Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado nº 74.316/2015
Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas. Fechamento de loteamentos. Ausência de participação comunitária. Concessão de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo. Violação à liberdade de circulação. Ausência de razoabilidade e interesse público. Invasão da esfera normativa alheia sobre direito civil e normas gerais de licitação e contratação pública. Desvinculação do Plano Diretor. 1. Lei inconstitucional por não ter sido assegurada a participação comunitária em seu respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89) e cuja iniciativa parlamentar caracteriza violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da reserva da Administração (art. 5º e 47, II e XIV, CE/89). 2. O fechamento de loteamentos, com outorga de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo, é restrição incompatível com as funções essenciais da cidade, a limitação à liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum do povo (art. 180, I, CE/89). 3. Legislação a que falta interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89): aquele significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição, discriminação incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça, bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável. 4. Incompatibilidade com a repartição constitucional de competências normativas, a que remete o art. 144, CE/89, pela invasão da competência alheia para legislar sobre direito civil, não havendo espaço para invocação de interesse local por não haver sua predominância nem para suplementação normativa que contraria regras federais. 5. Violação ao art. 144, CE/89, patenteada pela restrição à liberdade de circulação, princípio estabelecido como direito fundamental. 6. Ofensa à liberdade de associação, a qual pressupõe autonomia de vontade para se associar, permanecer e se retirar quando lhe aprouver. 7. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 8. Exceção à regra da licitação ao favorecer particular como concessionário de uso privativo de bens públicos que não se investiu nessa qualidade a partir de processo seletivo objetivo, público e imparcial, o que significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art. 144, CE/89.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas (e,
por arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 9º), pelos
fundamentos a seguir expostos:
I
– SINOPSE
A Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de
1996, do Município de Campinas, já
foi objeto de análise por este colendo Órgão
Especial (ADIn 065.051-0/8-00), quando promovida ação direta de
inconstitucionalidade (fls. 23/45) arguindo sua incompatibilidade com a
Constituição do Estado de São Paulo porque “(a) contém autorização genérica ao Prefeito para modificar, ao seu
bel-prazer, a destinação original de bens de uso comum do povo, o que
caracteriza delegação de poderes (CE., art. 5º e seu § 1º e art. 19, IV, V e
VII) e (b) autoriza a desafetação de
áreas de loteamento definidas como verdes ou institucionais (CE., art. 180, VII).”
(fl. 45).
Referida
ação foi julgada improcedente
por venerando acórdão deste colendo Órgão Especial (ADIn 065.051-0/8-00, Rel.
Des. Luiz Elias Tâmbara, m.v., 05-02-2003) à
vista dos fundamentos
contidos na petição
inicial, como se capta de sua
fundamentação:
“(...) É oportuno ressaltar que a Lei nº 8.736, de 1996, do MUNICÍPIO DE CAMPINAS, não delegou poderes ao Chefe do Poder Executivo, mas o autorizou a deferir a permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação e a aprovação do loteamento fechado, que é definido como aquele cercado ou murado, no todo ou em parte do seu perímetro, além de enumerar os encargos relativos à manutenção e à conservação dos bens públicos em causa, e permitir à Associação dos Proprietários controlar o acesso à área fechada do loteamento (artigos 9º, 10 e 13).
A administração de bens municipais compreende o poder de utilização e conservação das coisas administradas, de competência exclusiva do Prefeito, salvo os bens utilizados nos serviços da Edilidade, cuja administração incumbe ao Presidente da Câmara. É desnecessária qualquer autorização para o Prefeito utilizar e conservar os bens da municipalidade.
Na lição do saudoso Professor HELY LOPES MEIRELLES, ‘A administração municipal é dirigida pelo Prefeito, que, unipessoalmente, como Chefe do Executivo local, comanda, supervisiona e coordena os serviços de peculiar interesse do Município, auxiliado por Secretários Municipais ou Diretores de Departamento, conforme a organização da Prefeitura e a maior ou menor desconcentração de suas atividades, sendo permitida, ainda, a criação das autarquias e entidades paraestatais, visando à descentralização administrativa. As leis locais são votadas pela Câmara de Vereadores, órgão colegiado, com função legislativa precípua para todos os assuntos de peculiar interesse do Município e funções complementares de fiscalização e controle da conduta político-administrativa do Prefeito (julgamento de suas contas, cassação de mandato etc.), de assessoramento governamental (indicações ao executivo) e de administração de seus serviços auxiliares (organização interna da Câmara)’ (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 26ª edição atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Dácio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2001, págs. 729 e 730). Em seu “Direito Municipal Brasileiro”, o eminente mestre ressalta, com sua peculiar proficiência, que: ‘Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamento, recebimentos, entendimentos verbas ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. Atuando através das leis que elaborar e atos legislativos que editar, a Câmara ditará ao prefeito normas gerais da Administração, sem chegar à prática administrativa. A propósito, têm decidido o STF e os Tribunais estaduais que é inconstitucional a deslocação do poder administrativo e regulamentar do Executivo para o Legislativo. De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situação concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial’. Em outra passagem, da mesma obra, esclarece que: ‘A execução das obras e serviços públicos municipais está sujeita, portanto, em toda a sua plenitude, à direção do Prefeito, sem interferência da Câmara, tanto no que se refere às atividades internas das repartições da Prefeitura (serviços burocráticos ou técnicos), quanto às atividades externas (obras e serviços públicos) que o Município realiza e põe à disposição da coletividade’ (Malheiros Editores, 11ª edição, atualizada por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reis, págs. 507/508 e 645/646). Em outro passo dessa mesma obra, acrescenta que: ‘advirta-se, ainda, que, para as atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa à prerrogativas do prefeito’ (pág. 617).
