Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 74.316/2015

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas. Fechamento de loteamentos. Ausência de participação comunitária. Concessão de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo. Violação à liberdade de circulação. Ausência de razoabilidade e interesse público. Invasão da esfera normativa alheia sobre direito civil e normas gerais de licitação e contratação pública. Desvinculação do Plano Diretor. 1. Lei inconstitucional por não ter sido assegurada a participação comunitária em seu respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89) e cuja iniciativa parlamentar caracteriza violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da reserva da Administração (art. 5º e 47, II e XIV, CE/89). 2. O fechamento de loteamentos, com outorga de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo, é restrição incompatível com as funções essenciais da cidade, a limitação à liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum do povo (art. 180, I, CE/89). 3. Legislação a que falta interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89): aquele significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição, discriminação incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça, bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável. 4. Incompatibilidade com a repartição constitucional de competências normativas, a que remete o art. 144, CE/89, pela invasão da competência alheia para legislar sobre direito civil, não havendo espaço para invocação de interesse local por não haver sua predominância nem para suplementação normativa que contraria regras federais. 5. Violação ao art. 144, CE/89, patenteada pela restrição à liberdade de circulação, princípio estabelecido como direito fundamental. 6. Ofensa à liberdade de associação, a qual pressupõe autonomia de vontade para se associar, permanecer e se retirar quando lhe aprouver.  7. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 8. Exceção à regra da licitação ao favorecer particular como concessionário de uso privativo de bens públicos que não se investiu nessa qualidade a partir de processo seletivo objetivo, público e imparcial, o que significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art. 144, CE/89.

 

 

 

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas (e, por arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 9º), pelos fundamentos a seguir expostos:

I – SINOPSE

         A Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas, foi objeto de análise por este colendo Órgão Especial (ADIn 065.051-0/8-00), quando promovida ação direta de inconstitucionalidade (fls. 23/45) arguindo sua incompatibilidade com a Constituição do Estado de São Paulo porque “(a) contém autorização genérica ao Prefeito para modificar, ao seu bel-prazer, a destinação original de bens de uso comum do povo, o que caracteriza delegação de poderes (CE., art. 5º e seu § 1º e art. 19, IV, V e VII) e (b) autoriza a desafetação de áreas de loteamento definidas como verdes ou institucionais (CE., art. 180, VII).” (fl. 45).

         Referida ação foi julgada improcedente por venerando acórdão deste colendo Órgão Especial (ADIn 065.051-0/8-00, Rel. Des. Luiz Elias Tâmbara, m.v., 05-02-2003) à vista dos fundamentos contidos na petição inicial, como se capta de sua fundamentação:

“(...)   É oportuno ressaltar que a Lei nº 8.736, de 1996, do MUNICÍPIO DE CAMPINAS, não delegou poderes ao Chefe do Poder Executivo, mas o autorizou a deferir a permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação e a aprovação do loteamento fechado, que é definido como aquele cercado ou murado, no todo ou em parte do seu perímetro, além de enumerar os encargos relativos à manutenção e à conservação dos bens públicos em causa, e permitir à Associação dos Proprietários controlar o acesso à área fechada do loteamento (artigos 9º, 10 e 13).

         A administração de bens municipais compreende o poder de utilização e conservação das coisas administradas, de competência exclusiva do Prefeito, salvo os bens utilizados nos serviços da Edilidade, cuja administração incumbe ao Presidente da Câmara. É desnecessária qualquer autorização para o Prefeito utilizar e conservar os bens da municipalidade.

         Na lição do saudoso Professor HELY LOPES MEIRELLES, ‘A administração municipal é dirigida pelo Prefeito, que, unipessoalmente, como Chefe do Executivo local, comanda, supervisiona e coordena os serviços de peculiar interesse do Município, auxiliado por Secretários Municipais ou Diretores de Departamento, conforme a organização da Prefeitura e a maior ou menor desconcentração de suas atividades, sendo permitida, ainda, a criação das autarquias e entidades paraestatais, visando à descentralização administrativa. As leis locais são votadas pela Câmara de Vereadores, órgão colegiado, com função legislativa precípua para todos os assuntos de peculiar interesse do Município e funções complementares de fiscalização e controle da conduta político-administrativa do Prefeito (julgamento de suas contas, cassação de mandato etc.), de assessoramento governamental (indicações ao executivo) e de administração de seus serviços auxiliares (organização interna da Câmara)’ (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 26ª edição atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Dácio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2001, págs. 729 e 730). Em seu “Direito Municipal Brasileiro”, o eminente mestre ressalta, com sua peculiar proficiência, que: ‘Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamento, recebimentos, entendimentos verbas ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. Atuando através das leis que elaborar e atos legislativos que editar, a Câmara ditará ao prefeito normas gerais da Administração, sem chegar à prática administrativa. A propósito, têm decidido o STF e os Tribunais estaduais que é inconstitucional a deslocação do poder administrativo e regulamentar do Executivo para o Legislativo. De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situação concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial’. Em outra passagem, da mesma obra, esclarece que: ‘A execução das obras e serviços públicos municipais está sujeita, portanto, em toda a sua plenitude, à direção do Prefeito, sem interferência da Câmara, tanto no que se refere às atividades internas das repartições da Prefeitura (serviços burocráticos ou técnicos), quanto às atividades externas (obras e serviços públicos) que o Município realiza e põe à disposição da coletividade’ (Malheiros Editores, 11ª edição, atualizada por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reis, págs. 507/508 e 645/646). Em outro passo dessa mesma obra, acrescenta que: ‘advirta-se, ainda, que, para as atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa à prerrogativas do prefeito’ (pág. 617).

         De outro lado, a outorga da permissão administrativa de uso dos bens públicos de uso comum integrantes do sistema viário interno das áreas objeto de fechamento em favor dos moradores, que se obrigam a manter às suas expensas a conservação do leito carroçável incluindo sinalização de tráfego, bem como das eventuais áreas públicas existentes no local, vedada qualquer edificação ou mudança de destinação destas últimas, não fere o disposto no artigo 180, inciso VII, da Constituição do Estado. Não se cuida de desafetação de bens públicos de uso comum, áreas verdes ou institucionais, senão de permissão administrativa de uso de tais bens, a título precário e sem desvio ou quebra da sua destinação originária, para fins de preservação e conservação. A permissão administrativa de uso de bens públicos para que o particular o conserve e o explore, de acordo com sua destinação específica, é defendida pela melhor doutrina.

         Cabe, ainda, analisar a suposta delegação do poder de polícia. O emérito e sempre lembrado Professor HELY LOPES MEIRELLES conceitua o poder de polícia nos seguintes termos: ‘é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo de que a polícia judiciária e a polícia de manutenção da ordem pública atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública, enquanto as outras duas são privativas de determinados órgãos (Policiais Civis) ou corporações (Polícias Militares).’ Em outro passo, aduz quais são os atributos específicos e peculiares do poder de polícia administrativa: ‘a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade’, explicando no que tange a esta última que: ‘o poder de polícia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem legal da autoridade competente, como elemento de coação e intimidação’ (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 26ª edição, atualizada por Eurico Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2001, págs. 123 e 131). O diploma legal impugnado, nesse específico ponto, limitou-se a autorizar os moradores a estabelecer normas para controlar o acesso à área fechada do loteamento. Nem o intérprete mais rigoroso conseguirá entrever nesse dispositivo usurpação das funções definidas em lei, a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (Constituição Paulista, artigo 141, ou da guarda municipal, destinada à proteção dos bens, serviços e instalações municipais, obedecidos os preceitos da lei federal (idem, artigo 147). O que caracteriza a polícia ostensiva é a farda específica da corporação e o armamento utilizado. Ao contrário disso, a vigilância e fiscalização para evitar o acesso de pessoas estranhas ao local visa a segurança de seus moradores.

(...)     Quanto ao teor do contido no artigo 18, da referida lei municipal, que prevê a permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação, total ou parcial, em loteamentos já existentes, há regra expressa no sentido de que o fechamento não poderá interromper o sistema viário da região, nem abranger os equipamentos urbanos institucionais comunitários, assim considerados os equipamentos públicos de educação, cultura, lazer e similares (incisos II e III, do artigo 18). De outra banda, o inciso IV, do mencionado artigo, que dispunha sobre a prévia desafetação das áreas públicas, foi revogado pela Lei nº 9.175, de 19 de dezembro de 1996.

         Em apertado resumo, após a leitura atenta do texto da lei chega-se à conclusão que ela não afronta a independência e harmonia entre os Poderes (artigo 5º “caput”, da CE); não implica delegação de competência do Legislativo ao Executivo (artigo 5º, § 1º, da CE); não exige procedimento legislativo para permissão de uso (incisos IV, V e VI do artigo 19, da CE); e não trata nem de permissão de uso de áreas institucionais e/ou áreas verdes (artigo 180, inciso VII, da CE), estando expressamente determinado que se situarão do lado externo dos loteamentos, está claro que a Lei nº 8.736, de 9 de janeiro de 1996, do MUNICÍPIO DE CAMPINAS, se ateve ao trato de matéria de competência legislativa do Município, relativa ao ordenamento urbano, prevista no artigo 30, inciso VIII, da Constituição da República.

         Pelo exposto, julgam improcedente o pedido formulado pelo ilustre PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA.” (fls. 11/18).

            Na promoção desta ação, esses argumentos não serão renovados. Serão fornecidos outros, inclusive os revelados a posteriori decorrentes da apreciação do processo legislativo (Projeto de Lei 248/95 – fls. 185/270) que redundou na edição da Lei nº 8.736/96, em especial, a ausência de participação comunitária.

         Cabe ressaltar que o instituto da coisa julgada material não incide no caso de improcedência da ação direta de inconstitucionalidade, não existindo óbice para a repropositura, desde que esta seja embasada em novos fundamentos ou nova causa de pedir.

