EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 71.826/2015
Ementa:
1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 16.035, de 14 de março de 2012, do Município de São Carlos.
2.
Ausência de participação popular
na produção de lei que alterou a metragem mínima de lotes nas SUCs internas à
Bacia do Ribeirão Feijão. Inconstitucionalidade por violação dos arts. 180, II
e 191, da Constituição Estadual.
3. Ofensa ao princípio da razoabilidade
e impessoalidade. A alteração, efetuada com vistas à implantação de loteamento
e, portanto, interesse particular, atenta à lógica, à racionalidade, à
objetividade e ao senso comum, vetores amparados pelo princípio da
razoabilidade e à impessoalidade (art. 111 e 144 da Constituição Estadual).
4. Violação do Princípio da Proibição de Retrocesso.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 16.035, de 14 de março de 2012, do Município de São Carlos, pelos seguintes fundamentos:
1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade, e a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado em face de representação do 7º Promotor de Justiça de São Carlos, Dr. Marcos Roberto Funari (fl. 02/16).
A Lei nº 16.035, de 14 de março de 2012, do Município de São Carlos, que “Altera dispositivos da Lei Municipal nº 13.944, de 12 de dezembro de 2006, e alterações posteriores que ‘Dispõe sobre a criação de Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais do Município – APREM, e dá outras providências”, tem a seguinte redação, na parte que interessa:
“Art.1º - O
art. 18 da Lei Municipal nº 13.944, de 12 de dezembro de 2006, e alterações
posteriores, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 18. Nas
glebas remanescentes internas às SUCs, em caso de parcelamento do solo, além do
disposto no art. 17, devem ser obedecidos os seguintes requisitos:
I – lote
mínimo de 500,00 m² (quinhentos metros quadrados) nas SUCs internas à
Bacia do Córrego do Monjolinho e lote mínimo de 250,00 m²
(duzentos e cinquenta metros quadrados) nas SUCs internas à Bacia do Ribeirão
Feijão;
(...)”
O inciso I do art. 18 possuía, anteriormente, a seguinte redação:
Art. 18. Nas
glebas remanescentes internas às SUCs, em caso de parcelamento do solo, além do
disposto no art. 17, devem ser obedecidos os seguintes requisitos:
I – lote mínimo de 500 m² (quinhentos metros
quadrados)”
O ato normativo transcrito padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.
2. DOS PARÂMETROS DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE
O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
De outro lado dispõe o art. 144 da Constituição Estadual que:
“Art. 144. Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
A lei local impugnada contrasta os
seguintes preceitos da Constituição Paulista:
Art. 111. A
administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes
do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência
(...)
Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas
ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
(...)
II - a participação das respectivas entidades comunitárias no
estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que
lhes sejam concernentes;
III – a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente
urbano e cultural;
IV – a criação e manutenção de áreas de especial interesse
histórico, urbanístico ambiental, turístico e de utilização pública;
V – a observância das normas urbanísticas, de segurança,
higiene e qualidade de vida;
(...)
Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as
diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento,
uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais
limitações administrativas pertinentes.
(...)
Art. 184 – Caberá ao Estado, com a cooperação dos Municípios:
(...)
IV – orientar a utilização racional de recursos naturais de
forma sustentada, compatível com a preservação do meio ambiente, especialmente
quanto à proteção e conservação do solo e da água;
(...)
Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a
participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e
melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas
as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social
e econômico.
Art. 192 - A
execução de obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos e a exploração
de recursos naturais de qualquer espécie, quer pelo setor público, quer pelo
privado, serão admitidas se houver resguardo do meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
§ 1º - A
outorga de licença ambiental, por órgão, ou entidade governamental competente,
integrante de sistema unificado para esse efeito, será feita com observância
dos critérios gerais fixados em lei, além de normas e padrões estabelecidos
pelo Poder Público e em conformidade com o planejamento e zoneamento
ambientais.
(...)
Art. 194 -
Aquele que explorar recursos naturais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
Parágrafo
único - É obrigatória, na forma da lei, a recuperação, pelo responsável, da
vegetação adequada nas áreas protegidas, sem prejuízo das demais sanções
cabíveis.
(...)
Art. 196 - A
Mata Atlântica, a Serra do Mar, a Zona Costeira, o Complexo Estuarino Lagunar
entre Iguape e Cananéia, os Vales dos Rios Paraíba, Ribeira, Tietê e
Paranapanema e as unidades de conservação do Estado, são espaços territoriais
especialmente protegidos e sua utilização far-se-á na forma da lei, dependendo
de prévia autorização e dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente.
Art.
197 - São áreas de proteção permanente:
I - os
manguezais;
II - as
nascentes, os mananciais e matas ciliares;
III - as
áreas que abriguem exemplares raros da fauna e da flora, bem como aquelas que
sirvam como local de pouso ou reprodução de migratórios;
IV - as
áreas estuarinas;
V - as
paisagens notáveis;
VI - as
cavidades naturais subterrâneas.
Art. 198 - O Estado estabelecerá, mediante lei, os
espaços definidos no inciso V do artigo anterior, a serem implantados como
especialmente protegidos, bem como as restrições ao uso e ocupação desses
espaços, considerando os seguintes princípios:
I -
preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de
ecossistemas;
II -
proteção do processo evolutivo das espécies;
III - preservação e proteção dos recursos naturais.”
3. DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL E DA OFENSA AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
A Constituição Federal de 1988 foi pioneira ao determinar, no plano constitucional, a tutela do bem ambiental, elevando-o à condição de direito/garantia fundamental, tendo a Constituição Paulista editado comandos no mesmo sentido.
Esse caráter já foi proclamado pelo próprio E. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540/DF, em acórdão cujo relator foi o eminente Ministro Celso de Mello (Julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, em 1/9/2005. DJ de 3-2-2006, p. 14). Do mencionado acórdão, destacamos alguns trechos:
“MEIO
AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) -
PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE
TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA
SOLIDARIEDADE (...)
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação
de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse
direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ
164/158-161)”.
Portanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito constitucional fundamental.
E como adverte Luís Roberto Barroso, “a supremacia constitucional, em nível dogmático e positivo, traduz-se em uma superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária da produção normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições formais e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição, conhecido na sua matriz norte-americana como judicial review, e batizado entre nós de ‘controle de constitucionalidade’.” (Interpretação e aplicação da Constituição, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 153).
Portanto, é possível extirpar-se do ordenamento jurídico qualquer espécie normativa que atentar contra a garantia fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como ocorre com a impugnada Lei na presente ação.
De se observar que a censurada norma diminuiu o lote mínimo de 500 m² no local para 250 m², exclusivamente nas SUCs internas à Bacia do Ribeirão Feijão, mantendo o mínimo de 500 m² nas SUCs internas à Bacia do Córrego do Monjolinho, de forma desarrazoada, sem motivação técnico-científica, sem comprovação de necessidade com vista ao interesse público da alteração da regra anterior de uso e ocupação do solo.
Não bastasse, assim o fez com vistas a atender pleito de empresa particular que tencionava implantação de loteamento no local.
Certo que a metragem anterior visava evitar adensamento populacional e sobrecarga da infraestrutura urbana em área não degradada.
Criou situação díspar entre nas SUCs das duas Bacias (Córrego do Monjolinho e Ribeirão Feijão), antes inexistentes, com a finalidade exclusiva de beneficiar interesse de particular, em confronto direto com o Princípio da Impessoalidade.
Portanto, é evidente que a impugnada Lei atenta contra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por isso, ofende os incisos III, IV e V do artigo 180 da Constituição Estadual, pois permite que o desenvolvimento urbano não se atenha à necessária preservação e proteção do meio ambiente.
Também afronta o art. 184, IV, da Constituição Paulista, pois o Município viola o seu dever de cooperar com o Estado na utilização racional de recursos naturais de forma sustentada, compatível com a preservação do meio ambiente.
Outrossim, viola os arts. 191, 196, 197 e 198 da Constituição Bandeirante, que impõe ao Município a preservação, a conservação e a defesa do meio ambiente natural, na medida em que a lei impugnada restringiu a proteção legal conferida às áreas.
Pode-se observar, ainda, afronta ao art. 192, “caput”, por viabilizar uso urbano da área com execução de obras, atividades e empreendimentos, com exploração de recursos naturais sem o necessário resguardo do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Infelizmente, a Lei em comento também afronta outros princípios constitucionais.
4.
DA
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
A transformação
da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo
limites e condicionamentos ao seu uso.
A validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos
condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens dos particulares
e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, pressupõe participação
comunitária em todas as fases de sua produção.
Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem-estar
do povo. Cumprem esta premissa quando são sensíveis às necessidades e
aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via
democrática e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico
democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua
elaboração.
Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou
equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, buscando
contê-la e orientá-las adequadamente.
O princípio da participação comunitária no estabelecimento de
diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano é uma exigência da
Constituição Estadual (art. 180, II e 191).
O entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento como da participação comunitária na produção de normas de ordenamento urbanístico. Neste sentido, convém transcrever as seguintes ementas:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).
Imperioso, ainda, destacar o entendimento
inserto na ementa que se segue, no sentido da necessidade da participação
popular, também na fase de discussão do projeto de lei, diante de eventuais emendas
substitutivas:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - PROCESSO LEGISLATIVO SUBMETIDO A PARTICIPAÇÃO POPULAR - VOTAÇÃO, CONTUDO, DE PROJETO SUBSTITUTIVO QUE, A DESPEITO DE ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS DO PROJETO INICIAL, NÃO FOI LEVADO AO CONHECIMENTO DOS MUNÍCIPES – VÍCIO INSANÁVEL - inconstitucionalidade declarada. "O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhes expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta" (ADI 994.09.224728-0)
No caso da alteração legislativa impugnada, absteve-se o poder
público de comunicar, explicar, discutir e avaliar com a comunidade a mudança
que se daria na lei.
Deste modo, padece de inconstitucionalidade a Lei nº 16.035/2012,
do Município de São Carlos, por subtrair a possibilidade e exigência
constitucional da participação popular, ferindo frontalmente o disposto nos
art. 180, caput e inciso II, art. 181,
caput e §1º, e art. 191 todos da
Constituição Estadual.
5. DA VIOLAÇÃO
AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA IMPESSOALIDADE
O ato normativo contraria o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.
Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, vale dizer, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).
O ato normativo ao diminuir a metragem exigida
anteriormente para os lotes especificamente das SUCs internas à Bacia do
Ribeirão Feijão, não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade:
(a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em
benefício exclusivamente da conveniência de interesse privado; (b) é, por consequência, inadequada na
perspectiva do interesse público, sobretudo no que se refere a
proteção ambiental; (c) é desproporcional em sentido estrito, por admitir
soluções diferentes para situações iguais, sem apoio técnico-científico que o
justifique.
Atenta, pois, à lógica, à racionalidade, à objetividade e ao senso comum, vetores amparados pelo princípio de razoabilidade e, mormente, ao interesse.
Ressalte-se, ainda mais uma vez, que a lei foi modificada a pedido e em função de projeto de implantação de loteamento, conforme resta evidente da leitura do Parecer CONDEMA nº 04/2011 (fls. 1463/1469 dos autos em apenso) pela empresa Faber Castel Projetos Imobiliários que entendia, na época, inviável do ponto de vista sócio-econômico e comercial, lotes de 500m² na região. No mesmo relatório, a fls. 1465, foram listadas ponderações em vista da proposta de alteração da lei com a finalidade exclusiva de viabilizar o empreendimento - itens de 1 a 8, importando, aqui, a transcrição dos itens 3 e 6:
“(...)
3 – que,
obviamente, não deveríamos agir em função de apenas um empreendedor. Se
fossemos permitir, na área em tela, a implantação de lotes menores que 500m², isto teria que ser válido para, pelo menos, para toda SUC da APREM do
ribeirão Feijão; e, consequentemente, seria necessário avaliar o impacto da
mudança em toda área da SUC da APREM Feijão;
(...)
6 – também
ficou claro que, como pretende-se alteral a legislação
de forma a garantir a viabilidade sócio-econômica de empreendimentos naquela
região, é necessário estabelecer ganhos ou compensações ambientais, que sejam
mais vantajosas que as restrições que estarão sendo abrandadas;”
Há, pois, manifesta violação ao princípio da impessoalidade, previsto no art. 111 da Constituição Paulista.
Nesse sentido, ao explanar sobre o princípio da impessoalidade, Hely Lopes Meirelles descreve:
“(...) nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe
ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal.
(...)
E a
finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato
administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar
desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade...”
(Direito Administrativo, 40ª ed., Malheiros, p. 95)
Inconstitucional, portanto, o ato normativo impugnado, por contrariedade aos arts. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.
6. DA VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO
Pode-se afirmar, ainda, que a alteração legislativa efetuada, com diminuição da área dos lotes representa evidente violação ao princípio constitucional da PROIBIÇÃO DE RETROCESSO que, no dizer de Carlos Alberto Molinaro (Direito ambiental: proibição de retrocesso, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 100.), “é o sintagma proposicional de todos os demais princípios do direito ambiental”.
A finalidade da metragem maior (500m²), que permanece nas SUCs internas à Bacia do Córrego do Monjolinho, tem a finalidade de não agravar o adensamento populacional em área de manancial e todas as consequências advindas deste adensamento, nocivas ao meio ambiente.
Segundo Mário De Conto (O princípio da proibição de retrocesso social: uma análise a partir dos pressupostos da hermenêutica filosófica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 146-147):
“A vinculação exercida pelo Princípio
da Proibição de Retrocesso Social é inerente a toda a atividade estatal. O
Poder Legislativo, em decorrência da idéia de uma Constituição Dirigente, tem
consideravelmente diminuída sua liberdade de
conformação, que fica adstrito ao texto constitucional. O Poder Executivo,
igualmente, em face da postura intervencionista do Estado, do respeito aos
Direitos Fundamentais e da observância do Princípio Constitucional da Dignidade
da Pessoa Humana, tem sua conduta vinculada ao texto constitucional. E,
finalmente, ao Poder Judiciário cabe, nessa trilha, exercer um intervencionismo
substancialista, no sentido de que os Direitos Fundamentais Sociais sejam
realizados, procurando diminuir o déficit existente entre a realidade social e
as promessas da modernidade não cumpridas, declarando inconstitucionais medidas
estatais de cunho retrocessivo”.
Portanto, a Lei impugnada na presente ação direta é inconstitucional por afrontar diversos princípios e diversos dispositivos da Constituição Estadual, sem prejuízo de afrontar, também, a Constituição Federal.
7. DOS PEDIDOS
a. Do pedido de liminar
Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia da lei impugnada.
A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, a inconstitucionalidade da norma.
O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do preceito legal questionado, a implantação do loteamento pretendido poderá se consolidar, dificultando a reversão ao status quo, na hipótese provável de procedência da ação direta.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei nº 16.035/2012, do Município de São Carlos.
b.
Do pedido
principal
Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 16.035, de 14 de março de 2012, do Município de São Carlos.
Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 18 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb
Protocolado nº 71.826/2015
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 16.035, de 14 de março de 2012, do Município de São Carlos.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Comunique-se a propositura da ação a interessada.
3. Cumpra-se.
São Paulo, 18 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb