participação popular, estudos técnicos e justificativas plausíveis, convertendo-se na Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do referido Município.

Em que pese tenha ocorrido Audiência Pública para discutir o Projeto de Lei Complementar em exame (fls. 633/646), esta foi realizada previamente à propositura da maior parte das emendas acatadas, inexistindo ainda submissão ao crivo de Conselho Municipal ou qualquer outra forma de aceitação comunitária, daí porque não há que se falar em efetiva participação popular no respectivo processo legislativo.

E, repita-se, pelos documentos que instruíram a representação, tanto o projeto original quanto todas as emendas oferecidas não fundamentaram-se em estudos e em planejamento técnico suficientes a corroborar a importante alteração legislativa.

De tal forma, a Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do Município de Campinas, fruto de projeto de lei de autoria do Chefe do Poder Executivo, foi editada com a seguinte redação:

LEI COMPLEMENTAR Nº 62, DE 20 DE JANEIRO DE 2014

        

DISPÕE SOBRE A CONCESSÃO DE ALVARÁ DE USO EM EDIFICAÇÕES EXISTENTES EM ÁREAS DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS ZONEADAS PELA LEI Nº 6.031/88 EM Z1, Z2, Z3, Z5, Z6 E Z7.

 

A Câmara Municipal aprovou e eu, Prefeito Municipal de Campinas, sanciono e promulgo a seguinte Lei Complementar:

Art. 1º - As edificações aprovadas e com solicitação Certificado de Conclusão de Obra (C.C.O.) protocolados até 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, situadas em áreas do Município de Campinas zoneadas como Z1, Z2, Z3, Z5, Z6 e Z7, além dos usos permitidos pela Lei nº 6.031 , de 28 de dezembro de 1988, poderão ser destinadas, parcial ou totalmente, a outros usos comerciais, de serviços, institucionais e industriais, desde que observadas as condições estabelecidas por esta Lei Complementar.

Parágrafo únicoAs edificações a serem utilizadas para as atividades permitidas por esta Lei Complementar deverão adaptar suas instalações para se compatibilizarem com as condições de funcionamento do uso pretendido, quando necessário.

Art. 2º - O alvará de uso será concedido, nos termos desta Lei Complementar, às atividades de caráter local, de pequeno porte e consideradas não incômodas, observadas as disposições da Lei nº 11.749, de 13 de novembro de 2003.

§ 1º Não será concedido alvará de uso, nos termos desta Lei Complementar, a atividades consideradas incômodas.

§ 2º Para os efeitos desta Lei Complementar consideram-se como usos incômodos as atividades comerciais, de prestação de serviços, institucionais e industriais, capazes de produzir conflitos com a vizinhança pelo tipo de impacto negativo que geram, tais como os decorrentes de ruídos, trepidações, explosões, gases, poeiras, fumaças, odores, conturbações no tráfego, resíduos nocivos ou perigosos e outros similares.

§ 3º O interessado na obtenção do alvará de uso, nos termos desta Lei Complementar, deverá apresentar uma declaração de não incomodidade.

§ 4º A concessão de alvará de que trata esta lei não será concedida a edificações localizadas no interior de condomínios fechados, bem como em loteamentos habitacionais fechados por decreto.

Art. 3º - A concessão do alvará de uso de que trata o art. 1º desta Lei Complementar poderá ocorrer nas seguintes condições:

- quando a atividade for exercida pelo interessado, no próprio imóvel de residência, desde que:

a) a edificação e as construções acessórias a serem utilizadas para a moradia e o exercício da atividade tenham área igual ou inferior a 1.000,00 m² (hum mil metros quadrados).

b) as atividades a serem exercidas enquadrem-se nas seguintes categorias:

1. CL1, CL2;

2. SP1, SP2;

3. SL1, SL2, SL3.

IIquando a atividade for exercida em imóvel, independente da vinculação com a moradia, desde que:

a) a edificação e as construções acessórias a serem utilizadas para o exercício da atividade tenham área igual ou inferior a 1.000,00 m² (hum mil metros quadrados);

b) as atividades a serem exercidas enquadrem-se nas seguintes categorias:

1. CL1, CL2;

2. CG1;

3. SP1, SP2;

4. SL1, SL2, SL3;

5. SG1, SG2, SG5, SG6, SG8 - somente para guarda de veículos, estacionamentos; e

6. EL.

§ 1º Nas condições previstas no inciso I deste artigo será dispensada a exigência da Lei de Polos Geradores de Tráfego - Lei nº 8.232/94, no que se refere às áreas de estacionamento.