         Neste sentido, leciona Luís Roberto Barroso:

“Parece totalmente inapropriado que se impeça o Supremo Tribunal Federal de reapreciar a constitucionalidade ou não de uma lei anteriormente considerada válida, à vista de novos argumentos, de novos fatos, de mudanças formais ou informais no sentido da Constituição ou de transformações na realidade que modifiquem o impacto ou a percepção da lei. Portanto, o melhor entendimento na matéria é o de que podem os legitimados do art. 103 propor ação tendo por objeto a mesma lei e pode a Corte reapreciar a matéria. O que equivale a dizer que, no caso de improcedência do pedido, a decisão proferida não se reveste da autoridade da coisa julgada matéria” (O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2012, 6ª ed., p. 135).

            Portanto, caracterizada a viabilidade da presente ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que está fundada em novos fundamentos, como será demonstrado a seguir, não obstante o Supremo Tribunal Federal ter assentado na espécie que:

“O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no ‘balançar de olhos’ entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição” (STF, Rcl 4.374-PE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 18-04-2013, m.v., DJe 04-09-2013).

II – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas, que “DISPÕE SOBRE A PERMISSÃO A TÍTULO PRECÁRIO DE USO DAS ÁREAS PÚBLICAS DE LAZER E DAS VIAS DE CIRCULAÇÃO, PARA CONSTITUIÇÃO DE LOTEAMENTOS FECHADOS NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”, assim preceitua:

“(...)

Art. 1º - Para os fins desta lei, conceitua-se loteamento fechado como sendo o loteamento cercado ou murado, no todo ou em parte do seu perímetro.

Art. 2º - As áreas públicas de lazer e as vias de circulação que serão objeto de permissão de uso, deverão ser definidas por ocasião da aprovação do loteamento aprovado de acordo com as exigências da Lei Federal nº 6766/79 e das demais exigências das legislações Estaduais e Municipais.

Art. 3º - A permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação somente será autorizada quando os loteadores submeterem a administração das mesmas à Associação dos Proprietários, constituída sob a forma de pessoa jurídica, com explícita definição de responsabilidade para aquela finalidade.

Art. 4º - As áreas públicas de lazer, definidas por ocasião do projeto de loteamento, deverão obedecer as seguintes disposições:

I - Uma parte de correspondente no mínimo a 65% (sessenta e cinco por cento) da área de lazer, sobre a qual não incidirá permissão de uso, deverá estar situada externamente ao loteamento, contígua ao mesmo, e deverá ser mantida sob a responsabilidade da Associação dos Proprietários, que exercerá, supletivamente, a defesa da utilização prevista no projeto, até que a Prefeitura exerça plenamente essa função.

Art. 5º - As áreas destinadas a fins institucionais, sobre as quais não incidirá permissão de uso, nos termos previstos na Legislação Federal, serão definidas por ocasião do projeto do loteamento, e deverão estrar situadas externamente, e serão mantidas sob responsabilidade da Associação dos Proprietários, que exercerá, supletivamente, a defesa da utilização prevista no projeto, até que a Prefeitura exerça plenamente esta função.

Art. 6º - A área máxima do loteamento fechado dependerá de considerações urbanísticas, várias, ambientais, e do impacto que possa ter sobre a estrutura urbana, sempre dentro das diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor.

§ 1º - No auto da solicitação do pedido de diretrizes deverá ser especificada a intenção de implantação da modalidade do loteamento.

§ 2º - As diretrizes urbanísticas definirão um sistema viário de contorno às áreas fechadas.

§ 3º - Em novos loteamentos os fechamentos situados junto ao alinhamento de logradouros públicos deverão respeitar recuos de 4 (quatro) metros. As faixas resultantes terão tratamento paisagístico e deverão ser conservadas pela Associação dos Proprietários.

§ 4º - Em caso de indeferimento do pedido, a Secretaria do Planejamento e Meio Ambiente, deverá apresentar as razões técnicas devidamente fundamentadas.

Art. 7º - Quando as diretrizes viárias definidas pela Prefeitura Municipal de Campinas seccionarem a gleba objeto de projeto de loteamento fechado, deverão essas vias estar liberadas para o tráfego, sendo que as porções remanescentes poderão ser fechadas.

Art. 8º - As áreas públicas de lazer e as vias de circulação, definidas por ocasião de aprovação do loteamento, serão objetos de permissão de uso por tempo determinado, podendo ser revogada a qualquer momento pela Prefeitura Municipal de Campinas, se houver necessidade devidamente comprovada, e sem implicar em ressarcimento.

Parágrafo Único - A permissão de uso referida no artigo 2º desta lei será outorgada à Associação dos Proprietários independente de licitação.

Art. 9º - Fica a Prefeitura Municipal de Campinas autorizada a outorgar o uso de que trata o artigo 2º, nos seguintes termos:

§ 1º - A permissão de uso e a aprovação do loteamento serão formalizados por decreto do Poder Executivo.

§ 2º - A outorga da permissão de uso deverá constar do registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis.

§ 3º - No decreto de outorga da permissão de uso deverão constar todos os encargos relativos à manutenção e à conservação dos bens públicos em causa.

§ 4º - Igualmente deverá constar no mesmo decreto que qualquer outra utilização das áreas públicas será objeto de autorização específica da Administração Direta ou Indireta da Prefeitura Municipal de Campinas.

Art. 10 - Será de inteira responsabilidade da Associação dos Proprietários a obrigação de desempenhar:

I - os serviços de manutenção das árvores e poda quando necessário;

II - a manutenção e conservação das vias públicas de circulação, do calçamento e sinalização de trânsito;

III - a coleta e remoção de lixo domiciliar que deverá ser depositado na portaria onde houver recolhimento da coleta de lixo;

IV - limpeza das vias públicas;

V - prevenção de sinistros;

VI - manutenção e conservação da rede de iluminação pública;

VII - outros serviços que se fizerem necessários;

VIII - garantia da ação livre e desimpedida das autoridades e entidades públicas que zelam para a segurança e bem estar da população.

Parágrafo Único - A Associação de Proprietários poderá, a fim de dar cumprimento aos incisos deste artigo e sob sua responsabilidade, firmar convênios ou contratar com órgãos públicos ou entidades privadas.

Art. 11 - Caberá a Prefeitura Municipal de Campinas a responsabilidade pela determinação, aprovação e fiscalização das obras de manutenção dos bens públicos.

Art. 12 - Quando a Associação dos Proprietários se omitir na prestação dos serviços, e houver desvirtuamento da utilização das áreas públicas, a Prefeitura Municipal de Campinas assumi-los-á, determinando o seguinte:

I - Perda do caráter de loteamento fechado;

II - Pagamento de multa correspondente a 0,1 UFMC/m2 de terreno, aplicável a cada proprietário de lote pertencente ao loteamento fechado.

Parágrafo Único - Quando a Prefeitura Municipal determinar a retirada das benfeitorias tais como fechamentos, portais e outras, esses serviços serão de responsabilidade dos proprietários. Se não executados nos prazos determinados, o serão pela prefeitura, cabendo à Associação dos Proprietários o ressarcimento de seus custos.

Art. 13 - Será permitido à Associação dos Proprietários controlar o acesso à área fechada do loteamento.

Art. 14 - As despesas do fechamento do loteamento, bem como toda a sinalização que vier a ser necessária em virtude de sua implantação, serão de responsabilidade da Associação dos Proprietários.

Art. 15 - As disposições construtivas e os parâmetros de ocupação do solo a serem observados para edificações nos lotes de terrenos deverão atender as exigências definidas pela lei municipal nº 6031/88 para a zona de uso onde o loteamento estiver localizado.

Art. 16 - Após a publicação do decreto de outorga da permissão de uso, a utilização das áreas públicas internas ao loteamento, respeitados os dispositivos legais vigentes, poderão ser objeto de regulamentação própria da entidade apresentada pela Associação dos Proprietários, enquanto perdurar a citada permissão de uso.

Art. 17 - Quando da descaracterização de loteamento fechado com abertura ao uso público das áreas objeto de permissão de uso, as mesmas passarão a reintegrar normalmente o sistema viário e de lazer do município, bem como as benfeitorias nelas executadas, sem qualquer ônus, sendo que a responsabilidade pela retirada do muro de fechamento e pelos encargos decorrentes será da Associação dos Proprietários respectivos.

Parágrafo Único - Se por razões urbanísticas for necessário intervir nos espaços públicos sobre os quais incide a permissão de uso segundo a lei, não caberá à Associação dos Proprietários qualquer indenização ou ressarcimento por benfeitorias eventualmente efetuadas.

Art. 18 - A permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação poderá ser total ou parcial em loteamentos já existentes, desde que:

I - haja a ausência de 50% (cinqüenta por cento) + 01 (um) dos proprietários dos lotes inseridos na porção objeto do fechamento;

II - o fechamento não venha a interromper o sistema viário da região;

III - os equipamentos urbanos institucionais não possam ser objeto de fechamento, sendo considerado comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares;

IV - as áreas públicas sejam objeto de prévia desafetação;

V - sejam obedecidas, no que couber, as exigências constantes desta lei.

§ 1º - Os loteamentos que foram fechados sem a devida permissão de uso das áreas públicas, e encontram-se em situação irregular, deverão enquadrar-se nas exigências constantes desta lei.

§ 2º - Os loteamentos que se enquadrarem no parágrafo anterior terão 180 (cento e oitenta) dias de prazo para sua regularização, sob pena de aplicação de multa igual a 0,01 UFMC/m2 de terreno, a cada proprietário de lote pertencente ao loteamento, por dia de permanência em situação irregular, após o prazo estipulado.

Art. 19 - As penalidades previstas no artigo 12 e § 2º do artigo 18 da presente lei serão processadas através de auto de infração e multa que deverá ser lavrado com clareza, sem omissões, ressalvas e entrelinhas e deverá constar obrigatoriamente:

I - data de lavratura;

II - nome de localização do loteamento;

III - descrição dos fatos e elementos que caracterizam a infração;

IV - dispositivo legal infringido;

V - penalidade aplicável;

VI - assinatura, nome legível, cargo e matrícula da autoridade fiscal que constatou a infração e lavrou o auto.

Parágrafo Único - Após a lavratura do auto de infração, será instaurado o processo administrativo contra o infrator, providenciando-se, se ainda não tiver ocorrido, sua intimação pessoal, ou por via postal com aviso de recebimento ou por edital publicado Diário Oficial do Município.

Art. 20 - As Associações de Proprietários, outorgadas nos termos desta lei, afixarão em lugar visível na (s) entrada (s) do loteamento fechado, placa (s) com os seguintes dizeres:

- (denominação do loteamento)               PERMISSÃO DE USO REGULAMENTADA PELO DECRETO (nº e data) NOS TERMOS DA LEI MUNICIPAL (nº e ano) OUTORGADA À (razão social da Associação, nº do CGC e/ou Inscrição Municipal).

Art. 21 - Caberá impugnação do Auto de Infração e a imposição de penalidade, a ser apresentada pelo autuado, junto ao serviço de protocolado da Prefeitura Municipal, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data de lavratura do auto, sob pena de revelia.

Art. 22 - VETADO.

Art. 23 - VETADO.

Art. 24 - A decisão definitiva que impuser ao autuado a pena de multa ou perda do caráter do loteamento fechado, deverá ser cumprida no prazo de 10 (dez) dias contados da data da comunicação.

Art. 25 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)” (fls. 262/263) (g.n.).

 

III – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         Os atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

         Conforme será demonstrado, a inconstitucionalidade da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas, manifesta-se pela dissonância de tais atos normativos com os seguintes preceitos da Constituição Bandeirante:

“Artigo  - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

§  - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.

(...)

Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

(...)

XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Artigo 181 - Lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§ 1º - Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal”.

 

 

A – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL

         A autorização para fechamento de loteamentos é norma urbanística e como tal a aprovação de lei que discipline tais matérias depende da participação comunitária em seu respectivo processo legislativo. No caso, não foi observada essa importante formalidade essencial – que aquinhoa legitimidade material ao seu conteúdo – determinada pelo inciso II do art. 180 da Constituição do Estado de São Paulo que reproduz o art. 29, XII, da Constituição Federal – como se verifica da análise do processo legislativo da Lei nº 8.736/1996, do Município de Campinas.

         O dispositivo constitucional parâmetro do controle de constitucionalidade da lei municipal em foco nesta sede assegura a participação da população em todas as matérias atinentes ao desenvolvimento urbano e ao meio ambiente, inclusive nos anteprojetos e projetos de lei, e, são reiteradamente prestigiados pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).

“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.

‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).

            A democracia participativa decorrente do art. 180, II, da Constituição Estadual, alcança a elaboração da lei antes e durante o trâmite de seu processo legislativo até o estágio final de sua produção. Ela permite que a população participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de vida e os usos urbanísticos.

         outros fundamentos.

         A legislação impugnada (leis e decretos municipais) não se atém aos limites do interesse local, círculo da competência normativa dos Municípios, incompatibilizando-se com o princípio federativo que impõe a observância das balizas constitucionais destinadas a delimitar as competências legislativas dos entes federativos, sob pena de atentar ao princípio federativo, e cuja sindicância é viável nesta via por caracterizar-se ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual.

         Com efeito, o texto normativo impugnado contrasta com o art. 144 da Constituição Estadual, norma que determina a observância da Constituição Federal e da Constituição Estadual pelos Municípios no exercício de sua autonomia, reproduzindo o caput do art. 29 da Constituição Federal.

         O art. 144 da Constituição Estadual impondo a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

         Destarte, é possível examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas constitucionais centrais, viabilizando por força da mencionada norma remissiva o seu contraste com a repartição constitucional de competências legislativas inerentes ao princípio federativo, em especial o art. 22, I, da Constituição Federal, que arrola o direito civil no espaço da competência normativa privativa da União.

         A disciplina do fechamento de loteamentos e vias públicas é matéria inerente ao direito civil, sobre o qual o Município não detém competência normativa, não havendo espaço para invocação de interesse local por não haver sua predominância nem para suplementação normativa que contraria regras federais. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte julgado:

“Ora, em se tratando de competência privativa da União, e competência essa que não pode ser exercida pelos Estados se não houver lei complementar – que não existe – que a autorize a legislar sobre questões específicas dessa matéria (artigo 22 da Constituição), não há como pretender-se que a competência suplementar dos Municípios prevista no inciso II do artigo 30, com base na expressa vaga aí constante ‘no que couber’ se possa exercitar para a suplementação dessa legislação da competência privativa da União (...)” (STF, RE 227.384-SP).

            Portanto, a legislação municipal contestada é incompatível com o art. 144 da Constituição Estadual.

B – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL

         Não obstante a inconstitucionalidade apontada, os atos normativos objurgados também estão maculados por inconstitucionalidade material.

         Isso porque, ex vi do disposto nos incisos I e V do art. 180 da Constituição Paulista, aos quais a produção normativa municipal está subordinada, o Município, ao traçar as normas de desenvolvimento urbanístico, tem o dever de assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, dentre as quais a circulação, e observar as normas urbanísticas e de qualidade de vida. José Afonso da Silva assevera que uma vez instituído o sistema viário, por meio da afetação do bem, o acesso público a ele torna-se um poder legal exercitável erga omnes, em face do qual não se opõe nenhum limite – configurado, por exemplo, pela exigência de identificação para ingresso no loteamento fechado:

“O sistema viário é o meio pelo qual se realiza o direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção, direito de ir e vir e também de ficar (estacionar, parar), assegurado na Constituição Federal. Pedro Escribano Collado, em excelente monografia sobre as vias urbanas, coloca muito bem o problema, nas seguintes palavras: `De maneira ampla, e do ponto de vista do usuário, pode definir-se o direito à circulação como a faculdade, enquanto perdure a afetação da via, de deslocar-se através dela de um lugar para outro do núcleo urbano. Enquanto se tratar de bem afetado, a utilização não constituirá uma mera possibilidade, mas um poder legal exercitável erga omnes. Em consequência, a Administração não poderá impedir, nem geral nem singularmente, o trânsito de pessoas de maneira estável, a menos que desafete a via, já que, de outro modo, se produziria uma transformação da afetação por meio de uma simples atividade de polícia” (José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 5ªed., p. 183-184).     

         Da leitura da Lei nº 8.736/96, do Município de Campinas, – em especial do art. 13 (“Será permitido à Associação dos Proprietários controlar o acesso à área fechada do loteamento”) – é cristalina a restrição a ampla liberdade de circulação e de usufruto dos bens públicos de uso comum do povo, enfim, às funções sociais da cidade, rompendo com a diretiva de observância das normas urbanísticas e de qualidade de vida, de modo a colidir com o art. 180, I e V, da Constituição Estadual.

         Além disso, e por conta da norma remissiva do art. 144 da Constituição Estadual, há notória supressão do direito fundamental à liberdade de locomoção e circulação, previsto no art. 5º, caput e inciso XV, da Constituição Federal. Sobre a temática, importante consignar o posicionamento sedimentado na jurisprudência do Pretório Excelso:

“- LOTEAMENTO. RUA DE ACESSO COMUM. CONDOMÍNIO INEXISTENTE. Com o condomínio singulariza-se a propriedade dos lotes, caindo no domínio público e no livre uso comum a rua de acesso. Não é juridicamente possível, em tais circunstâncias, pretender-se constituir condomínio sobre a rua, à base da Lei 4.591/64. Nulidade da convenção condominial e dos atos dela decorrentes. Recurso extraordinário provido”. (STF, RE 100.467-3, Rel. Min. Francisco Rezek).

         Em questão similar, assim voltou a se pronunciar a E. Corte Constitucional:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos. Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições, pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às ‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).

            Gizado nesse venerando aresto que:

“(...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...) 4. O artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos. Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca aos bens de uso comum”.

            Em conclusão, há novamente ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista.

         A restrição à circulação permitida pelos atos normativos impugnados não se alia ao interesse público nem à razoabilidade. O interesse público, ao contrário da providência legislativa adotada, é a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a limitação instituída nas normas vergastadas que, além de irrazoáveis, são desprovidas de racionalidade, justiça e bom senso, implantando discriminação insuportável.

         Não se deve olvidar que vias públicas são bens de uso comum do povo, assim como que vias e praças, espaços livres e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos nos loteamentos passam a integrar o patrimônio público municipal a partir de seu registro.

         E diferente do regulado pela Lei nº 6.766/79 e pelo Código Civil, no fechamento de loteamentos, pelo Município de Campinas, que mais se assemelha a um “condomínio privado”, o particular não está a serviço da administração, mas a serviço próprio; nada é feito em favor da coletividade, trata-se de investimentos privados destinados a seus titulares.

         Não há preconceito à utilização de bens públicos por particulares, situação essa disciplinada pela autorização, permissão e concessão de uso, precedidas de licitação, inspiradas pela satisfação do interesse geral. O que se pretende nesta exordial é combater a instituição de “condomínios privados” em áreas públicas, visto que contraria o interesse público, a função social da cidade e a ordem jurídica.

         E nem se alegue, por oportuno, a insuficiência dos órgãos de segurança pública no combate à criminalidade para se legitimar o fechamento de áreas públicas em prol da fruição de pequena parcela da população.

         No atual estágio civilizatório, todos os cidadãos encontram-se vulneráveis (em diferentes graus) à crescente onda de violência, e a decisão de se privilegiar determinados munícipes com o fechamento de suas vias ou bairros, em detrimento de outros, revela-se ato totalmente refratário ao primado da isonomia, vez que possui traços de pessoalidade e arbitrariedade, isso sem mencionar a possibilidade de óbice ao direito geral de locomoção nos perímetros que compõem a urbe.

         Em relação ao tema sub judice, lança-se precedente firmado neste Sodalício, in verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI  MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA - O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI 9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).

            No mesmo sentido, vetusto acórdão do Supremo Tribunal Federal fixou que o interesse público é preservado pela defesa da livre utilização de bem público de uso comum do povo:

“Loteamento. Fechamento de acesso a ruas que interligam lotes e conduzem à orla marítima. - Legalidade de ato da Prefeitura Municipal, removendo obstáculos que impediam aquele livre acesso. - Inconstitucionalidade inocorrente da Lei Municipal nº 557/79, de Ubatuba: assegura direito à utilização de bem público de uso comum do povo. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, RE 94.253-SP, 1ª Turma, Rel.  Min. Oscar Correa, 12-11-1982, v.u., DJ 17-12-1982, p. 13.209).

            Os atos normativos combatidos ofendem, outrossim, o direito de liberdade de associação previsto no art. 5, incisos XVII e XX, da Constituição Federal, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

         Pelo que se depreende do art. 3° da Lei nº 8.736/96, do Município de Campinas, é necessária a constituição de uma entidade representativa dos proprietários (“A permissão de uso das áreas públicas de lazer e das vias de circulação somente será autorizada quando os loteadores submeterem a administração das mesmas à Associação dos Proprietários”), o que significa compelir os proprietários de imóveis a se associarem e manterem-se associados, pois, dessa forma, viabiliza-se o fechamento de loteamentos, vilas e ruas sem saída.

         Tratando do conteúdo da liberdade de associação, anota Paulo Gustavo Gonet Branco que:

“Os dispositivos da Lei Maior brasileira a respeito da liberdade de associação revelam que, sob a expressão, estão abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações, b) a de ingressar nelas, (c) a de abandoná-las e de não associar, e, finalmente, (d) a de sócios se auto-organizarem e desenvolverem as suas atividades associativas” (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2013, pp. 303-305).

            A associação pressupõe ato de vontade. A jurisprudência é fértil ao censurar a restrição à liberdade de associação resultantes de condomínios atípicos:

“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COBRANÇA DE NÃO ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO 'ENUNCIADO SUMULAR N° 168/STJ. Consoante entendimento sedimentado no âmbito da Eg. Segunda Seção Desta Corte Superior, as taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que fixou o encargo (Precedentes: AgRg no Ag 1179073/RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 02/02/2010; AgRg no Ag 953621/RJ, Rei. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 14/12/2009; AgRg no REsp 1061702/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, Quarta Turma, DJe de 05/10/2009; AgRg no REsp 1034349/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 16/12/2008. (...)”. (STJ, AgRg-EREsp 961.927-RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 15-09-2010).

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, ‘as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo’ (ERESP nº 444.931/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, rel. p/o acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 1º.2.2006’. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg-REsp 613.474-RJ, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05-10-2009).

“Existem precedentes concluindo que o condomínio, ainda que atípico, tem legitimidade para propor ação de cobrança de despesas condominiais. No caso, todavia, a autora da ação de cobrança é simples associação de moradores – quando muito, o que se denomina condomínio atípico. As deliberações desses condomínios atípicos não podem atingir quem delas não tomou parte. Vale dizer: as obrigações assumidas pelos que espontaneamente se associaram para ratear as despesas comuns não alcançam terceiros que a elas não aderiram” (TJSP, Apelação 0041203-52.2004.8.26.0114, Rel. Des. Moreira Viegas).

            Ora, se ninguém pode ser compelido a se associar ou manter-se associado.

         Todavia, não é o que ocorre na questão apresentada, vez que para materialização do fechamento a lei impugnada acaba por obrigar os proprietários de imóveis a pactuar com essa prática vedada pelo ordenamento, não lhes restando outra opção a não ser aderir aos desmandos da associação, sob pena de não poderem fruir desses bens comuns, além de dificultar-lhes o gozo de seu próprio patrimônio imobiliário situado nessas áreas indevidamente fechadas, já que dependem da condição de associados.

         Por outro lado, a legislação impugnada, em seu art. 8º, parágrafo único, prevê que “A permissão de uso referida no artigo 2º desta lei será outorgada à Associação dos Proprietários independente de licitação”, de modo que tal dispositivo criou exceção à regra da licitação, violando o art. 117 da Constituição Estadual que reproduz os arts. 37, XXI e 175 da Constituição Federal, ao favorecer como usuário privativo de bens públicos pessoa jurídica de direito privado sem que esta tenha participado de processo seletivo objetivo, público e imparcial.

         Tal significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo sobre uso de bens públicos e execução de serviços públicos (arts. 22, XXVII, 37, XXI, e 175, Constituição Federal), patenteando, novamente, ofensa à competência normativa alheia, sindicável por força do art. 144 da Constituição Estadual, ao remeter ao art. 22, XXVII, da Constituição Federal.

         As exceções à licitação (inexigibilidade, dispensa, dispensabilidade, proibição) constituem matérias da essência das normas gerais de licitações e contratações públicas, não sendo lícito aos Municípios disciplinarem o assunto em lei para além das prescrições contidas em lei federal. Neste sentido:

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DE AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA COM REPRESENTAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL PARA DEFLAGRAR O PROCESSO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM TESE. INTELIGÊNCIA DO ART. 103, INCISO VIII, DA MAGNA LEI. REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA ANTECIPADAMENTE SATISFEITO PELO REQUERENTE. IMPUGNAÇÃO DA LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUIU, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUL-RIO-GRANDENSE, A PREFERENCIAL UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE DO AUTOR QUE APONTA INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO, BEM COMO USURPAÇÃO COMPETENCIAL VIOLADORA DO PÉTREO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECONHECE-SE, AINDA, QUE O ATO NORMATIVO IMPUGNADO ESTREITA, CONTRA A NATUREZA DOS PRODUTOS QUE LHES SERVEM DE OBJETO NORMATIVO (BENS INFORMÁTICOS), O ÂMBITO DE COMPETIÇÃO DOS INTERESSADOS EM SE VINCULAR CONTRATUALMENTE AO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (RTJ 192/163).

“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 02-04-2007, v.u., DJe 18-05-2007).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...)” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).

“SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE DIREITO DE EMPRESA TRANSPORTADORA DE OPERAR PROLONGAMENTO DE TRECHO CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. Afastada a alegação do recorrido de ausência de prequestionamento dos preceitos constitucionais invocados no recurso. Os princípios constitucionais que regem a administração pública exigem que a concessão de serviços públicos seja precedida de licitação pública. Contraria os arts. 37 e 175 da Constituição federal decisão judicial que, fundada em conceito genérico de interesse público, sequer fundamentada em fatos e a pretexto de suprir omissão do órgão administrativo competente, reconhece ao particular o direito de exploração de serviço público sem a observância do procedimento de licitação. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e a que se dá provimento” (RT 837/125).

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a partir da vigência da Constituição de 1988, a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração. II – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 792.149-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-10-2010, v.u., DJe 16-11-2010).

            Não bastasse, as normas impugnadas também são inconstitucionais por ofensa aos arts. 180, V, e 181, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo.

         Das normas municipais de desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas, que instituam conformidade com diretrizes do plano diretor, que deve caráter integral (art. 181, caput e § 1º, da Constituição Paulista).

         A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:

“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).

            A Constituição do Estado acolhe objetiva e expressamente o princípio do planejamento em matéria urbanística, predicado por integralidade, compatibilidade e globalidade, e que se consubstancia no plano diretor, acolitado pelo princípio da conformidade com as normas urbanísticas e de qualidade de vida.

         A exigência do plano diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, está assentada no § 1º do art. 182 da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre da regra contida no art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, não bastasse o art. 181 desta. E o art.182 caput da Carta Magna disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

         Se o inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”, seu exercício não pode se distanciar dos demais cânones constitucionais federais e estaduais incidentes, seja qual for o propósito da legislação urbanística municipal.

         O que se infere dos dispositivos acima apontados que a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei, e as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município.

         Ora, a sistemática constitucional, quanto à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo, torna patente que o casuísmo resta evidenciado nos atos normativos que regulam situações isoladas, como ocorre na hipótese em apreço, violando diretamente a sistemática constitucional incidente sobre a matéria, vez que qualquer modificação legislativa que envolva a política de desenvolvimento urbano, o zoneamento e a ocupação e uso do solo deve ser realizada dentro de um contexto de planejamento, e de diretrizes gerais, não se admitindo ordenação dissociada da utilização global do solo urbano.

         Tratando da elaboração do plano diretor, anota Hely Lopes Meirelles que “toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação” e acresce que “a elaboração do plano diretor é tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento do Município e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e utilidade para a população” (Direito Municipal Brasileiro, pp. 393-395).

         Ainda sobre o tem, pondera Toshio Mukai:

“a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 29).

            E nem seria despropositado obtemperar que a transformação assentida pelos atos normativos combatidos teria potencialidade para incompatibilizar-se com o princípio da impessoalidade, adotado expressamente no art. 111 caput da Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37 caput da Constituição Federal, porque foram instituídas em prol de poucos que pretendem se segregar no usufruto restrito de bens públicos.

         Deste modo, as inovações legislativas urbanísticas impendem planejamento neutro e objetivo, racional e imparcial, não inculcando mudanças tópicas capazes de criar desequilíbrio subjetivo determinado.

         Pelas razões expostas, é flagrante a inconstitucionalidade da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas, e se esparge aos Decretos expedidos com base em seu art. 9º, em virtude da relação de dependência com a lei impugnada.

IV – Pedido

         Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas (e, por arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 9º).

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Campinas, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

         Termos em que, pede deferimento.

                  São Paulo, 17 de novembro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/dcm

 

 

Protocolado nº 74.316/2015

Interessado: propositura de ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 2.462/2011 (ref. Lei nº 8.736/1996, de Campinas)  

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 8.736, de 09 de janeiro de 1996, do Município de Campinas (e, por arrastamento, dos Decretos expedidos com base em seu art. 9º), junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 17 de novembro de 2015.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/dcm