EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 111.912/15
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade dos cargos de “Diretor do Departamento de Informática” e “Assessor Executivo de Comissões Permanentes”, previstos nos artigos 20 e 26, da Lei n° 7.706, de 02 de junho de 2015, do Município de Araçatuba.
2) É inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão que não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem exercidas por servidor público investido em cargo de provimento efetivo. Desnecessidade de especial vínculo de confiança e lealdade com as diretrizes políticas da autoridade superior a ensejar a possibilidade de criação de cargo de provimento em comissão.
3) Violação aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144, da Constituição Paulista.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº
734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, §
2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74,
inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo,
com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 111.912/15,
que segue anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face dos
cargos de “Diretor do Departamento de Informática” e “Assessor Executivo de
Comissões Permanentes”, previstos nos artigos 20 e 26, da Lei n° 7.706, de 02
de junho de 2015, do Município de Araçatuba, pelos fundamentos expostos a
seguir.
I – DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade - a cujas folhas nos reportaremos - foi instaurado a partir de representação formulada pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Araçatuba (fls. 02/15), indicando a necessidade de análise da possível inconstitucionalidade da lei acima referida.
A
Lei n° 7.706, de 02 de junho de 2015, do Município de Araçatuba – que altera
dispositivos da Lei Municipal n° 6.760, de 14 de junho de 2006, que trata da
estrutura administrativa da Câmara Municipal de Araçatuba, e dá outras
providências- possui, no que interessa para o desfecho da presente ação, a
seguinte redação:
“(...)
Art. 20. Fica incluído nos anexos II e VII constantes da Lei Municipal n° 6.760, de 2006, um cargo em comissão de Diretor do Departamento de Informática e Tecnologia, referência “Q1”, com as seguintes competências:
I- Dirigir e coordenar a implantação e manutenção de serviços de telefonia e dos vários sistemas e bancos de dados de ordem administrativa, financeira e contábil, de gestão do processo legislativo e de gestão dos Gabinetes;
II- Analisar soluções em infraestrutura tecnológica disponíveis ou a serem disponibilizadas à Câmara, avaliando sua adequação e garantindo sua funcionalidade;
III- Gerenciar o desenvolvimento das atividades referentes às áreas de apoio ao usuário de informática, sistemas de informação e suporte técnico em informática, tem como estabelecer diretrizes de trabalho;
IV- Planejar, avaliar e coordenar estudos sobre a utilização de novas tecnologias de informação pela Câmara, bem como acompanhar sua implantação;
V- Criar rotinas e zelar pela segurança e integridade da rede e da base de dados da Câmara Municipal;
VI- Dirigir e coordenar a prestação de serviços do Departamento de Informática e Tecnologia aos usuários na operação dos equipamentos, tomando as decisões que se fizerem necessárias;
VII- Orientar os reparos e consertos dos equipamentos de informática e telefonia, sugerindo suas substituições quando necessário;
VIII- Manter contato com empresas especializadas prestadoras de serviço visando à solução de ocorrências;
IX- Participar de, ou designar servidor sob sua direção para integrar, comissão de apoio técnico a fim de auxiliar o pregoeiro, comissões de licitação e comissões de recebimento de produtos e equipamentos;
X- Responsabilizar-se pela divulgação e atualização das informações relativas a transparência, legislação, processo legislativo, ordem do dia, relatórios de gestão financeira e outras informações úteis no site da Câmara;
XI- Coordenar os trabalhos de conservação e organização do arquivo geral permanente;
XII- Dirigir os trabalhos de atendimento à Lei de Acesso à Informação;
XIII- Propor e coordenar cursos e treinamentos necessários ao aprimoramento dos usuários e dos sistemas;
XIV- Responsabilizar-se pela frequência e assiduidade dos servidores lotados ou designados para o Departamento de Informática e Tecnologia.
Parágrafo único. O ocupante do cargo em comissão de Diretor do Departamento de Informática e Tecnologia deverá possuir formação superior relacionada à área de sua atuação.
(...)
Art. 26. Ficam incluídos nos anexos X e XI constantes da Lei Municipal n° 6.760, de 2006, dez cargos em comissão de Assessor Executivo de Comissões Permanentes, referência “K1”, subordinadas hierarquicamente à Presidência, com as seguintes atribuições:
I- Promover pesquisas junto a entidades, profissionais e empresas, analisar e propor sugestões ao Relator e à Presidência das comissões, bem como a seus membros, visando a subsidiar a elaboração dos respectivos pareceres e relatórios;
II- Elaborar minutas de pareceres técnicos, relatórios parciais e finais e outros documentos de interesse das comissões, a fim de auxiliar o parecer definitivo;
III- Preparar a pauta e informar aos membros das comissões sobre a realização das audiências convocadas pela Presidência da Comissão;
IV- Prestar assessoria técnica e administrativa aos membros das comissões e participar, quando convocado, de audiências, reuniões e eventos, internos ou externos, elaborando a competente ata;
V- Cuidar para que os prazos destinados à entrega dos pareceres e relatórios previstos no Regimento Interno e nas resoluções sejam devidamente cumpridos;
VI- Propor aos presidentes das comissões a realização de audiências ou reuniões públicas sobre temas relacionados às atribuições da Comissão;
VII- Executar outras tarefas correlatas determinadas pelas presidências das comissões ou pela Presidência da Câmara.
Parágrafo único. O ocupante do cargo em comissão de Assessor Executivo de Comissões Parlamentares deverá possuir preferencialmente formação superior.