De outro lado, a outorga da permissão administrativa de uso dos bens públicos de uso comum integrantes do sistema viário interno das áreas objeto de fechamento em favor dos moradores, que se obrigam a manter às suas expensas a conservação do leito carroçável incluindo sinalização de tráfego, bem como das eventuais áreas públicas existentes no local, vedada qualquer edificação ou mudança de destinação destas últimas, não fere o disposto no artigo 180, inciso VII, da Constituição do Estado. Não se cuida de desafetação de bens públicos de uso comum, áreas verdes ou institucionais, senão de permissão administrativa de uso de tais bens, a título precário e sem desvio ou quebra da sua destinação originária, para fins de preservação e conservação. A permissão administrativa de uso de bens públicos para que o particular o conserve e o explore, de acordo com sua destinação específica, é defendida pela melhor doutrina.
Cabe, ainda, analisar a suposta delegação do poder de polícia. O emérito e sempre lembrado Professor HELY LOPES MEIRELLES conceitua o poder de polícia nos seguintes termos: ‘é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo de que a polícia judiciária e a polícia de manutenção da ordem pública atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública, enquanto as outras duas são privativas de determinados órgãos (Policiais Civis) ou corporações (Polícias Militares).’ Em outro passo, aduz quais são os atributos específicos e peculiares do poder de polícia administrativa: ‘a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade’, explicando no que tange a esta última que: ‘o poder de polícia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem legal da autoridade competente, como elemento de coação e intimidação’ (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 26ª edição, atualizada por Eurico Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2001, págs. 123 e 131). O diploma legal impugnado, nesse específico ponto, limitou-se a autorizar os moradores a estabelecer normas para controlar o acesso à área fechada do loteamento. Nem o intérprete mais rigoroso conseguirá entrever nesse dispositivo usurpação das funções definidas em lei, a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (Constituição Paulista, artigo 141, ou da guarda municipal, destinada à proteção dos bens, serviços e instalações municipais, obedecidos os preceitos da lei federal (idem, artigo 147). O que caracteriza a polícia ostensiva é a farda específica da corporação e o armamento utilizado. Ao contrário disso, a vigilância e fiscalização para evitar o acesso de pessoas estranhas ao local visa a segurança de seus moradores.
(...) Quanto ao teor do contido no artigo 18, da referida lei municipal, que prevê a permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação, total ou parcial, em loteamentos já existentes, há regra expressa no sentido de que o fechamento não poderá interromper o sistema viário da região, nem abranger os equipamentos urbanos institucionais comunitários, assim considerados os equipamentos públicos de educação, cultura, lazer e similares (incisos II e III, do artigo 18). De outra banda, o inciso IV, do mencionado artigo, que dispunha sobre a prévia desafetação das áreas públicas, foi revogado pela Lei nº 9.175, de 19 de dezembro de 1996.
Em apertado resumo, após a leitura atenta do texto da lei chega-se à conclusão que ela não afronta a independência e harmonia entre os Poderes (artigo 5º “caput”, da CE); não implica delegação de competência do Legislativo ao Executivo (artigo 5º, § 1º, da CE); não exige procedimento legislativo para permissão de uso (incisos IV, V e VI do artigo 19, da CE); e não trata nem de permissão de uso de áreas institucionais e/ou áreas verdes (artigo 180, inciso VII, da CE), estando expressamente determinado que se situarão do lado externo dos loteamentos, está claro que a Lei nº 8.736, de 9 de janeiro de 1996, do MUNICÍPIO DE CAMPINAS, se ateve ao trato de matéria de competência legislativa do Município, relativa ao ordenamento urbano, prevista no artigo 30, inciso VIII, da Constituição da República.
Pelo exposto, julgam improcedente o pedido formulado pelo ilustre PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA.” (fls. 11/18).
Na
promoção desta ação, esses argumentos não
serão renovados. Serão fornecidos
outros, inclusive
os revelados a posteriori
decorrentes da apreciação do processo
legislativo (Projeto de Lei nº 248/95 – fls. 185/270) que redundou na edição da Lei nº 8.736/96,
em especial, a ausência de participação comunitária.
Cabe ressaltar que o instituto da coisa
julgada material não incide no caso de improcedência da ação direta de
inconstitucionalidade, não existindo óbice para a repropositura, desde que esta
seja embasada em novos fundamentos ou nova causa de pedir.
Neste sentido, leciona Luís Roberto
Barroso:
“Parece totalmente inapropriado que se impeça o Supremo Tribunal Federal de reapreciar a constitucionalidade ou não de uma lei anteriormente considerada válida, à vista de novos argumentos, de novos fatos, de mudanças formais ou informais no sentido da Constituição ou de transformações na realidade que modifiquem o impacto ou a percepção da lei. Portanto, o melhor entendimento na matéria é o de que podem os legitimados do art. 103 propor ação tendo por objeto a mesma lei e pode a Corte reapreciar a matéria. O que equivale a dizer que, no caso de improcedência do pedido, a decisão proferida não se reveste da autoridade da coisa julgada matéria” (O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2012, 6ª ed., p. 135).
Portanto,
caracterizada a viabilidade da presente ação direta de inconstitucionalidade,
uma vez que está fundada em novos fundamentos, como será demonstrado a seguir,
não obstante o Supremo Tribunal Federal ter assentado na espécie que:
“O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no ‘balançar de olhos’ entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição” (STF, Rcl 4.374-PE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 18-04-2013, m.v., DJe 04-09-2013).
II
– O ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de
1996, do Município de Campinas, que “DISPÕE
SOBRE A PERMISSÃO A TÍTULO PRECÁRIO DE USO DAS ÁREAS PÚBLICAS DE LAZER E DAS
VIAS DE CIRCULAÇÃO, PARA CONSTITUIÇÃO DE LOTEAMENTOS FECHADOS NO MUNICÍPIO DE
CAMPINAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”, assim preceitua:
“(...)
Art. 1º
- Para os fins desta lei, conceitua-se loteamento fechado como sendo o
loteamento cercado ou murado, no todo ou em parte do seu perímetro.
Art. 2º
- As áreas públicas de lazer e as
vias de circulação que serão objeto de permissão de uso, deverão ser definidas
por ocasião da aprovação do loteamento aprovado de acordo com as
exigências da Lei Federal nº 6766/79 e das demais exigências das legislações Estaduais e
Municipais.
Art. 3º
- A permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação somente será autorizada quando os
loteadores submeterem a administração das mesmas à Associação dos Proprietários,
constituída sob a forma de pessoa jurídica, com explícita definição de responsabilidade
para aquela finalidade.
Art. 4º
- As áreas públicas de lazer, definidas por ocasião do projeto de loteamento,
deverão obedecer as seguintes disposições:
I -
Uma parte de correspondente no mínimo a 65% (sessenta e cinco por cento) da
área de lazer, sobre a qual não incidirá permissão de uso, deverá estar situada
externamente ao loteamento, contígua ao mesmo, e deverá ser mantida sob a
responsabilidade da Associação dos Proprietários, que exercerá, supletivamente,
a defesa da utilização prevista no projeto, até que a Prefeitura exerça
plenamente essa função.
Art. 5º
- As áreas destinadas a fins institucionais, sobre as quais não incidirá permissão
de uso, nos termos previstos na Legislação Federal, serão definidas por ocasião
do projeto do loteamento, e deverão estrar situadas externamente, e serão
mantidas sob responsabilidade da Associação dos Proprietários, que exercerá,
supletivamente, a defesa da utilização prevista no projeto, até que a
Prefeitura exerça plenamente esta função.
Art. 6º
- A área máxima do loteamento fechado
dependerá de considerações urbanísticas, várias, ambientais, e do impacto que
possa ter sobre a estrutura urbana, sempre dentro das diretrizes estabelecidas
pelo Plano Diretor.
§ 1º
- No auto da solicitação do pedido de diretrizes deverá ser especificada a
intenção de implantação da modalidade do loteamento.
§ 2º
- As diretrizes urbanísticas definirão um sistema viário de contorno às áreas
fechadas.
§ 3º
- Em novos loteamentos os fechamentos situados junto ao alinhamento de
logradouros públicos deverão respeitar recuos de 4 (quatro) metros. As faixas
resultantes terão tratamento paisagístico e deverão ser conservadas pela
Associação dos Proprietários.
§ 4º
- Em caso de indeferimento do pedido, a Secretaria do Planejamento e Meio
Ambiente, deverá apresentar as razões técnicas devidamente fundamentadas.
Art. 7º
- Quando as diretrizes viárias definidas pela Prefeitura Municipal de Campinas
seccionarem a gleba objeto de projeto de loteamento fechado, deverão essas vias
estar liberadas para o tráfego, sendo que as porções remanescentes poderão ser
fechadas.
Art. 8º
- As áreas públicas de lazer e as vias de circulação, definidas por ocasião de
aprovação do loteamento, serão objetos de permissão de uso por tempo
determinado, podendo ser revogada a qualquer momento pela Prefeitura Municipal
de Campinas, se houver necessidade devidamente comprovada, e sem implicar em
ressarcimento.
Parágrafo Único - A permissão de uso referida no artigo 2º desta lei será outorgada
à Associação dos Proprietários independente
de licitação.
Art. 9º
- Fica a Prefeitura Municipal de Campinas autorizada a outorgar o uso de que
trata o artigo 2º, nos seguintes termos:
§ 1º
- A permissão de uso e a aprovação do loteamento serão formalizados por decreto do Poder Executivo.
§ 2º
- A outorga da permissão de uso deverá constar do registro do loteamento no
Cartório de Registro de Imóveis.
§ 3º
- No decreto de outorga da permissão de uso deverão constar todos os encargos
relativos à manutenção e à conservação dos bens públicos em causa.
§ 4º
- Igualmente deverá constar no mesmo decreto que qualquer outra utilização das
áreas públicas será objeto de autorização específica da Administração Direta ou
Indireta da Prefeitura Municipal de Campinas.
