Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 74.305/2015
Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 621, de 24 de agosto de 2000, na redação dada pela Lei 639, de 11 de setembro de 2000, do Município de Avaré. Fechamento de loteamento. Ausência de participação comunitária. Concessão de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo. Violação à liberdade de circulação. Ausência de razoabilidade e interesse público. Invasão da esfera normativa alheia sobre direito civil e normas gerais de licitação e contratação pública. Desvinculação do Plano Diretor. 1. Lei inconstitucional por não ter sido assegurada a participação comunitária em seu respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89) e cuja iniciativa parlamentar caracteriza violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da reserva da Administração (art. 5º e 47, II e XIV, CE/89). 2. O fechamento de loteamentos, vilas e ruas sem saída com outorga de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo, é restrição incompatível com as funções essenciais da cidade, a limitação à liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum do povo (art. 180, I, CE/89). 3. Legislação a que falta interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89): aquele significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição, discriminação incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça, bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável. 4. Incompatibilidade com a repartição constitucional de competências normativas, a que remete o art. 144, CE/89, pela invasão da competência alheia para legislar sobre direito civil, não havendo espaço para invocação de interesse local por não haver sua predominância nem para suplementação normativa que contraria regras federais. 5. Violação ao art. 144, CE/89, patenteada pela restrição à liberdade de circulação, princípio estabelecido como direito fundamental. 6. Ofensa à liberdade de associação, a qual pressupõe autonomia de vontade para se associar, permanecer e se retirar quando lhe aprouver. 7. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 8. Exceção à regra da licitação ao favorecer particular como concessionário de uso privativo de bens públicos que não se investiu nessa qualidade a partir de processo seletivo objetivo, público e imparcial, o que significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art. 144, CE/89.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 621, de 24 de agosto de
2000, na redação dada pela Lei Municipal n. 639, de 11 de setembro de 2000, do
Município de Avaré, pelos fundamentos a seguir
expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
A
Lei n. 621, de 24 de agosto de 2000, na redação dada pela Lei Municipal n. 639,
de 11 de setembro de 2000, do Município de Avaré, autoriza o Poder Executivo a converter o Loteamento “Estância
Brabância” em loteamento fechado nos seguintes termos:
“Art. 1º. Fica o Poder Executivo Municipal, autorizado a converter o Loteamento “Estância Brabância” em loteamento fechado, com o uso exclusivo das ruas, avenidas, praças e demais áreas públicas do Loteamento, com características predominantes de recreio e lazer, aos proprietários dos lotes deste Loteamento.
Art. 2°. Em razão da concessão de uso exclusivo, fica a Administradora do Loteamento autorizada a construir portaria na entrada e nos principais acessos do Loteamento, desde que dentro das divisas destes, estabelecendo limitações e normas de controle e vigilâncias sobre a entrada e saída de veículos e pessoas que conduzem.
Art. 3°. Fica vedada à Administração do Loteamento a cobrança de taxa ou qualquer tipo de contraprestação para ingresso ao Loteamento ou de uso de ruas, avenidas ou praças públicas.
Art. 4°. Essa conversão obriga o custeio e a execução, por parte dos proprietários dos lotes, representados pela Administradora do Loteamento, de todos os serviços de limpeza e conservação de ruas, avenidas, praças e demais áreas públicas, vigilância particular sobre a entrada e saída de pessoas do Loteamento, sejam elas residentes ou não, e a coleta domiciliar de lixo.
Art. 5°. A
concessão de uso exclusivo de bem público de que trata esta lei, será
autorizada pelo Executivo pelo prazo de 30 (trinta) anos, com renovação
automática, desde que de interesse das partes, manifestada, por uma delas, com
prazo mínimo de 60 (sessenta) dias anteriores ao vencimento.
Art. 6°. A concessão de uso exclusivo de bem
público de que trata esta lei, não
interferirá, nem prejudicará, a cobrança de IPTU (Imposto Predial e Territorial
Urbano) relativo aos lotes que integram o referido loteamento.
Art. 7°. Uma vez findo o prazo de concessão,
passarão ao domínio público, de pleno direito e independentemente de qualquer
indenização, todas as benfeitorias e melhoramentos de qualquer natureza, que
tenham sido introduzidos no próprio durante a vigência do contrato de concessão
de uso e suas eventuais prorrogações.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”
III
– O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
O ato normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
Conforme será demonstrado, a inconstitucionalidade Lei n. 621, de 24 de agosto de 2000, do Município de Avaré, manifesta-se pela dissonância de tal ato normativo com os seguintes preceitos da Constituição Bandeirante:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
(...)
XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
Artigo 111 – A administração
pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado,
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e
eficiência.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Artigo 180 - No
estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o
Estado e os Municípios assegurarão:
I - o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus
habitantes;
II – a participação das
respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos
problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
V - a observância das normas urbanísticas,
de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Artigo 181 - Lei
municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor,
normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo,
índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas
pertinentes.
§ 1º - Os planos
diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade
de seu território municipal”.
A – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
A
autorização para fechamento de
loteamentos é norma urbanística e como tal a aprovação de lei que discipline
tais matérias depende da
participação comunitária em seu respectivo processo legislativo. No caso, não foi observada
essa importante formalidade
essencial - que aquinhoa
legitimidade material ao seu conteúdo – determinada pelo inciso II do art. 180
da Constituição do Estado de São Paulo que reproduz o art. 29, XII, da
Constituição Federal – como se verifica da análise do processo legislativo n. 206/2000.
O
dispositivo constitucional parâmetro do controle de constitucionalidade da lei
municipal em foco nesta sede assegura a participação da população em todas as
matérias atinentes ao desenvolvimento urbano e ao meio ambiente, inclusive nos
anteprojetos e projetos de lei, e, são reiteradamente prestigiados pela
jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração
sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi
cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que
determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração
aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de
Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades
comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da
Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel.
Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do
município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram
regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade -
Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições
constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo
técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da
medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano,
independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto
federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da
impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes -
Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações
concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada
procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI
163.559-0/0-00).
“ação direta de
inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo
– processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de
alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento
dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei
apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local,
que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de
participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada
subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes
era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a
participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local
não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação.
Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é
exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos
representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses
envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da
norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques,
m.v., 05-05-2010).
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento
urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da
Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade
das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI
0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).
A democracia participativa decorrente do
art. 180, II, da Constituição Estadual, alcança a elaboração da lei antes e
durante o trâmite de seu processo legislativo até o estágio final de sua
produção. Ela permite que a população participe da produção de normas que
afetarão a estética urbana, a qualidade de vida e os usos urbanísticos.
Há outros fundamentos.
A
legislação impugnada não se atém aos limites do interesse local,
círculo da competência normativa dos Municípios, incompatibilizando-se com o princípio
federativo que impõe a observância das balizas constitucionais
destinadas a delimitar as competências legislativas dos entes federativos, sob
pena de atentar ao princípio federativo, e cuja sindicância é viável nesta via
por caracterizar-se ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual.
Com
efeito, o texto normativo impugnado contrasta com o art. 144 da Constituição
Estadual, norma que determina a observância da
Constituição Federal e da Constituição Estadual pelos Municípios no exercício
de sua autonomia, reproduzindo o caput
do art. 29 da Constituição Federal.
O art. 144 da Constituição Estadual impondo a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Destarte,
é possível examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas
constitucionais centrais, viabilizando por força da mencionada norma remissiva
o seu contraste com a repartição constitucional de competências legislativas
inerentes ao princípio federativo, em especial o art. 22, I, da Constituição
Federal, que arrola o direito
civil no espaço da
competência normativa privativa
da União.
A disciplina do fechamento de loteamentos
e vias públicas é matéria inerente ao direito civil, sobre o qual o Município
não detém competência normativa, não havendo espaço para invocação de interesse
local por não haver sua predominância nem para suplementação normativa que
contraria regras federais. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte julgado:
“Ora,
em se tratando de competência privativa da União, e competência essa que não
pode ser exercida pelos Estados se não houver lei complementar – que não existe
– que a autorize a legislar sobre questões específicas dessa matéria (artigo 22
da Constituição), não há como pretender-se que a competência suplementar dos
Municípios prevista no inciso II do artigo 30, com base na expressa vaga aí
constante ‘no que couber’ se possa exercitar para a suplementação dessa
legislação da competência privativa da União (...)” (STF, RE 227.384-SP).
Portanto,
a legislação municipal contestada é incompatível com o art. 144 da Constituição
Estadual.
B
– INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Não obstante a
inconstitucionalidade apontada, os atos normativos objurgados também estão
maculados por inconstitucionalidade
material.
Isso
porque, ex vi do disposto nos incisos
I e V do art. 180 da Constituição Paulista, aos quais a produção normativa
municipal está subordinada, o Município, ao traçar as normas de desenvolvimento
urbanístico, tem o dever de assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade, dentre as quais a circulação,
e observar as normas urbanísticas e de qualidade
de vida. José Afonso da Silva assevera que uma vez instituído o
sistema viário, por meio da afetação do bem, o acesso público a ele torna-se um
poder legal exercitável erga omnes,
em face do qual não se opõe nenhum limite – configurado, por exemplo, pela
exigência de identificação para ingresso no loteamento fechado:
“O sistema viário é o meio pelo qual se realiza o direito à
circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção,
direito de ir e vir e também de ficar (estacionar, parar), assegurado na
Constituição Federal. Pedro Escribano Collado, em excelente monografia sobre as
vias urbanas, coloca muito bem o problema, nas seguintes palavras: `De maneira
ampla, e do ponto de vista do usuário, pode definir-se o direito à circulação
como a faculdade, enquanto perdure a afetação da via, de deslocar-se através
dela de um lugar para outro do núcleo urbano. Enquanto se tratar de bem afetado, a utilização não constituirá uma
mera possibilidade, mas um poder legal exercitável erga omnes. Em consequência, a Administração não
poderá impedir, nem geral nem singularmente, o trânsito de pessoas de maneira
estável, a menos que desafete a via, já que, de outro modo, se
produziria uma transformação da afetação por meio de uma simples atividade de
polícia” (José Afonso da Silva. Direito
Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 5ªed., p. 183-184).
Da
leitura dos arts. 2° e 3° do ato impugnado, é cristalina a restrição a ampla
liberdade de circulação e de usufruto dos bens públicos de uso comum do povo, enfim, às funções
sociais da cidade, rompendo com a diretiva de observância das normas
urbanísticas e de qualidade de vida, de modo a colidir
com o art. 180, I e V, da Constituição Estadual.
Além
disso, e por conta da norma remissiva do art. 144 da Constituição Estadual, há notória supressão do direito fundamental à liberdade de
locomoção e circulação, previsto no art. 5º, caput e inciso XV, da Constituição Federal. Sobre a temática,
importante consignar o posicionamento sedimentado na jurisprudência do Pretório
Excelso:
“- LOTEAMENTO. RUA DE ACESSO
COMUM. CONDOMÍNIO INEXISTENTE. Com o condomínio singulariza-se a propriedade
dos lotes, caindo no domínio público e no livre uso comum a rua de acesso. Não
é juridicamente possível, em tais circunstâncias, pretender-se constituir
condomínio sobre a rua, à base da Lei 4.591/64. Nulidade da convenção
condominial e dos atos dela decorrentes. Recurso extraordinário provido”. (STF,
RE 100.467-3, Rel. Min. Francisco Rezek).
Em
questão similar, assim voltou a se pronunciar a E. Corte Constitucional:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997.
QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL.
ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E
CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE
DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO.
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito
Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da
Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito
Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é
obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato
do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de
propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições,
pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É
incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às
‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na
medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.
1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
Gizado nesse
venerando aresto que:
“(...) 2. Afronta a
Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam
prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso
XXI, da CB/88]. (...) 4. O artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos
a fim de dificultar a entrada e saída de veículos nos limites externos das
quadras ou conjuntos. Violação do direito à circulação, que é a manifestação
mais característica do direito de locomoção. A Administração não poderá impedir
o trânsito de pessoas no que toca aos bens de uso comum”.
Em
conclusão, há novamente
ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista.
A
restrição à circulação permitida pelos atos normativos impugnados não se alia ao interesse público
nem à razoabilidade.
O interesse público, ao contrário da providência legislativa adotada, é a
garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do
povo, não se coadunando com a limitação instituída nas normas vergastadas que,
além de irrazoáveis, são desprovidas de racionalidade, justiça e bom senso,
implantando discriminação insuportável.
Não
se deve olvidar que vias públicas são bens de uso comum do povo, assim como que
vias e praças, espaços livres e áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos nos loteamentos passam a
integrar o patrimônio público municipal a partir de seu registro.
E
diferente do regulado pela Lei nº 6.766/79 e pelo Código Civil, no fechamento
de loteamentos, vilas e ruas sem saída pelo Município de Avaré, que mais se
assemelha a um “condomínio privado”, o particular não está a serviço da
administração, mas a serviço próprio; nada é feito em favor da coletividade,
trata-se de investimentos privados destinados a seus titulares.