§ 2º Nas condições previstas no inciso II deste artigo será exigida área de estacionamento, de acordo com a legislação de Polos Geradores de Tráfego - Lei nº 8.232/94.

Art. 4º - A concessão de alvará de uso para as indústrias domésticas poderá ocorrer desde que:

a) a edificação e as construções acessórias a serem utilizadas para a moradia e o exercício da atividade tenham área igual ou inferior a 500,00 m² (quinhentos metros quadrados);

b) a edificação e as construções acessórias a serem utilizadas para o exercício da atividade tenham área igual ou inferior a 250,00 m² (duzentos e cinquentas metros quadrados);

c) a edificação não se localize em condomínios habitacionais.

Art. 5º - Consideram-se como domésticas as indústrias de pequeno porte, classificadas como microempresas e/ou pequenas empresas, e cujos responsáveis exerçam as atividades referentes na própria residência e suas edificações acessórias.

Parágrafo únicoA indústria doméstica a ser admitida em áreas residenciais deverá apresentar ausência ou quantidade desprezível de poluentes do ar, da água e do solo, e não poderá causar incomodidade, conforme definido no Artigo 3º desta Lei Complementar.

Art. 6º - A autorização de que trata o Artigo 1º desta Lei Complementar não se aplica às áreas citadas na alínea "d" do inciso III do artigo 27 da Lei nº 6.031/88, excetuando-se as seguintes áreas:

I - Jardim Guanabara;

II - Jardim Santa Genebra (parte I);

III - Jardim Planalto;

IV - Nova Campinas;

V - Lotes confrontantes com as seguintes vias públicas:

a) Av. Moraes Sales;

b) Av. Jesuíno Marcondes Machado;

c) Av. Mons. Jerônimo Baggio;

d) Av. José Bonifácio;

e) Rua Castro Alves;

f) Rua Eng. Carlos Stevenson;

g) Av. Heitor Penteado (contorno da Lagoa);

h) Rua Hermas Braga;

i) Rua Açaí;

j) Av. Almeida Garret;

k) A. Machado de Assis;

l) Rua José Ferreira de Camargo;

m) Rua Rafael Andrade Duarte;

n) Rua Arthur Bernardes;

o) Rua Gustavo Ambrust;

p) Rua Barbosa da Cunha.

VI - Jd. Flamboyant;

VII - Vias consideradas arteriais pela Lei nº 8.232/94.

VIII - Rua Rafhael Sarubbi - Jardim Miriam;

IX - Rua Dr. Lauro de Souza Lima - Jardim Alto Ipaussurama;

X - Rua Sérgio Guimarães Fabiano - Satélite Íris II;

XI - Rua Buritizal - Parque São Paulo;

XII - Rua Barra do Turvo - Parque São Paulo;

XIII - Rua Pacaembu - Parque São Paulo;

XIV - Rua Três - Parque São Paulo.

Parágrafo ÚnicoAs vias citadas nas alíneas "b", "d", "e", "f", "g", "h", "i" e "j" do inciso V deste artigo terão seus usos limitados:

a) na Av. Jesuíno Marcondes Machado e na Rua Eng. Carlos Stevenson serão permitidos apenas os usos:

1. SP1, SP2;

2. SL1, SL2;

3. CG1;

4. CL1 e CL2;

5. SG1, SG5 e SG8 - somente para guarda de veículos, estacionamentos.

b) na Rua Hermas Braga e na Rua Açaí serão permitidos apenas os usos:

1. SP1, SP2;

2. SL1, SL2;

3. SG1, SG5 e SG8 - somente para guarda de veículos, estacionamentos.

c) na Av. José Bonifácio serão permitidos apenas os usos:

1. SP1, SP2;

2. SL1, SL2;

3. CG1;

4. CL1 e CL2;

5. SG1, SG4- exclusivamente para "Buffet", SG5 e SG8 - somente para guarda de veículos, estacionamentos.

d) na Av. Heitor Penteado, na Rua Castro Alves, na Rua Vital Brasil, e na Rua Almeida Garret os lotes voltados para as citadas vias públicas, inclusive aqueles pertencentes à Zona 4, serão permitidos apenas os usos:

1. SP1, SP2;

2. SL1, SL2;

3. SG1, SG5 e SG8 - somente para guarda de veículos, estacionamentos.

e) nas áreas previstas nos incisos III e IV deste artigo serão permitidos apenas os usos:

1. SP1, SP2;

2. SG1 e SG8- somente para guarda de veículos, estacionamentos.

Art. 7º - A autorização de que trata o artigo 1º desta Lei Complementar poderá ocorrer também nos seguintes corredores:

I - Rua Quitanda;

II - Av. Ralpho Leite de Barros;

III - Av.Baden Powell;

IV - Av. José Pancetti;

V - Av. Washington Luiz;

VI - Av. Santa Genebra;

VII - Av. Engº Augusto Figueiredo;

VIII - Av. Antonio Carlos Sales Jr.;

IX - Av. Ralpho Leite de Barros;

X - Rua Nicarágua;

XI - Av. Marechal Rondon;

XII - Av. Santo Antonio Claret e Av. Circular;

XIII - Av. Andrade Neves;

XIV - Av. Brasil;

XV - Av. Jorge Tibiriçá;

XVI - Rua Fernão Pompeu de Camargo;

XVII - Rua da Abolição;

XVIII - Av. Alberto Medaljon;

XIX - Av. Carlos Lacerda;

XX - Rua Alberto Bosco;

XXI- Av. Papa João Paulo II;

XXII - Rua Dom Aloísio Lorscheider;

XXIII - Rua Dom Augusto Álvares da Silva;

XXIV - Rua Barreto Leme;

XXV - Rua Vital Brasil;

XXVI - Rua Aglair Buratto Villas Boas;

XXVII - Av. Martinho Lutero e Av. Mário Trevensolli;

XXVIII - Rua João Caboclo da Silva e Av. Deputado Luis Eduardo Magalhães;

XXIX - Rua Carmem de Ângelis Nicoletti e Av. Emily Cristiene Giovanini;

XXX - Av. Comendador Emilio Pieri;

XXXI - Rua Araguaçú;

XXXII - Av. Ester Moretzshon de Camargo;

XXXIII - Av. Lafayte de Arruda Camargo;

XXXIV - Av. Diogo Alvarez;

XXXV - Rua Santa Cruz;

XXXVI - Rua Afonso Legaz Garcia;

XXXVII - Rua Jair Jorge Bosco;

XXXVIII - Rua Edmundo Panúncio;

XXXIX - Rua Ângela de Palma Guartieri;

XL - Rua João Coelho;

XLI - Rua Paulo Fabiano Sales;

XLII - Rua Regina Franciscato Rosolen;

XLIII - Rua Adão Gonçalves;

XLIV - Rua Amantino de Freitas;

XLV - Rua Jurandir Ferraz de Campos;

XLVI - Rua Papa São Lino;

XLVII - Rua Papa Santo Evaristo;

XLVIII - Rua Papa Santo Alexandre;

XLIX - Rua Papa Leão V;

L - Rua Papa Aniceto;

LI - Rua Dom Gilberto Pereira Lopes;

LII - Rua São Mateus;

LIII - Rua Papa São Dionisio;

LIV - Rua Dom Joaquim Arco Verde;

LV - Rua Dom Antonio Maria Alves Siqueira;

LVI - Rua Papa São Lúcio;

LVII - Rua Santa Edwiges;

LVIII - Rua Papa São Júlio;

LIX - Rua Papa Damaso;

LX - Rua Papa São Marcos;

LXI - Rua Dom Avelar Vilela;

LXII - Rua Dom Carlos Chiarlo;

LXIII - Rua Humberto Mazzoni;

LXIV - Rua São Matias;

LXV - Rua São Bartolomeu;

LXVI - Rua Papa Santo Hormidas;

LXVII - Rua Santa Brigida;

LXVIII - Rua Papa São Teodoro I;

LXIX - Rua São Cirilo;

LXX - Rua Papa São Nicolau;

LXXI - Rua Papa São Zacarias;

LXXII - Rua Nossa Senhora Auxiliadora;

LXXIII - Rua Nossa Senhora Aparecida;