Art. 10 - Será de inteira responsabilidade da Associação dos Proprietários a
obrigação de desempenhar:
I -
os serviços de manutenção das árvores e poda quando necessário;
II -
a manutenção e conservação das vias públicas de circulação, do calçamento e
sinalização de trânsito;
III -
a coleta e remoção de lixo domiciliar que deverá ser depositado na portaria
onde houver recolhimento da coleta de lixo;
IV -
limpeza das vias públicas;
V -
prevenção de sinistros;
VI -
manutenção e conservação da rede de iluminação pública;
VII -
outros serviços que se fizerem necessários;
VIII -
garantia da ação livre e desimpedida das autoridades e entidades públicas que
zelam para a segurança e bem estar da população.
Parágrafo Único - A Associação de Proprietários poderá, a fim de dar cumprimento
aos incisos deste artigo e sob sua responsabilidade, firmar convênios ou
contratar com órgãos públicos ou entidades privadas.
Art. 11 - Caberá a Prefeitura Municipal de Campinas a responsabilidade pela
determinação, aprovação e fiscalização das obras de manutenção dos bens
públicos.
Art. 12 - Quando a Associação dos Proprietários se omitir na prestação dos
serviços, e houver desvirtuamento da utilização das áreas públicas, a
Prefeitura Municipal de Campinas assumi-los-á, determinando o seguinte:
I -
Perda do caráter de loteamento fechado;
II -
Pagamento de multa correspondente a 0,1 UFMC/m2 de terreno, aplicável a cada
proprietário de lote pertencente ao loteamento fechado.
Parágrafo Único - Quando a Prefeitura Municipal determinar a retirada das
benfeitorias tais como fechamentos, portais e outras, esses serviços serão de
responsabilidade dos proprietários. Se não executados nos prazos determinados,
o serão pela prefeitura, cabendo à Associação dos Proprietários o ressarcimento
de seus custos.
Art. 13 - Será permitido à Associação dos Proprietários controlar o acesso à área fechada do loteamento.
Art. 14 - As despesas do fechamento do loteamento, bem como toda a
sinalização que vier a ser necessária em virtude de sua implantação, serão de
responsabilidade da Associação dos Proprietários.
Art. 15 - As disposições construtivas e os parâmetros de ocupação do solo a
serem observados para edificações nos lotes de terrenos deverão atender as
exigências definidas pela lei municipal nº 6031/88 para a zona de uso onde o
loteamento estiver localizado.
Art. 16 - Após a publicação do decreto de outorga da permissão de uso, a
utilização das áreas públicas internas ao loteamento, respeitados os
dispositivos legais vigentes, poderão ser objeto de regulamentação própria da
entidade apresentada pela Associação dos Proprietários, enquanto perdurar a citada
permissão de uso.
Art. 17 - Quando da descaracterização de loteamento fechado com abertura ao
uso público das áreas objeto de permissão de uso, as mesmas passarão a
reintegrar normalmente o sistema viário e de lazer do município, bem como as
benfeitorias nelas executadas, sem qualquer ônus, sendo que a responsabilidade
pela retirada do muro de fechamento e pelos encargos decorrentes será da
Associação dos Proprietários respectivos.
Parágrafo Único - Se por razões urbanísticas for necessário intervir nos espaços
públicos sobre os quais incide a permissão de uso segundo a lei, não caberá à
Associação dos Proprietários qualquer indenização ou ressarcimento por benfeitorias
eventualmente efetuadas.
Art. 18 - A permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de
circulação poderá ser total ou parcial em loteamentos já existentes, desde que:
I -
haja a ausência de 50% (cinqüenta por cento) + 01 (um) dos proprietários dos
lotes inseridos na porção objeto do fechamento;
II -
o fechamento não venha a interromper o sistema viário da região;
III -
os equipamentos urbanos institucionais não possam ser objeto de fechamento,
sendo considerado comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura,
saúde, lazer e similares;
IV -
as áreas públicas sejam objeto de prévia desafetação;
V - sejam obedecidas,
no que couber, as exigências constantes desta lei.
§ 1º
- Os loteamentos que foram fechados sem a devida permissão de uso das áreas
públicas, e encontram-se em situação irregular, deverão enquadrar-se nas exigências
constantes desta lei.
§ 2º
- Os loteamentos que se enquadrarem no parágrafo anterior terão 180 (cento e
oitenta) dias de prazo para sua regularização, sob pena de aplicação de multa
igual a 0,01 UFMC/m2 de terreno, a cada proprietário de lote pertencente ao
loteamento, por dia de permanência em situação irregular, após o prazo
estipulado.
Art. 19 - As penalidades previstas no artigo 12 e § 2º do artigo 18 da
presente lei serão processadas através de auto de infração e multa que deverá
ser lavrado com clareza, sem omissões, ressalvas e entrelinhas e deverá constar
obrigatoriamente:
I -
data de lavratura;
II -
nome de localização do loteamento;
III -
descrição dos fatos e elementos que caracterizam a infração;
IV -
dispositivo legal infringido;
V -
penalidade aplicável;
VI -
assinatura, nome legível, cargo e matrícula da autoridade fiscal que constatou
a infração e lavrou o auto.
Parágrafo Único - Após a lavratura do auto de infração, será instaurado o processo
administrativo contra o infrator, providenciando-se, se ainda não tiver
ocorrido, sua intimação pessoal, ou por via postal com aviso de recebimento ou
por edital publicado Diário Oficial do Município.
Art. 20 - As Associações de Proprietários, outorgadas nos termos desta lei,
afixarão em lugar visível na (s) entrada (s) do loteamento fechado, placa (s)
com os seguintes dizeres:
- (denominação do loteamento) PERMISSÃO DE USO REGULAMENTADA
PELO DECRETO (nº e data) NOS TERMOS DA LEI MUNICIPAL (nº e ano) OUTORGADA À
(razão social da Associação, nº do CGC e/ou Inscrição Municipal).
Art. 21 - Caberá impugnação do Auto de Infração e a imposição de penalidade,
a ser apresentada pelo autuado, junto ao serviço de protocolado da Prefeitura
Municipal, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data de lavratura do auto,
sob pena de revelia.
Art. 22 - VETADO.
Art. 23 - VETADO.
Art. 24 - A decisão definitiva que impuser ao autuado a pena de multa ou
perda do caráter do loteamento fechado, deverá ser cumprida no prazo de 10
(dez) dias contados da data da comunicação.
Art. 25 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
(...)” (fls. 262/263) (g.n.).
III
– O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os
atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de
São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a
previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. Os preceitos da
Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios
por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
Conforme
será demonstrado, a inconstitucionalidade da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro
de 1996, do Município de Campinas, manifesta-se
pela dissonância de tais atos normativos com os seguintes preceitos da
Constituição Bandeirante:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
(...)
XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Artigo 181 - Lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.
§ 1º - Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal”.
A – INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL
A autorização para fechamento de
loteamentos é norma urbanística
e como tal a aprovação de lei que discipline tais matérias depende da participação comunitária em seu respectivo
processo legislativo. No caso, não
foi observada essa importante formalidade essencial
– que aquinhoa legitimidade material ao seu conteúdo – determinada pelo inciso
II do art. 180 da Constituição do Estado de São Paulo que reproduz o art. 29,
XII, da Constituição Federal – como se verifica da análise do processo
legislativo da Lei nº 8.736/1996, do Município de Campinas.
O dispositivo constitucional parâmetro
do controle de constitucionalidade da lei municipal em foco nesta sede assegura
a participação da população em todas as matérias atinentes ao desenvolvimento
urbano e ao meio ambiente, inclusive nos anteprojetos e projetos de lei, e, são
reiteradamente prestigiados pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).
“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).
A
democracia participativa decorrente do art. 180, II, da Constituição Estadual,
alcança a elaboração da lei antes e durante o trâmite de seu processo
legislativo até o estágio final de sua produção. Ela permite que a população
participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de
vida e os usos urbanísticos.
Há
outros fundamentos.
A legislação impugnada (leis e decretos
municipais) não se atém aos
limites do interesse local, círculo da competência normativa dos Municípios,
incompatibilizando-se com o princípio
federativo que impõe a observância das balizas constitucionais
destinadas a delimitar as competências legislativas dos entes federativos, sob
pena de atentar ao princípio federativo, e cuja sindicância é viável nesta via
por caracterizar-se ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual.
Com efeito, o texto normativo impugnado
contrasta com o art. 144 da Constituição Estadual, norma que
determina a observância da Constituição Federal e da Constituição Estadual
pelos Municípios no exercício de sua autonomia, reproduzindo o caput do art. 29 da Constituição
Federal.
O art. 144 da Constituição
Estadual impondo a observância na esfera municipal, além das regras da
Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado
“norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos
limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da
Constituição Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o
controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo
(STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF,
Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Destarte,
é possível examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas
constitucionais centrais, viabilizando por força da mencionada norma remissiva
o seu contraste com a repartição constitucional de competências legislativas
inerentes ao princípio federativo, em especial o art. 22, I, da Constituição
Federal, que arrola o direito civil
no espaço da competência normativa privativa
da União.
A disciplina do fechamento de
loteamentos e vias públicas é matéria inerente ao direito civil, sobre o qual o
Município não detém competência normativa, não havendo espaço para invocação de
interesse local por não haver sua predominância nem para suplementação
normativa que contraria regras federais. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte
julgado:
“Ora, em se tratando de competência privativa da União, e
competência essa que não pode ser exercida pelos Estados se não houver lei
complementar – que não existe – que a autorize a legislar sobre questões
específicas dessa matéria (artigo 22 da Constituição), não há como pretender-se
que a competência suplementar dos Municípios prevista no inciso II do artigo
30, com base na expressa vaga aí constante ‘no que couber’ se possa exercitar
para a suplementação dessa legislação da competência privativa da União (...)”
(STF, RE 227.384-SP).
Portanto,
a legislação municipal contestada é incompatível com o art. 144 da Constituição
Estadual.
B
– INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Não obstante a inconstitucionalidade
apontada, os atos normativos objurgados também estão maculados por inconstitucionalidade material.
Isso porque, ex vi do disposto nos incisos I e V do art. 180 da Constituição
Paulista, aos quais a produção normativa municipal está subordinada, o
Município, ao traçar as normas de desenvolvimento urbanístico, tem o dever de
assegurar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade, dentre as quais a circulação, e observar as normas urbanísticas
e de qualidade de
vida. José Afonso da Silva
assevera que uma vez instituído o sistema viário, por meio da afetação do bem,
o acesso público a ele torna-se um poder legal exercitável erga omnes, em face do qual não se opõe nenhum limite –
configurado, por exemplo, pela exigência de identificação para ingresso no
loteamento fechado:
“O sistema viário é o meio pelo qual se realiza o direito à
circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção,
direito de ir e vir e também de ficar (estacionar, parar), assegurado na
Constituição Federal. Pedro Escribano Collado, em excelente monografia sobre as
vias urbanas, coloca muito bem o problema, nas seguintes palavras: `De maneira
ampla, e do ponto de vista do usuário, pode definir-se o direito à circulação
como a faculdade, enquanto perdure a afetação da via, de deslocar-se através
dela de um lugar para outro do núcleo urbano. Enquanto se tratar de bem afetado, a utilização não constituirá uma
mera possibilidade, mas um poder legal exercitável erga omnes. Em consequência, a Administração não
poderá impedir, nem geral nem singularmente, o trânsito de pessoas de maneira
estável, a menos que desafete a via, já que, de outro modo, se
produziria uma transformação da afetação por meio de uma simples atividade de polícia”
(José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 5ªed., p.
183-184).
Da leitura da
Lei nº 8.736/96, do Município de Campinas,
– em especial do art. 13 (“Será permitido
à Associação dos Proprietários controlar
o acesso à área fechada do loteamento”) – é cristalina a restrição
a ampla liberdade de circulação e de usufruto dos bens públicos
de uso comum do povo, enfim, às funções sociais da cidade, rompendo com a
diretiva de observância das normas urbanísticas e de qualidade de vida, de modo
a colidir com o art. 180, I e V, da Constituição
Estadual.
Além disso, e por conta da norma
remissiva do art. 144 da Constituição Estadual, há notória supressão
do direito fundamental à liberdade
de locomoção e
circulação, previsto no art.
5º, caput e inciso XV, da
Constituição Federal. Sobre a temática, importante consignar o posicionamento
sedimentado na jurisprudência do Pretório Excelso:
“- LOTEAMENTO. RUA DE ACESSO COMUM. CONDOMÍNIO INEXISTENTE. Com o condomínio singulariza-se a propriedade dos lotes, caindo no domínio público e no livre uso comum a rua de acesso. Não é juridicamente possível, em tais circunstâncias, pretender-se constituir condomínio sobre a rua, à base da Lei 4.591/64. Nulidade da convenção condominial e dos atos dela decorrentes. Recurso extraordinário provido”. (STF, RE 100.467-3, Rel. Min. Francisco Rezek).
Em questão similar, assim voltou a se
pronunciar a E. Corte Constitucional:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N.
1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL.
ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E
CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE
DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO.
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito
Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da
Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito
Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é
obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato
do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de
propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições,
pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É
incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às
‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na
medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.
1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
Gizado nesse venerando aresto que:
“(...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...) 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a entrada
e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos. Violação do
direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de
locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca
aos bens de uso comum”.
Em conclusão, há novamente ofensa ao art. 144 da
Constituição Paulista.
A restrição à circulação permitida pelos
atos normativos impugnados não
se alia ao interesse público nem
à razoabilidade. O interesse público, ao contrário da
providência legislativa adotada, é a garantia do livre acesso e do irrestrito
gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a limitação
instituída nas normas vergastadas que, além de irrazoáveis, são desprovidas de
racionalidade, justiça e bom senso, implantando discriminação insuportável.
Não se deve olvidar que vias públicas
são bens de uso comum do povo, assim como que vias e praças, espaços livres e áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos nos loteamentos passam a
integrar o patrimônio público municipal a partir de seu registro.
E
diferente do regulado pela Lei nº 6.766/79 e pelo Código Civil, no fechamento
de loteamentos, pelo Município de Campinas, que mais se assemelha a um
“condomínio privado”, o particular não está a serviço da administração, mas a
serviço próprio; nada é feito em favor da coletividade, trata-se de
investimentos privados destinados a seus titulares.
Não
há preconceito à utilização de bens públicos por particulares, situação essa
disciplinada pela autorização, permissão e concessão de uso, precedidas de
licitação, inspiradas pela satisfação do
interesse geral. O que se pretende nesta
exordial é combater a instituição de “condomínios privados” em áreas públicas,
visto que contraria o interesse público, a função social da cidade e a ordem
jurídica.
E nem se alegue, por oportuno, a
insuficiência dos órgãos de segurança pública no combate à criminalidade para
se legitimar o fechamento de áreas públicas em prol da fruição de pequena
parcela da população.
No atual estágio civilizatório, todos
os cidadãos encontram-se vulneráveis (em diferentes graus) à crescente onda de
violência, e a decisão de se privilegiar determinados munícipes com o
fechamento de suas vias ou bairros, em detrimento de outros, revela-se ato
totalmente refratário ao primado da isonomia, vez que possui traços de
pessoalidade e arbitrariedade, isso sem mencionar a possibilidade de óbice ao
direito geral de locomoção nos perímetros que compõem a urbe.
Em relação ao
tema sub judice, lança-se precedente
firmado neste Sodalício, in verbis:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE
AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS
SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE
INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO
NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS
RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO
SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA -
O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO
FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO
DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI
9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).
No
mesmo sentido, vetusto acórdão do Supremo Tribunal Federal fixou que o interesse público é preservado pela defesa da livre utilização de bem público de uso comum do povo:
“Loteamento. Fechamento de acesso a ruas que interligam lotes e conduzem à orla marítima. - Legalidade de ato da Prefeitura Municipal, removendo obstáculos que impediam aquele livre acesso. - Inconstitucionalidade inocorrente da Lei Municipal nº 557/79, de Ubatuba: assegura direito à utilização de bem público de uso comum do povo. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, RE 94.253-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Oscar Correa, 12-11-1982, v.u., DJ 17-12-1982, p. 13.209).
Os
atos normativos combatidos ofendem, outrossim, o direito de liberdade de associação
previsto no art. 5, incisos XVII e XX, da Constituição Federal, aplicáveis aos
municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.
Pelo
que se depreende do art. 3° da Lei nº 8.736/96, do Município de Campinas, é
necessária a constituição de uma entidade representativa dos proprietários
(“A permissão de uso das áreas públicas
de lazer e das vias de circulação somente será autorizada quando os loteadores
submeterem a administração das mesmas à Associação
dos Proprietários”), o que significa compelir os proprietários de imóveis a se associarem e manterem-se
associados, pois, dessa
forma, viabiliza-se o fechamento de loteamentos, vilas e ruas sem saída.
Tratando do conteúdo da liberdade de associação, anota Paulo Gustavo Gonet Branco que:
“Os dispositivos da Lei Maior brasileira a respeito da liberdade de associação revelam que, sob a expressão, estão abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações, b) a de ingressar nelas, (c) a de abandoná-las e de não associar, e, finalmente, (d) a de sócios se auto-organizarem e desenvolverem as suas atividades associativas” (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2013, pp. 303-305).
A
associação pressupõe ato de vontade. A jurisprudência é fértil ao censurar a
restrição à liberdade de associação resultantes de condomínios atípicos:
“AGRAVO
REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE
MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COBRANÇA DE NÃO ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE.
APLICAÇÃO DO 'ENUNCIADO SUMULAR N° 168/STJ.
Consoante entendimento sedimentado no âmbito da Eg. Segunda Seção Desta Corte
Superior, as taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não
podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao
ato que fixou o encargo (Precedentes: AgRg no Ag 1179073/RJ, Rei. Min. Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJe de 02/02/2010; AgRg no Ag 953621/RJ, Rei. Min.
João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 14/12/2009; AgRg no REsp
1061702/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, Quarta Turma, DJe de 05/10/2009; AgRg
no REsp 1034349/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 16/12/2008.
(...)”. (STJ, AgRg-EREsp 961.927-RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe
15-09-2010).
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, ‘as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo’ (ERESP nº 444.931/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, rel. p/o acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 1º.2.2006’. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg-REsp 613.474-RJ, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05-10-2009).
“Existem precedentes concluindo que o condomínio, ainda que atípico, tem legitimidade para propor ação de cobrança de despesas condominiais. No caso, todavia, a autora da ação de cobrança é simples associação de moradores – quando muito, o que se denomina condomínio atípico. As deliberações desses condomínios atípicos não podem atingir quem delas não tomou parte. Vale dizer: as obrigações assumidas pelos que espontaneamente se associaram para ratear as despesas comuns não alcançam terceiros que a elas não aderiram” (TJSP, Apelação 0041203-52.2004.8.26.0114, Rel. Des. Moreira Viegas).
Ora,
se ninguém pode ser compelido a se associar ou manter-se associado.
Todavia,
não é o que ocorre na questão apresentada, vez que para materialização do
fechamento a lei impugnada acaba por obrigar os proprietários de imóveis a
pactuar com essa prática vedada pelo ordenamento, não lhes restando outra opção
a não ser aderir aos desmandos da associação, sob pena de não poderem fruir
desses bens comuns, além de dificultar-lhes o gozo de seu próprio patrimônio
imobiliário situado nessas áreas indevidamente fechadas, já que dependem da
condição de associados.
Por
outro lado, a legislação impugnada, em seu art. 8º, parágrafo único,
prevê que “A permissão de uso referida no
artigo 2º desta lei será outorgada à Associação dos Proprietários independente de licitação”,
de modo que tal dispositivo criou
exceção à regra da licitação, violando o art. 117 da Constituição Estadual que
reproduz os arts. 37, XXI e 175 da Constituição Federal, ao favorecer como
usuário privativo de bens públicos pessoa jurídica de direito privado sem que
esta tenha participado de processo seletivo objetivo, público e imparcial.
Tal significa, ainda, afronta
à competência legislativa da União para normas gerais
sobre licitação e contrato administrativo
sobre uso de bens públicos e execução de serviços públicos (arts. 22, XXVII,
37, XXI, e 175, Constituição
Federal), patenteando, novamente,
ofensa à competência normativa alheia, sindicável por força do art. 144 da
Constituição Estadual, ao remeter ao art. 22, XXVII, da Constituição Federal.
As
exceções à licitação (inexigibilidade, dispensa, dispensabilidade, proibição)
constituem matérias da essência das normas gerais de licitações e contratações
públicas, não sendo lícito aos Municípios disciplinarem o assunto em lei para
além das prescrições contidas em lei federal. Neste sentido:
“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DE AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA COM REPRESENTAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL PARA DEFLAGRAR O PROCESSO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM TESE. INTELIGÊNCIA DO ART. 103, INCISO VIII, DA MAGNA LEI. REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA ANTECIPADAMENTE SATISFEITO PELO REQUERENTE. IMPUGNAÇÃO DA LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUIU, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUL-RIO-GRANDENSE, A PREFERENCIAL UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE DO AUTOR QUE APONTA INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO, BEM COMO USURPAÇÃO COMPETENCIAL VIOLADORA DO PÉTREO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECONHECE-SE, AINDA, QUE O ATO NORMATIVO IMPUGNADO ESTREITA, CONTRA A NATUREZA DOS PRODUTOS QUE LHES SERVEM DE OBJETO NORMATIVO (BENS INFORMÁTICOS), O ÂMBITO DE COMPETIÇÃO DOS INTERESSADOS EM SE VINCULAR CONTRATUALMENTE AO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (RTJ 192/163).
“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 02-04-2007, v.u., DJe 18-05-2007).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...)” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
“SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE DIREITO DE EMPRESA TRANSPORTADORA DE OPERAR PROLONGAMENTO DE TRECHO CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. Afastada a alegação do recorrido de ausência de prequestionamento dos preceitos constitucionais invocados no recurso. Os princípios constitucionais que regem a administração pública exigem que a concessão de serviços públicos seja precedida de licitação pública. Contraria os arts. 37 e 175 da Constituição federal decisão judicial que, fundada em conceito genérico de interesse público, sequer fundamentada em fatos e a pretexto de suprir omissão do órgão administrativo competente, reconhece ao particular o direito de exploração de serviço público sem a observância do procedimento de licitação. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e a que se dá provimento” (RT 837/125).
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a partir da vigência da Constituição de 1988, a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração. II – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 792.149-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-10-2010, v.u., DJe 16-11-2010).
Não
bastasse, as normas impugnadas também são inconstitucionais por ofensa aos arts. 180, V, e 181,
§ 1º, da Constituição do Estado de São Paulo.
Das
normas municipais de desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às
normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e,
outrossim, delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas,
que instituam conformidade com diretrizes do
plano diretor, que deve caráter
integral (art. 181, caput e § 1º, da Constituição Paulista).
A
adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor
configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e
pontuais, desvinculadas do planejamento
urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano
diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o
contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei
impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:
“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).
A Constituição do Estado
acolhe objetiva e expressamente o princípio
do planejamento em matéria urbanística, predicado por
integralidade, compatibilidade e globalidade, e que se consubstancia no plano
diretor, acolitado pelo princípio da conformidade com as normas urbanísticas e
de qualidade de vida.
A
exigência do plano diretor, como “instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana”, está assentada no § 1º do art. 182 da
Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre da regra contida
no art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, não bastasse o art. 181
desta. E o art.182 caput da Carta
Magna disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo
poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Se o
inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê a competência dos
Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo
urbano”, seu exercício não pode se distanciar dos demais cânones
constitucionais federais e estaduais incidentes, seja qual for o propósito da
legislação urbanística municipal.
O que
se infere dos dispositivos acima apontados que a política de ocupação e uso
adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes
através de lei, e as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo
devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação
concreta das peculiaridades de cada Município.
Ora, a
sistemática constitucional, quanto à necessidade de planejamento, diretrizes, e
ordenação global da ocupação e uso do solo, torna patente que o casuísmo resta evidenciado nos
atos normativos que regulam situações isoladas, como ocorre na hipótese em
apreço, violando diretamente a sistemática constitucional incidente sobre a
matéria, vez que qualquer modificação legislativa que envolva a política de
desenvolvimento urbano, o zoneamento e a ocupação e uso do solo deve ser
realizada dentro de um contexto de planejamento, e de diretrizes gerais, não se
admitindo ordenação dissociada da utilização global do solo urbano.
Tratando
da elaboração do plano diretor, anota Hely Lopes Meirelles que “toda cidade há
que ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para
sua expansão; a cidade velha, para sua renovação” e acresce que “a elaboração
do plano diretor é tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua
abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura
ou contratada com profissionais de notória especialização na matéria, sempre
sob supervisão do Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto
ao desenvolvimento do Município e indicará as prioridades das obras e serviços
de maior urgência e utilidade para a população” (Direito Municipal Brasileiro, pp. 393-395).
Ainda
sobre o tem, pondera Toshio Mukai:
“a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 29).
E
nem seria despropositado obtemperar que a transformação assentida pelos atos
normativos combatidos teria potencialidade para incompatibilizar-se com o
princípio da impessoalidade,
adotado expressamente no art. 111 caput da
Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37 caput da Constituição Federal, porque foram instituídas em prol de
poucos que pretendem se segregar no usufruto restrito de bens públicos.
Deste
modo, as inovações legislativas urbanísticas impendem planejamento neutro e
objetivo, racional e imparcial, não inculcando mudanças tópicas capazes de
criar desequilíbrio subjetivo determinado.
Pelas
razões expostas, é flagrante a inconstitucionalidade da Lei nº 8.736, de 09 de
janeiro de 1996, do Município de Campinas, e se esparge aos Decretos expedidos com base em seu art. 9º, em
virtude da relação de dependência
com a lei impugnada.
IV
– Pedido
Face ao
exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei
nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas (e, por arrastamento,
dos Decretos expedidos com base em seu art. 9º).
Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e
à Câmara Municipal de Campinas, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados,
protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 17 de novembro de 2015.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
aca/dcm
Protocolado nº 74.316/2015
Interessado: propositura de ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 2.462/2011 (ref. Lei nº 8.736/1996, de Campinas)
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas (e, por arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 9º), junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 17 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm