EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 068.613/15

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 1.260, de 15 de janeiro de 2015, do Estado de São Paulo. Inconstitucionalidade Material. Ofensa aos princípios constitucionais do concurso público, isonomia, acessibilidade geral ao serviço público e da impessoalidade. 1. A Lei Complementar nº 1.260, de 15 de janeiro de 2015, do Estado de São Paulo, que autoriza a transposição ou enquadramento de servidor público em cargo ou emprego distinto daquele para o qual foi aprovado em concurso público, no caso, de Agente Administrativo Judiciário para Escrevente Técnico Judiciário. 2. Violação à regra constitucional do concurso público (art. 111 e 115, I e II da CE; art. 37 caput e incisos I e II da CR/88).

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda art. 74, inciso VI, e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 068.613/15), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar nº 1.260, de 15 de janeiro de 2015, do Estado de São Paulo, pelos fundamentos expostos a seguir.

1.    DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

Lei Complementar nº 1.260, de 15 de janeiro de 2015, do Estado de São Paulo, que “Dispõe sobre a transformação e a extinção dos cargos de Agente Administrativo Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de S.Paulo, nos termos do artigo 48, inciso X, da Constituição Federal e do artigo 19, inciso III, da Constituição do Estado” tem a seguinte redação:

“Artigo 1º - Ficam transformados os cargos e as funções de Agente Administrativo Judiciário em cargos de Escrevente Técnico Judiciário, desde que os servidores que se encontrem investidos naqueles optem pelo reenquadramento e comprovem atender os requisitos previstos no artigo 2º desta lei complementar.

Parágrafo único - Os servidores que não solicitarem o reenquadramento ou não comprovarem o atendimento dos requisitos para a transformação permanecerão nos seus respectivos cargos, que ficam extintos por ocasião da vacância. 

Artigo 2º - O disposto no “caput” do artigo 1º desta lei complementar somente se efetiva e passa a produzir efeitos ao servidor que solicitar a transformação e atender os seguintes requisitos:

I - comprovar ter concluído o ensino médio, mediante apresentação de diploma ou certificado de conclusão de curso, expedido por instituição de ensino de acordo com os requisitos previstos na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

II - concluir o curso de capacitação especificamente ministrado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

§ 1º - A solicitação da transformação, por meio de requerimento específico subscrito pelo servidor, e a comprovação da conclusão do ensino médio de que trata o inciso I deste artigo deverão ser direcionadas ao órgão competente do Tribunal de Justiça, que analisará o pedido no prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar do protocolo.

§ 2º - Indeferido o pedido de que trata o § 1º deste artigo em razão da não comprovação da exigência prevista no inciso I deste artigo, poderá o servidor público, na posse de novos documentos, a qualquer tempo renovar a solicitação.

§ 3º - O servidor que não tiver concluído o ensino médio por ocasião da promulgação desta lei complementar, mas o fizer posteriormente, poderá, a qualquer tempo, solicitar a transformação nos termos do “caput” e incisos deste artigo.

§ 4º - Deferido o pedido de que trata o § 1º deste artigo, a efetiva transformação dar-se-á após a certificação de conclusão do curso de capacitação a que se refere o inciso II deste artigo, que atenderá à carga horária e programação a serem especificadas por norma interna do Tribunal de Justiça.

§ 5º - Para participar do curso de capacitação previsto no inciso II deste artigo, o servidor não poderá estar licenciado nos termos do artigo 181 da Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968.

Artigo 3º - O reenquadramento do servidor no novo cargo será em referência fixada para a nova classe em grau cujo valor de vencimento seja igual ou imediatamente superior ao valor do padrão do cargo anteriormente ocupado.

Artigo 4º - O disposto nesta lei complementar não se aplica aos servidores inativos e pensionistas.

Artigo 5º - As despesas resultantes desta lei complementar serão suplementadas no orçamento do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Artigo 6º - Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação.”

As disposições do ato normativo impugnado violam a regra do concurso público, bem como os princípios da acessibilidade geral e da, pelos seguintes fundamentos.

2.    DA VIOLAÇÃO À REGRA DO CONCURSO PÚBLICO

A Lei Complementar nº 1.260, de 15 de janeiro de 2015, do Estado de São Paulo viola os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei;

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)”

Oportuno recordar que tais dispositivos reproduzem o quanto disposto no art. 37, I e II, da CR/88, sendo todos (os da Constituição Federal e os da Estadual), aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

A regra para o acesso aos cargos públicos é o concurso. Ela só admite exceções nas estritas hipóteses previstas na Constituição Federal e Estadual, quais sejam, (a) a nomeação para cargos de provimento em comissão previstos em lei específica de cada ente federativo (nos casos de cargos ou funções de direção, chefia ou assessoramento superior da administração, em que deva prevalecer o vínculo de especial confiança entre o servidor e o agente superior ao qual se vincule), e (b) a contratação temporária, nas hipóteses previstas em lei editada por cada ente federativo, para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público (cf. art. 115 II, V  e X da Constituição Paulista; art. 37 I, II e IX da CR/88).

Diante disso, qualquer dispensa indevida da realização de concurso para fins de ingresso no serviço público, ou mesmo a realização de provimentos a partir de concursos internos, para que servidores ocupem cargos ou empregos situados em carreira distinta, ou, finalmente, o simples aproveitamento de servidores em cargos ou empregos integrantes de carreira distinta, são atos que significam, na prática, burla à regra do concurso.

O ato normativo impugnado, conforme justificativa de fls. 29/46, teria sido impulsionado pela necessidade de se ajustar a estrutura funcional do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo à implantação do processo eletrônico, o que teria esvaziado a função de Agente Administrativo Judiciário. Tal situação fática, contudo, não pode justificar a suplantação dos preceitos constitucionais que regulam a admissão de servidores públicos.

Não se desconhece que o ato normativo impugnado buscou equacionar a atual situação dos agentes administrativos judiciários, em face da modernização do Judiciário Paulista. Porém, o permissivo contido nos arts. 1º e 2º da legislação atacada representa ofensa aos princípios da isonomia, da acessibilidade geral, e do concurso, que devem nortear o provimento de cargos no âmbito da Administração Pública.

Vale recordar que o conceito de carreira diz respeito ao “agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário” (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34 ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 424). No mesmo sentido Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, 2005.

Natural, assim, a evolução funcional que deve ocorrer dentro de uma mesma carreira, de um cargo ou emprego situado em plano inferior, para outro localizado em patamar superior, situação não verificada na lei impugnada.

Nosso sistema constitucional consagrou o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, na forma prevista em lei, e sua submissão prévia a concurso público, ressalvadas, evidentemente, as nomeações para cargos em comissão.

Na definição de Adilson Abreu Dallari, concurso público é “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição do conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados” (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2. ed., São Paulo, RT, 1992, p. 36, apud Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, 3º vol., T. III, São Paulo, Saraiva, 1992, p. 67).

Acrescente-se, ademais, que a existência de formas de provimento derivado “de modo algum significa abertura para costear-se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre específico para dado cargo, encartado em carreira certa, quem nele se investiu não pode depois, sem novo concurso público, ser trasladado para cargo de natureza diversa ou de outra carreira melhor retribuída ou de encargos mais nobres e elevados. O nefando expediente a que se alude foi algumas vezes adotado, no passado, sob a escusa de corrigir desvio de funções ou com arrimo na nomenclatura esdrúxula de ‘transposição de cargos’. Corresponde a uma burla manifesta do concurso público. É que permite a candidatos que ultrapassaram apenas concursos singelos, destinados a cargos de modesta expressão – e que se qualificaram tão somente para eles – venham a aceder, depois de aí investidos, a cargos outros, para cujo ingresso se demandaria sucesso em concursos de dificuldades muito maiores, disputados por concorrentes de qualificação bem mais elevada” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, São Paulo, RT, 1995, p. 55).

Não se nega, por óbvio, a possibilidade de aprimoramento na organização administrativa de determinado ente público, tampouco a reestruturação do respectivo quadro de cargos, empregos e funções. Tal possibilidade é ínsita à própria autonomia de cada ente federativo, a exemplo dos Municípios (art. 29, 30, I da CR/88).

Outrossim, não se refuta a possibilidade de enquadramento de servidores, já integrantes da Administração, nos casos de extinção ou transformação de cargos, empregos e funções, desde que idênticas as atribuições do novo cargo e idênticos os requisitos ou condições exigidos dos candidatos ao seu provimento.

Contudo, como anota Hely Lopes Meirelles, “se a transformação implicar alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento, que exige concurso público” (Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 427).

É oportuno averbar que no E. STF a matéria em questão já se encontra pacificada, conforme se depreende da leitura do verbete sumular nº 685 editado por aquela Augusta Corte, que possui a seguinte redação:

"É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido." (Súm. 685).

Alinhando-se ao verbete esposado, há diversos precedentes do firmados pelo Excelso Pretório, sob vários aspectos e em situações diferentes, que confirmam a afirmação de que nosso sistema constitucional não transige com a regra do concurso público. Assim, como quando a Corte veda a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso (ADI 231, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 5-8-92, DJ de 13-11-92; ADI 3.582, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 1º-8-07, DJ de 17-8-07); ou proíbe o mero enquadramento de prestadores de serviço (ADI 3.434-MC, voto do Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-8-06, DJ de 28-9-07); ou mesmo ao vedar o enquadramento de servidores que exerçam determinadas funções, em cargos que integram carreira distinta, ainda que com período prévio de reciclagem (ADI 388, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-9-07, DJ de 19-10-07; ADI 3.442, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 7-11-07, DJ de 7-12-07; ADI 3.857/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 18/12/2008).

 

3.    DO PEDIDO PRINCIPAL

Diante do exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 1.260, de 15 de janeiro de 2015, do Estado de São Paulo.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Presidente da Assembleia Legislativa estadual e ao Senhor Governador do Estado de São Paulo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

   Termos em que,

  Aguarda-se deferimento.

         São Paulo, 17 de novembro de 2015.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 068.613/15

Interessado: Ouvidoria do Ministério Público

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.

3.     Cumpra-se.

 

       São Paulo, 17 de novembro de 2015.

 

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

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