LXXIV - Rua Nossa Senhora das Dores;

LXXV - Rua Papa São Marino;

LXXVI - Rua Papa Santo Eugênio I;

LXXVII - Rua Papa São Gregório;

LXXVIII - Rua Santa Agueda;

LXXIX - Rua Papa São Lourenço;

LXXX - Rua Papa Santo Euzébio;

LXXXI - Rua Papa São Fabião;

LXXXII - Rua Dr. Ruberlei Boareto da Silva;

LXXXIII - Rua Prof. Dr. Emilio Coelho;

LXXXIV - Avenida Candido Francisco Xavier;

LXXXV - Avenida Transamazônica;

LXXXVI - Avenida Ibirapuera;

LXXXVII - Rua Ema;

LXXXVIII - Rua José Rosolém;

LXXXIX - Rua Castel Nuovo;

XC - Rua Barata Ribeiro;

XCI - Rua Canário;

XCII - Rua Sales de Oliveira;

XCIII - Rua Carlos de Campos;

XCIV - Rua Tenente Alberto Mendes Junior;

XCV - Rua Sargento Carlos Agremiei Camargo;

XCVI - Rua Filismina Stemmer Cajado;

XCVII - Rua Dom Otávio Chagas de Miranda;

XCVIII - Avenida Emilly Cristine Giovanni;

XCIX - Rua Amabilio Betim;

C - Avenida Engº. Antonio Francisco de Paula;

CI - Avenida Itatiaia;

CII - Avenida das Andorinhas;

CIII - Rua Francisco Duarte Rezende;

CIV - Rua Durval Faria Sobrinho;

CV - Rua Prof. Adriano Boucalt;

CVI - Rua Luiz Chiodetto;

CVII - Rua Benjamin Maluf;

CVIII - Av. Alberto Medaljon;

CIX - Rua Vitor Meirelles;

CX - Av. Edmundo Vignatti;

CXI - Rua Pascoal de Luca;

CXII - Rua Amadeu Mendes;

CXIII - Rua Dr. Lauro de Paula Leite.

§ 1º Para as vias citadas neste artigo poderá ser concedido alvará de uso para as atividades de âmbito geral de pequeno porte.

§ 2º Exclusivamente para os imóveis com frente para a Av. Moraes Sales, Rua Quitanda, Av. Baden Powell e Av. Santa Genebra poderá ser concedido Alvará de Uso para as atividades de caráter local e geral de pequeno e médio porte.

Art. 8º - A concessão do alvará de uso de que trata o art. 7º desta Lei Complementar poderá ocorrer nas seguintes condições:

a) a edificação e as construções acessórias a serem utilizadas para o exercício da atividade tenham área igual ou inferior a 1.000,00 m² (hum mil metros quadrados);

b) as atividades a serem exercidas enquadrem-se nas seguintes categorias:

1. CL1, CL2;

2. CG1; CG-2 - exclusivamente para materiais e artefatos para construção;

3. SP1, SP2;

4. SL1, SL2, SL3; SL-4;

5. SG1, SG2, SG-3, SG-4, SG5, SG6; e SG-7, SG8 e SG9.

6. EL.

Parágrafo únicoAs Avenidas José Pancetti, Baden Powell, Ralpho Leite de Barros, Av. Engº Augusto Figueiredo, Av. Marechal Rondon, Rua Quitanda, Av. Santa Genebra, Av. Carlos Lacerda e Rua Dr. Lauro de Paula Leite poderão também ter atividades que se enquadrem nas categorias CA-1 e SG10.

Art. 9º - Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, em especial as Leis 8.737, de 10 de janeiro de 1996; 10.566, de 29 de junho de 2000, e 11.137, de 18 de janeiro de 2002.” (sic)

Nesses termos, a Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, de Campinas, padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

A Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, de Campinas, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal:

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

(...)
XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

3. DO ABUSO DO DIREITO DE EMENDAR - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.

O processo legislativo do diploma normativo ora impugnado violou o princípio da separação de poderes, previsto nos arts. 5º e 47, II, XI e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

A lei em análise foi responsável por alterar o Plano Diretor do Município de Campinas. Em que pese tenha o Projeto de Lei Complementar nº 29/2013 - que deu origem à Lei Complementar nº 62/2014, de Campinas - sido de iniciativa exclusiva do Poder Executivo, a apresentação de inúmeras emendas aditivas e modificativas do Poder Legislativo acabou por ofender a separação que deve ocorrer no exercício das funções estatais, por ingressar na esfera de competência do Poder Executivo.

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.

 O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa, o ato que deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).

A matéria de que trata a lei em análise – uso do solo urbano – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Prefeito. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois a Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2.014, de Campinas, que “dispõe sobre a concessão de alvará de uso em edificações existentes em áreas do Município de Campinas Zoneadas pela Lei nº 6.031/88 em Z1, Z2, Z3, Z5, Z6 e Z7”, decorreu de projeto de iniciativa do Poder Executivo (fls. 330/335).

Ocorre, porém, que as mencionadas emendas aditivas e modificativas descaracterizaram o projeto de lei apresentado pelo Executivo, sobretudo em relação ao uso das propriedades nas áreas indicadas pela lei objurgada e à ordenação urbanística proposta, criando diversos núcleos e ou corredores comerciais em áreas antes exclusivamente residenciais.

Sabe-se que apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria. Nessa fase, se sobressai o poder de emendar, prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta, pois se encontra limitada às restrições impostas, em numerus clausus, pela Constituição Federal (arts. 63, I e 166, § 3º, I e II).    

Da interpretação das normas que regem o processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação, praticamente e substancialmente, distinta da proposta original.

O ordenamento jurídico brasileiro, como se sabe, dispõe que o governo municipal é de funções divididas. As funções administrativas foram conferidas ao Prefeito, enquanto que as funções legislativas são de competência da Câmara. Administrar significa aplicar a lei ao caso concreto. Assim, no exercício de suas funções, o Prefeito é obrigado a observar as normas gerais e abstratas editadas pela Câmara, em atenção ao princípio da legalidade, a que está pautada toda atuação administrativa, na forma do art. 111 da Carta Paulista.

Vistos esses aspectos, tem-se, no caso em análise, que as modificações implementadas pela Câmara de Vereadores, por meio emendas anteriormente transcritas, realmente desfiguraram o projeto original, rompendo com sua estrutura orgânica concebida.

As normas relativas ao zoneamento podem ser divididas naquelas que definem as zonas de uso com as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e vedados, taxas de ocupação, capacidade de aproveitamento, gabaritos etc; e naquelas que individualizam as zonas e especificam os usos concretamente para cada local, geralmente através do mapa de zoneamento.

O poder de emendar, sobretudo em relação à individualização das zonas na área do município, deve respeitar a estrutura do zoneamento e sua forma sistêmica, consubstanciadas na manifestação concreta do planejamento urbanístico.

As modificações operadas pelas emendas ao Projeto de Lei Complementar nº 29/2013, de Campinas, desprovidas de justificativa técnica, inclusive, acabaram por desvirtuar e desconfigurar o projeto de lei.

Conforme justificativas apresentadas, em linhas gerais, a inclusão de logradouros antes não contemplados na proposta do Poder Executivo teve como objetivos adicionar vias com as mesmas características às previstas e adequar o parâmetro construtivo, de acordo com as reivindicações da população.

Porém, ao assim proceder, a Câmara Municipal acabou por interferir na esfera de competência do Executivo, acarretando tal iniciativa o desequilíbrio no delicado sistema de relacionamento entre os poderes municipais.

Com efeito, é irrecusável a competência da Câmara para emendar projetos de lei de iniciativa privativa do Poder Executivo, mas há alguns limites que devem ser observados e que decorrem basicamente da necessidade de se preservar a convivência pacífica dos poderes políticos, entre os quais a impossibilidade de substituir, viciar ou descaracterizar por completo a estrutura normativa.

Não se trata de vedação fundada em relação de hierarquia e subordinação, mas sim de independência e harmonia, em face do contido no art. 5.º da Constituição do Estado de São Paulo.

Em tema de ordenamento urbanístico, a competência legislativa incumbe ao Poder Executivo. Nessa seara, a Câmara não tem como impor suas preferências, podendo, quando muito, formular indicações e colaborar de forma criteriosa e técnica.

Logo, se a iniciativa da forma como exercida em exame for considerada válida – o que corresponde, na prática, a uma tentativa de restabelecer-se o sistema que vigorava ao tempo das Comunas, ocorrerá uma hipertrofia do Legislativo, que sempre poderá impor suas vontades ao Executivo, por meio de emendas substitutivas e aditivas a leis de iniciativa privativa, criando uma verdadeira relação de subordinação e hierarquia entre os poderes, incompatível com o sistema adotado pela Constituição em vigor, o qual se baseia na independência e harmonia entre os poderes, cuja observância é vital para a preservação do Estado de Direito.

Na ordem constitucional vigente, não existe a mínima possibilidade de a administração municipal ser exercida pela Câmara, por intermédio da edição de leis. Em relação a esse aspecto, aliás, não paira nenhuma controvérsia, uma vez que a atual Constituição é suficientemente clara ao atribuir ao Prefeito a competência privativa para exercer, com o auxílio dos Secretários Municipais, a direção superior da administração municipal (CE, art. 47, inciso II) e a praticar os atos de administração, nos limites de sua competência (CE., art. 47, inciso XIV).

Se a iniciativa de lei referente ao ordenamento urbanístico é privativa do Executivo, os acréscimos e alterações realizados pela Câmara, inclusive sem qualquer respaldo técnico ou planejamento, por descaracterizar a estrutura orgânica concebida na propositura original, violam o princípio da reserva da administração.

Versando o Projeto de Lei sobre matéria urbanística, de iniciativa do Poder Executivo, não cabe ao Poder Legislativo a apresentação de emendas que possam desvirtuar ou modificar a proposta original.

Pelo contrário, a propositura, por membros do Legislativo, de emendas em quantidade e extensão significativas ao projeto de lei do Poder Executivo, responsáveis por alterar matéria atinente à gestão administrativa do Município, viola preceitos contidos na Constituição do Estado de São Paulo (arts. 5°, 25, 47, incs. II e XIV, e 144).

4. DA Violação Ao princípio do planejamento

Não é só. O ato normativo impugnado desrespeitou a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso do solo.

Conforme consta no incluso protocolado (fls. 02/04), a Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano encaminhou ofício ao Prefeito Municipal justificando as alterações constantes do Projeto nº 29/2013, de Campinas, da seguinte maneira:

“Esta lei, ao permitir a criação de núcleos e/ou corredores comerciais em áreas antes exclusivamente residenciais, tem a função de garantir a multiplicidade de usos condizente com o modelo de cidade compacta que almejamos alcançar na revisão da lei de uso e ocupação do solo.

Assim, no que tange ao planejamento urbano, a presente lei servirá para avaliar os locais mais críticos e defasados em relação à lei de uso e ocupação do solo atual, e será utilizada no momento oportuno da revisão mais aprofundada da citada lei, que está em fase inicial.

(...)

Há que se considerar, que como a Lei Municipal nº 6.031/88 está defasada, diversas áreas tiveram sua vocação alterada. É o caso de avenidas e às vezes de bairros inteiros que ao longo dos anos, dada sua proximidade com o centro ou com principais vias de acesso ao município, passaram a ter características comerciais e tem estrutura urbana para tanto”.

Informou o Secretário, a propósito, que o projeto de lei em exame alteraria, de forma pontual, as normas de zoneamento, modificando o texto da Lei de Uso e Ocupação do Solo de Campinas, nº 6.031/88.

Não é difícil concluir que o ato normativo impugnado desrespeitou a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas à instituição de diretrizes urbanas.

Nos termos dos arts. 180, II, e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que o planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada ao desenvolvimento urbano.

E não poderia ser diferente, vez que eventuais alterações nesta temática produzem significativas modificações na geografia e dinâmica urbana, seja em termos de mobilidade, saneamento, questões ambientais entre outras, sendo imperiosa a elaboração de minucioso planejamento técnico destinado a apontar eventuais desdobramentos resultantes da mudança do ordenamento urbano, que por vezes é promovida pelo zoneamento.

Assim sendo, todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo, seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.), deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, justificando a exigência de planejamento e estudos técnicos.

O art. 182, caput, da CF disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê ainda a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento, definido como um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, desprovida, em muitos casos, de elementos vinculados às reais necessidades do território e de sua população, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão de exigência constitucional (arts. 48, IV, 182 da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos e estudos quando se tratar da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas tocantes ao desenvolvimento urbano.

Outrossim, o planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema Joseff Woff consigna que o “plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta”. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28 ,  apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro,  2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo”. (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o do zoneamento, visando regular o uso da propriedade urbana em função das necessidades do território e seus habitantes, a fim de concretizar o interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que a ordenação urbanística seja legítima, portanto, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule, à luz de suas reais necessidades e de critérios objetivos aferidos a partir de estudos técnicos.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos a possível e mais adequada. Por esse motivo é que a delimitação das zonas, sua localização e área com definição dos usos e restrições urbanísticas dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características da cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

Como instrumento legal urbanístico, o zoneamento deve ser estruturado e sistematizado para que possa proporcionar o adequado e sustentável crescimento da cidade, tendo sempre em vista o bem-estar da comunidade.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

No caso em comento, o ato normativo que altera o zoneamento em determinadas áreas do território do Município de Campinas, alterando sensivelmente a destinação do uso do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

José Afonso da Silva ensina, quanto às hipóteses de alteração de zoneamento, que:

“(...) recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma simples liberação inconseqüente ou um agravamento menos pensado podem valorizar demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvalorizam outros, sem propósito. É conveniente que o zoneamento resultante da revisão ou da alteração constitua uma progressão harmônica do zoneamento revisado ou alterado, para não causar impactos, que, por sua vez, geram resistências que dificultam sua implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com firmeza, energia e justiça” (Direito Urbanístico. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 251).

Acerca da importância do planejamento urbanístico, que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, Toshio Mukai discorre que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

A partir da análise da Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do Município de Campinas, e de seu processo legislativo, verifica-se que o diploma objeto da impugnação não está fundado em planejamento urbanístico destinado a atender os efetivos anseios da cidade e a promover a melhoria das condições de vida dos cidadãos, porquanto alterou, sem qualquer lastro técnico, vias que outrora possuíam destinação exclusivamente residencial em setores mistos, promovendo a regularização dos estabelecimento nelas situadas, destinados a atividades comerciais e industriais.

Inclusive, verifica-se que ao mesmo tempo não foram providenciados estudos técnicos abalizados para as alterações promovidas por força das emendas especificadas.

A lei questionada traz inegável e direta interferência no zoneamento e no planejamento urbano do município, comprometendo o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

Deste modo, patente a inconstitucionalidade do ato normativo que, sem qualquer estudo prévio consistente, dispõe sobre a alteração do zoneamento de áreas anteriormente destinadas somente a imóveis residenciais, haja vista sua ofensa frontal ao disposto nos artigos 180, caput e inciso II, e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, e os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e §1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

5. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

 A transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.

A validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõem à atividade e aos bens dos particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, pressupõem participação comunitária em todas as fases de sua produção.

Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem-estar do povo. Cumprem esta premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática, e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.

Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.

O princípio da participação comunitária no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano é uma exigência da Constituição Estadual (arts.180, II, e 191).

O entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento como da participação comunitária na produção de normas de ordenamento urbanístico. Neste sentido, convém transcrever as seguintes ementas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

Imperioso ainda destacar o entendimento inserto na ementa que se segue, no sentido da necessidade da participação popular, também na fase de discussão do projeto de lei, diante de eventuais emendas:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - PROCESSO LEGISLATIVO SUBMETIDO A PARTICIPAÇÃO POPULAR - VOTAÇÃO, CONTUDO, DE PROJETO SUBSTITUTIVO QUE, A DESPEITO DE ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS DO PROJETO INICIAL, NÃO FOI LEVADO AO CONHECIMENTO DOS MUNÍCIPES – VÍCIO INSANÁVEL - inconstitucionalidade declarada. "O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhes expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta" (ADI 994.09.224728-0).

Da leitura do diploma normativo impugnado, evidencia-se considerável alteração do zoneamento, uso e ocupação do solo urbano, sem que tal ato legislativo tenha sido amplamente discutido pela coletividade, em oposição aos imperativos constitucionais anteriormente esposados.

O ofício inicial, de lavra do Secretário Municipal de Planejamento, em nenhum momento, refere-se a qualquer consulta ou procedimento de participação popular na construção do projeto de lei encaminhado à Câmara Municipal.

Não há que se falar em dispensa da consulta popular em alterações de zoneamento supostamente pontuais, dada a obrigatoriedade de participação popular nos projetos e temas concernentes ao ordenamento urbano. Ademais, na hipótese em apreço, o zoneamento urbano foi significativamente modificado, com a criação, ainda que indireta, de corredores comerciais, industriais e de serviços em áreas de uso exclusivamente residencial, não sendo possível, assim, ventilar tese de alterações pontuais no zoneamento urbano.

Ainda que conste a realização de audiência pública (fls. 633/646), certo é que após a discussão, foram sugeridas quase todas as emendas ao projeto de lei pelos Vereadores, de modo que (se aceita a possibilidade de apresentação de emendas) deveria ter sido convocada nova audiência visando a discussão das alterações sugeridas com a comunidade.

A exigência da participação popular nos debates não pode ser vista apenas como uma mera formalidade legal, é preciso considerar que a oitiva da comunidade é fundamental, posto que as mudanças decorrentes da alteração do zoneamento de determinado bairro podem acarretar transtornos aos moradores do local, os quais, em virtude disso, devem ser convocados a participar das discussões relativas às alterações da legislação de uso e ocupação do solo.  

Nesse sentido já se posicionou este E. Tribunal de Justiça na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0168001-94.2013.8.26.0000, em face de ato legislativo similar ao ora combatido, editado pelo Município de Bauru:

“(...) A lei nº 6.359, de 7 de junho de 2013, do Município de Bauru, transforma ruas e quarteirões que especifica em seus arts. 1º, 2º e 3º em corredores comerciais e de serviços. E não resta dúvida de que, visando a atender interesse público local, isso é possível, mas com a observância de normas constitucionais (art. 180, II, e 191 da Constituição do Estado) que exigem em tal processo a participação de entidades comunitárias, da coletividade, em suma, o que, no caso, não ocorreu, como se depreende do que segue claro nas informações que Município e Câmara prestaram (fls. 33/36 e 39/40).

O art. 180, II, da Constituição do Estado prevê que no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão “a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes” (inciso II). E o art. 191 da Constituição do Estado diz: “O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico”.

O ato normativo aqui atacado constitui inequívoca alteração do zoneamento, com transformação de ruas e quarteirões inteiros em corredores comerciais e de serviços, o que se fez sem a imprescindível participação comunitária.

(...)

Não se trata de, como quer a Municipalidade, submeter a consulta popular todo e qualquer ato do poder público municipal, toda e qualquer edição de lei, a acarretar “uma enorme burocratização da Gestão Pública Municipal.” Trata-se, isto sim, de cumprir e fazer com que se cumpra a Constituição Estadual que, no que concerne à matéria em exame, exige, como dito, a participação comunitária, na forma do que estabelece nos arts. 180, II, e 191, que não abrem exceção para modificações pontuais ou pequenas alterações de zoneamento. Aliás, observados os termos da lei 6.359/13, não cabe no caso falar em pequena alteração de zoneamento. A necessidade de “dinamizar e desenvolver a cidade em conformidade com o progresso” não justifica o descumprimento de normas constitucionais, das diretrizes nestas especificadas para alterações urbanísticas e de zoneamento. (...)”

Deste modo, padece de inconstitucionalidade o ato normativo, decorrente das emendas especificadas, que subtraíram a possibilidade e exigência constitucional da participação popular, ferindo frontalmente o disposto nos arts.180, caput e inciso II, 181, caput e §1º, e 191, todos da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos arts. 182, caput e §1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

7. DOS PEDIDOS

a. Do pedido liminar

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo ora impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que as alterações promovidas na Lei Complementar impugnada nesta ação padece de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão de sua vigência e eficácia, subsistirá a sua aplicação, com um crescimento desordenado da cidade, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem-estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que o zoneamento urbano descompassado do interesse público poderá resultar em situações urbanisticamente não desejáveis, que poderão gerar conflitos e intranquilidade na comunidade.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já eventualmente se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do Município de Campinas.

b. Do pedido principal

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente e, assim, declarada a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do Município de Campinas.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Campinas, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 14 de outubro de 2015.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/mjap

 

 

 

 

 

 


 

Protocolado nº 074.991/15

Assunto: representação para análise de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 62, de 20 de janeiro de 2014, do Município de Campinas.

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 14 de outubro de 2015.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

        

aca/mjap