Não
há preconceito à utilização de bens públicos por particulares, situação essa
disciplinada pela autorização, permissão e concessão de uso, precedidas de licitação,
inspiradas pela satisfação do
interesse geral. O que se pretende nesta
exordial é combater a instituição de “condomínios privados” em áreas públicas,
visto que contraria o interesse público, a função social da cidade e a ordem
jurídica.
E nem se alegue,
por oportuno, a insuficiência dos órgãos de segurança pública no combate à
criminalidade para se legitimar o fechamento de áreas públicas em prol da
fruição de pequena parcela da população.
No atual estágio
civilizatório, todos os cidadãos encontram-se vulneráveis (em diferentes graus)
à crescente onda de violência, e a decisão de se privilegiar determinados
munícipes com o fechamento de suas vias ou bairros, em detrimento de outros,
revela-se ato totalmente refratário ao primado da isonomia, vez que possui
traços de pessoalidade e arbitrariedade, isso sem mencionar a possibilidade de
óbice ao direito geral de locomoção nos perímetros que compõem a urbe.
Em relação ao tema sub judice, lança-se precedente firmado
neste Sodalício, in verbis:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO
DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS,
INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA
DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI
MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS
E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO -
INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM
A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA - O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER
CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA
CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES
DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI 9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des.
Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).
No
mesmo sentido, vetusto acórdão do Supremo Tribunal Federal fixou que o interesse público é preservado pela defesa da livre utilização de bem público de uso comum do povo:
“Loteamento. Fechamento de acesso a ruas que
interligam lotes e conduzem à orla marítima. - Legalidade de ato
da Prefeitura Municipal, removendo obstáculos que impediam aquele livre acesso.
- Inconstitucionalidade inocorrente da Lei Municipal nº 557/79, de Ubatuba:
assegura direito à utilização de bem público de uso
comum do povo. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, RE 94.253-SP, 1ª
Turma, Rel. Min. Oscar Correa, 12-11-1982, v.u., DJ 17-12-1982, p.
13.209).
Os
atos normativos combatidos ofendem, outrossim, o direito de liberdade de associação
previsto no art. 5, incisos XVII e XX, da Constituição Federal, aplicáveis aos
municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.
Pelo
que se depreende do art. 2° da Lei n. 621, de 24 de agosto de 2000, do
Município de Avaré, é necessária a constituição de uma entidade representativa
dos proprietários, chamada na lei de administradora do loteamento, o que
significa compelir os
proprietários de imóveis a se associarem e
manterem-se associados, pois, dessa forma, viabiliza-se
o fechamento de loteamentos, vilas e ruas sem saída.
Tratando
do conteúdo da liberdade de associação, anota Paulo Gustavo Gonet Branco que:
“Os dispositivos da Lei Maior brasileira a respeito da liberdade de associação revelam que, sob a expressão, estão abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações, b) a de ingressar nelas, (c) a de abandoná-las e de não associar, e, finalmente, (d) a de sócios se auto-organizarem e desenvolverem as suas atividades associativas” (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2013, pp. 303-305).
A
associação pressupõe ato de vontade. A jurisprudência é fértil ao censurar a
restrição à liberdade de associação resultantes de condomínios atípicos:
“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM
RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COBRANÇA DE NÃO
ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO 'ENUNCIADO SUMULAR N° 168/STJ. Consoante entendimento
sedimentado no âmbito da Eg. Segunda Seção Desta Corte Superior, as
taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não podem ser
impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que
fixou o encargo (Precedentes: AgRg no Ag 1179073/RJ, Rei. Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 02/02/2010; AgRg no Ag 953621/RJ, Rei. Min. João
Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 14/12/2009; AgRg no REsp 1061702/SP,
Rel. Min. Aldir Passarinho, Quarta Turma, DJe de 05/10/2009; AgRg no REsp
1034349/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 16/12/2008. (...)”. (STJ, AgRg-EREsp 961.927-RJ, Rel. Min. Vasco
Della Giustina, DJe 15-09-2010).
“AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO
ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE
ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante
entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, ‘as taxas de manutenção criadas
por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel
que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo’ (ERESP nº
444.931/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, rel. p/o acórdão Min. Humberto Gomes
de Barros, DJ de 1º.2.2006’. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg-REsp
613.474-RJ, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05-10-2009).
“Existem precedentes
concluindo que o condomínio, ainda que atípico, tem legitimidade para propor
ação de cobrança de despesas condominiais. No caso, todavia, a autora da ação
de cobrança é simples associação de moradores – quando muito, o que se denomina
condomínio atípico. As deliberações desses condomínios atípicos não podem
atingir quem delas não tomou parte. Vale dizer: as obrigações assumidas pelos
que espontaneamente se associaram para ratear as despesas comuns não alcançam
terceiros que a elas não aderiram” (TJSP, Apelação 0041203-52.2004.8.26.0114,
Rel. Des. Moreira Viegas).
Ora,
se ninguém pode ser compelido a se associar ou manter-se associado.
Todavia,
não é o que ocorre na questão apresentada, vez que para materialização do
fechamento a lei impugnada acaba por obrigar os proprietários de imóveis a
pactuar com essa prática vedada pelo ordenamento, não lhes restando outra opção
a não ser aderir aos desmandos da associação, sob pena de não poderem fruir
desses bens comuns, além de dificultar-lhes o gozo de seu próprio patrimônio
imobiliário situado nessas áreas indevidamente fechadas, já que dependem da
condição de associados.
A
legislação impugnada criou exceção à regra da licitação, violando o art. 117 da Constituição Estadual que
reproduz os arts. 37, XXI e 175 da Constituição Federal, ao favorecer como usuário
privativo de bens públicos pessoa jurídica de direito privado sem que esta
tenha participado de processo seletivo objetivo, público e imparcial.
Tal
significa, ainda, afronta à competência legislativa
da União para normas gerais sobre licitação
e contrato administrativo
sobre uso de bens públicos e execução de serviços públicos (arts. 22, XXVII,
37, XXI, e 175, Constituição
Federal), patenteando, novamente,
ofensa à competência normativa alheia, sindicável por força do art. 144 da
Constituição Estadual, ao remeter ao art. 22, XXVII, da Constituição Federal.
As
exceções à licitação (inexigibilidade, dispensa, dispensabilidade, proibição)
constituem matérias da essência das normas gerais de licitações e contratações
públicas, não sendo lícito aos Municípios disciplinarem o assunto em lei para
além das prescrições contidas em lei federal. Neste sentido:
“MEDIDA
CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DE AGREMIAÇÃO
PARTIDÁRIA COM REPRESENTAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL PARA DEFLAGRAR O PROCESSO DE
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM TESE. INTELIGÊNCIA DO ART. 103, INCISO VIII,
DA MAGNA LEI. REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA ANTECIPADAMENTE SATISFEITO PELO
REQUERENTE. IMPUGNAÇÃO DA LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE
INSTITUIU, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUL-RIO-GRANDENSE, A PREFERENCIAL
UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. PLAUSIBILIDADE
JURÍDICA DA TESE DO AUTOR QUE APONTA INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGIFERANTE
RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO, BEM COMO
USURPAÇÃO COMPETENCIAL VIOLADORA DO PÉTREO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECONHECE-SE, AINDA, QUE O ATO NORMATIVO IMPUGNADO
ESTREITA, CONTRA A NATUREZA DOS PRODUTOS QUE LHES SERVEM DE OBJETO NORMATIVO
(BENS INFORMÁTICOS), O ÂMBITO DE COMPETIÇÃO DOS INTERESSADOS EM SE VINCULAR
CONTRATUALMENTE AO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (RTJ
192/163).
“Ação direta de
inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a
empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade
declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre
normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e
fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor
sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I).
2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância
compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das
licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’,
o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da
discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -,
que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato
objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 02-04-2007, v.u., DJe 18-05-2007).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997.
QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL.
ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E
CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE
DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO.
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito
que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...)” (STF,
ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe
12-09-2008).
“SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO.
TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE
RECONHECIMENTO DE DIREITO DE EMPRESA TRANSPORTADORA DE OPERAR PROLONGAMENTO DE
TRECHO CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. Afastada a alegação do recorrido de
ausência de prequestionamento dos preceitos constitucionais invocados no
recurso. Os princípios constitucionais que regem a administração pública exigem
que a concessão de serviços públicos seja precedida de licitação pública.
Contraria os arts. 37 e 175 da Constituição federal decisão judicial que,
fundada em conceito genérico de interesse público, sequer fundamentada em fatos
e a pretexto de suprir omissão do órgão administrativo competente, reconhece ao
particular o direito de exploração de serviço público sem a observância do
procedimento de licitação. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e a
que se dá provimento” (RT 837/125).
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO
REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE
COLETIVO. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES.
AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido está em consonância com a
jurisprudência desta Corte no sentido de que a partir da vigência da
Constituição de 1988, a licitação passou a ser indispensável à Administração
Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de
condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços
com a Administração. II – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 792.149-MG,
1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-10-2010, v.u., DJe 16-11-2010).
Não
bastasse, as normas impugnadas também são inconstitucionais por ofensa aos arts. 180, V, e 181,
§ 1º, da Constituição do Estado de São Paulo.
Das normas municipais de desenvolvimento urbano se
impõe compatibilidade às normas urbanísticas
(art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no
tocante às limitações administrativas, que instituam conformidade com
diretrizes do plano diretor,
que deve caráter integral (art. 181, caput e § 1º, da Constituição Paulista).
A adoção de normas
municipais alheadas ao plano
diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas
e pontuais, desvinculadas do planejamento
urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano
diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o
contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei
impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:
“(...)
Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao
permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’
do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min.
Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).
A Constituição do Estado acolhe
objetiva e expressamente o princípio do planejamento
em matéria urbanística, predicado por integralidade, compatibilidade e
globalidade, e que se consubstancia no plano diretor, acolitado pelo princípio
da conformidade com as normas urbanísticas e de qualidade de vida.
A exigência do plano diretor, como “instrumento
básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, está assentada no §
1º do art. 182 da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre
da regra contida no art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, não
bastasse o art. 181 desta. E o art.182 caput
da Carta Magna disciplina que “a política de desenvolvimento urbano,
executada pelo poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em
lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Se o inciso VIII do art. 30
da Constituição Federal prevê a competência dos Municípios para “promover, no
que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle
do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”, seu exercício não pode
se distanciar dos demais cânones constitucionais federais e estaduais
incidentes, seja qual for o propósito da legislação urbanística municipal.
O que se infere dos dispositivos acima apontados
que a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento
e estabelecimento de diretrizes através de lei, e as diretrizes para o
planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor,
cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada
Município.
Ora, a sistemática constitucional, quanto à
necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso
do solo, torna patente que o casuísmo resta evidenciado nos atos
normativos que regulam situações isoladas, como ocorre na hipótese em apreço,
violando diretamente a sistemática constitucional incidente sobre a matéria,
vez que qualquer modificação legislativa que envolva a política de
desenvolvimento urbano, o zoneamento e a ocupação e uso do solo deve ser
realizada dentro de um contexto de planejamento, e de diretrizes gerais, não se
admitindo ordenação dissociada da utilização global do solo urbano.
Tratando da elaboração do
plano diretor, anota Hely Lopes Meirelles que “toda cidade há que ser
planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua
expansão; a cidade velha, para sua renovação” e acresce que “a elaboração do
plano diretor é tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua
abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura
ou contratada com profissionais de notória especialização na matéria, sempre
sob supervisão do Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto
ao desenvolvimento do Município e indicará as prioridades das obras e serviços
de maior urgência e utilidade para a população” (Direito Municipal Brasileiro, pp. 393-395).
Ainda sobre o tem, pondera
Toshio Mukai:
“a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 29).
E nem seria despropositado obtemperar que a
transformação assentida pelos atos normativos combatidos teria potencialidade
para incompatibilizar-se com o princípio da impessoalidade,
adotado expressamente no art. 111 caput da
Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37 caput da Constituição Federal, porque foram instituídas em prol de poucos
que pretendem se segregar no usufruto restrito de bens públicos.
Deste modo, as inovações legislativas urbanísticas
impendem planejamento neutro e objetivo, racional e imparcial, não inculcando
mudanças tópicas capazes de criar desequilíbrio subjetivo determinado.
Pelas razões expostas, é flagrante a inconstitucionalidade da Lei n. 621, de 24 de agosto de 2000, na redação dada pela Lei Municipal n. 639, de 11 de setembro de 2000, do Município de Avaré.
IV – Pedido
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade Lei n. 621, de 24 de agosto de 2000, na redação
dada pela Lei Municipal n. 639, de 11 de setembro de 2000, do Município de Avaré.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Avaré,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 09 de novembro de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ef/crms
Protocolado nº 74.305/2015
Interessado: Promotoria de Justiça de Ribeirão Preto
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 621, de 24 de agosto de 2000, na redação dada pela Lei Municipal n. 639, de 11 de setembro de 2000, do Município de Avaré, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 09 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ef/crms