(...)”. (fls. 159/163-164)
II – O parâmetro da
fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os dispositivos legais impugnados contrariam frontalmente a Constituição
do Estado de São Paulo.
Com
efeito, as normas contestadas
são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Paulista,
in verbis:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 144- Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”.
III- DOS CARGOS DE “DIRETOR DO
DEPARTAMENTO DE INFORMÁTICA” E “ASSESSOR EXECUTIVO DE COMISSÕES PERMANENTES”
As
atribuições descritas nos artigos 20 e 26, da Lei n° 7.706/15 dos cargos de
provimento em comissão criados pelos mesmos dispositivos legais não expressam atribuições de chefia, direção ou
assessoramento, revelando, ao revés, tratar-se de cargos com funções técnicas, burocráticas,
profissionais e ordinárias.
Com
efeito, dentre as atribuições do cargo em comissão de Diretor do Departamento
de Informática, estão a de “dirigir e
coordenar a implantação e manutenção de serviços de telefonia e dos vários
sistemas e bancos de dados de ordem administrativa, financeira e contábil, de gestão
do processo legislativo e de gestão dos Gabinetes” e de “orientar os reparos e consertos dos
equipamentos de informática e telefonia, sugerindo suas substituições quando
necessário”, atribuições estas evidentemente técnicas e operacionais (inc. I e VII, art. 20, da Lei Municipal n° 7.706/15).
Por
sua vez, dentre as atribuições do cargo em comissão de Assessor Executivo de
Comissões Permanentes estão a de “promover
pesquisas junto a entidades, profissionais e empresas, analisar e propor
sugestões ao Relator e à Presidência das comissões, bem como a seus membros,
visando a subsidiar a elaboração dos respectivos pareceres e relatórios” e
“preparar a pauta e informar aos membros das comissões sobre a realização das
audiências convocadas pela Presidência da Comissão”, funções estas
nitidamente técnicas e operacionais (inc. I e III, do art. 26, da Lei Municipal
n° 7.706/15).
Como
bem pontificado em venerando acórdão desse Egrégio Tribunal:
“A criação de tais cargos é exceção a esta regra geral
e tem por finalidade de propiciar ao governante o controle de execução de suas
diretrizes políticas, sendo exigido de seus ocupantes
absoluta fidelidade às orientações traçadas.
Em sendo assim, deve ser limitada aos casos em que
seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor.
(...)
Tratando-se de postos comuns – de atribuição de
natureza técnica e profissional -, em que não se exige de quem vier a ocupá-los
o estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade
nomeante, deveriam ser assumidos, em caráter definitivo, por servidores
regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, em
conformidade com a regra prevista no citado inciso II” (TJSP,
ADI 173.260-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 22-07-2009).
Os cargos
criados consubstanciam funções técnicas, burocráticas, operacionais e
profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos
investidos em cargo de provimento efetivo, recrutados após prévia aprovação em
concurso público de provas ou de provas e títulos.
Não
há, evidentemente, nenhum componente nos postos acima transcritos a exigir o
controle de execução das diretrizes políticas do governante a serem
desempenhados por quem detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas,
sendo, por isso, ofensivos aos princípios da moralidade e da impessoalidade
(art. 111, Constituição Estadual), que orientam os incisos II e V, do art. 115,
da Constituição Estadual.
Nesse
sentido, é inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em
comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica,
operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e
direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de
provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.
A jurisprudência
proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em
comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao
exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de
assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS,
Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF,
ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002,
v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE
680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI
309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u.,
DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão
Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u.,
30-01-2008).
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de
natureza técnica ou burocrática.
Há,
com efeito, implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse,
estaria aniquilada na prática a exigência constitucional de concurso para
acesso ao serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Prelecionando
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente
aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano
a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A
Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso,
para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança,
afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade
governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que
reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo
escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas
aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus
titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade
às instituições constitucionais e administrativas a que servirem,
comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma
fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade
pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre
provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior,
mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e
exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras,
enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos
titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas
atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer
preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT,
1984, p. 95/96).
Cumpre observar que os cargos mencionados não refletem
a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de
assessoramento, chefia e direção em nível superior.
IV – DO Pedido liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município
de Araçatuba apontados como violadores de princípios e regras da Constituição
do Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até o julgamento final desta ação, de maneira a
evitar oneração do erário irreparável ou de difícil reparação.
Dessa forma, requer-se a concessão de medida liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos cargos de “Diretor do Departamento de Informática” e “Assessor Executivo de Comissões Permanentes”, previstos nos artigos 20 e26, da Lei n° 7.706, de 02 de junho de 2015, do Município de Araçatuba.
IV
– DO Pedido
Posto isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos cargos de “Diretor do Departamento de Informática” e “Assessor Executivo de Comissões Permanentes”, previstos nos artigos 20 e 26, da Lei n° 7.706, de 02 de junho de 2015, do Município de Araçatuba.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Araçatuba, bem como citado o Procurador-Geral do Estado, para se manifestar sobre
os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 05 de novembro de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/ts
Protocolado nº 111.912/15
Assunto: Inconstitucionalidade
dos cargos de “Diretor do Departamento de Informática” e “Assessor Executivo
de Comissões Permanentes”, previstos nos artigos 20 e 26, da Lei n° 7.706, de
02 de junho de 2015, do Município de Araçatuba.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 05 de novembro de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca