Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 111.225/2015

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 3.233, de 31 de março de 2009, do Município de Mirassol. Reestruturação administrativa do quadro de servidores da Câmara Municipal de Mirassol.   Competência exclusiva do Poder Legislativo. Resolução. Violação à separação de poderes. 1.  O instrumento hábil para disciplinar matéria da competência exclusiva do Poder Legislativo é a Resolução. 2. Ainda que a iniciativa legislativa tenha sido respeitada, a participação do chefe do Poder Executivo no processo legislativo tipifica invasão da órbita da competência exclusiva do Poder Legislativo, violando, assim, o princípio da separação de poderes.

 

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar nº 3.233, de 31 de março de 2009, do Município de Mirassol, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

         O Município de Mirassol editou a Lei Complementar nº 3.233, de 31 de março de 2009, do Município de Mirassol, que “Dispõe sobre Reestruturação Administrativa do Quadro de Servidores da Câmara Municipal de Mirassol e dá nova denominação, cria cargos e dá outras providências”, cujo teor é o seguinte:

“(...)

 

 

 

 

 

 

 

 

(...)” (fls. 02/10 do protocolado que segue anexo)

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

         O ato normativo impugnado é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 19, caput e inciso III, e 20, inciso III, da Constituição do Estado, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Artigo 19 - Compete à Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente sobre:

(...)

III - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 47, XIX, ‘b’;

(...)

Artigo 20 - Compete exclusivamente à Assembleia Legislativa:

(...)

III- dispor sobre a organização de sua Secretaria, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.” (g.n.)

            Essas regras constituem reprodução dos seguintes preceitos da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

(...)

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

(...)

X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b;

(...)

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

(...)

IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; 

(...)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, bem como no artigo 20 algumas matérias de iniciativa reservada ao Poder Legislativo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144).

         Observa-se, de acordo com o art. 20, inciso III, da Constituição Estadual, que no tocante à remuneração de servidores públicos do Poder Legislativo deverá ser respeitada a reserva absoluta de lei, sendo que os demais temas deverão ser veiculados por meio de Resolução.

         Anote-se, por oportuno, que o caput do art. 19 da Carta Paulista atribuiu à Assembleia Legislativa competência para, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias que são de competência do Estado, ressalvadas aquelas previstas no seu art. 20.

         Desse modo, a partir da análise conjugada de ambos os dispositivos, conclui-se que o conteúdo da lei local mostra-se inconstitucional, pois se insere no âmbito da competência exclusiva do Poder Legislativo, prevista na primeira parte do inciso III do art. 20 da Carta Paulista, e, por isso, deveria ser disciplinada por meio de Resolução, sem a participação do chefe do Poder Executivo.

         A respeito do tema, leciona a doutrina que a “resolução é ato do Congresso Nacional ou de qualquer de suas casas, tomado por procedimento diferente do previsto para elaboração das leis, destinado a regular matéria de competência do Congresso nacional ou de competência privativa do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados (...)”, e ao final conclui que não haverá participação do Presidente da República no processo legislativo de elaboração de resoluções, e, consequentemente, inexistirá veto ou sanção, por tratar-se de matérias de competência do Poder Legislativo.” (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, Atlas, 28ª ed, São Paulo: 2012, p. 728/729, g.n.).

         No caso, ainda que a iniciativa legislativa tenha sido respeitada, a participação do chefe do Poder Executivo no processo legislativo tipifica nítida invasão da órbita de atribuições do Poder Legislativo, sendo situação apta a ensejar a violação do princípio da independência e da harmonia entre os Poderes, consagrado no art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.

         Vale lembrar, também, que as competências outorgadas pela Constituição são irrenunciáveis, incomunicáveis e indelegáveis, sendo assim, nem a aquiescência por parte da Câmara da participação do chefe do Executivo na edição do diploma impugnado afasta a inconstitucionalidade existente.

         Mostra-se, portanto, inconstitucional a lei local, por afronta ao art. 19, caput, ao art. 20, inciso III e ao art. 144 da Carta Paulista.

         Exatamente por esses fundamentos, esse colendo órgão especial julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do Município de Mirassol em face da Lei Municipal de Mirassol nº 3.723/15, que alterava dispositivos da Lei Complementar nº 3.233/09 – objeto desta ação – cujo acórdão ficou assim ementado:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 3.723, DE 18 DE FEVEREIRO DE 2015, DO MUNICÍPIO DE MIRASSOL, QUE ALTERA DISPOSITIVOS DA LEI Nº 3.233, DE 31 DE MARÇO DE 2009 – ALTERAÇÃO DE DIPLOMA REFERENTE AO QUADRO DE SERVIDORES DA CÂMARA MUNICIPALCOMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO PODER LEGISLATIVO ATRAVÉS DE RESOLUÇÃOPARTICIPAÇÃO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO NO PROCESSO LEGISLATIVO QUE CARACTERIZA INVASÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PODER LEGISLATIVO – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES. AÇÃO PROCEDENTE.

(Processo2121246-07.2015.8.26.0000, rel. des. Neves Amorim, j. 23.09.2015, v.u.)

(...)” (g.n.)

III – PEDIDO

Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 3.233, de 31 de março de 2009, do Município de Mirassol.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Mirassol, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

         Termos em que, pede deferimento.

                     São Paulo, 17 de novembro de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 111.225/2015

Assunto: Propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 3.233, de 31 de março de 2009, do Município de Mirassol, para conhecimento e providências cabíveis

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar nº 3.233, de 31 de março de 2009, do Município de Mirassol, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 17 de novembro de 2015.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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