EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
107.879/2015
Constitucional. Administrativo. Financeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1.638, de 19 de dezembro de 2006, do Município de Itirapuã. Vinculação proibida da receita de impostos. Inconstitucionalidade. 1. A Lei nº 1.638/06 autoriza o Poder Executivo a devolver 25% (vinte e cinco por cento) do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), devidamente recolhido pelo contribuinte, que vier a transferir veículo registrado em seu nome em outro Município para o Município de Itirapuã. 2. Benefício fiscal consistente na devolução de parcela do IPVA recolhido pelo contribuinte, mediante vinculação de receita de imposto a cuja parcela tem direito o Município, incompatível com o princípio da não afetação de receita de imposto a despesa (art. 176, IV, CE/89).
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 107.879/2015), vem perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei nº 1.638, de 19 de dezembro de 2006, do Município de Itirapuã,
pelos seguintes fundamentos:
1. ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado a partir de representação encaminhada pelo DD. 5º Promotor de
Justiça de São Miguel Paulista, Dr. Kenzo Ricardo Catelan Yano (fls. 02/41).
A Lei
nº 1.638, de 19 de dezembro de 2006, do Município de Itirapuã, que “Autoriza o Executivo a devolver 25% (vinte e
cinco por cento) do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)
e dá outras providências”, tem a seguinte redação:
“Lei nº 1.638, de 19 de dezembro de 2006
(...)
Art. 1° - Fica o Poder Executivo autorizado a devolver 25% (vinte e cinco por cento) do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), devidamente recolhido pelo contribuinte que transferir veículos automotores registrados em outros municípios para o Município de Itirapuã, nos termos e limites da legislação aplicável.
Art. 2° - O benefício previsto no art. 1º desta Lei será concedido por uma única vez e deve ser requerido pelo próprio contribuinte no mesmo ano em que houver o efetivo recolhimento do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) licenciados no Município de Itirapuã, no prazo de 30 (trinta) dias após a comprovação do recolhimento total do imposto.
Art. 3° - O requerimento exigido pelo artigo anterior deve estar acompanhado dos seguintes documentos devidamente autenticados:
I – cópia do documento de propriedade de veículo para o Município de Itirapuã;
II – cópia de documento que comprova a transferência do veículo para o Município de Itirapuã;
III – cópia da guia de recolhimento do imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA);
Art. 4° - O benefício previsto nesta Lei não será concedido se requerido fora do prazo previsto no art. 2º.
Art. 5º - A Secretaria Municipal de Economia e Finanças (Tesouraria) ficará responsável pela prática dos atos necessários à fiel execução da presente lei.
Art. 6º - Para atender as despesas decorrentes desta Lei, fica o Poder Executivo autorizado abrir crédito adicional especial até o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), suplementando, se for o caso.
Art. 7º - Esta Lei estará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
(...)”.
A
lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como
será demonstrado a seguir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O
ato normativo ora impugnado, ao permitir a devolução de 25% (vinte e cinco por
cento) do valor do IPVA recolhido pelo contribuinte que vier a transferir veículo
registrado em seu nome em outro Município para o Município de Itirapuã, o faz
violando o princípio da proibição de vinculação de receita tributária, previsto
no art. 176, IV, da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força
do art. 144 da mesma Carta:
“(...)
Art. 176 – São
vedados:
(...)
IV - a vinculação de receita de
impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as permissões previstas no art.
167, IV, da Constituição Federal e a destinação de recursos para a pesquisa
científica e tecnológica, conforme dispõe o art. 218, § 5º, da Constituição
Federal.
(...)”.
O art. 144 da Constituição Estadual, que
determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição
Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual
de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da
autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição
Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle
concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl
10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl
10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
O preceito
constitucional estadual supramencionado agasalha o princípio da não afetação,
consistente na impossibilidade de vinculação da receita de impostos a órgãos,
fundos ou despesas, com exceção de algumas hipóteses previstas na norma
constitucional.
O princípio
da não afetação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa denota a
característica não vinculada dessa espécie tributária (Kiyoshi Harada. Direito Financeiro e Tributário, São
Paulo: Atlas, 1998, 4ª ed., p. 74) e significa que “não pode haver mutilação
das verbas públicas. O Estado deve ter disponibilidade da massa de dinheiro
arrecadado, destinando-o a quem quiser, dentro dos parâmetros que ele próprio
elege como objetivos preferenciais” (Régis Fernandes de Oliveira. Curso de Direito Financeiro, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 328).
O princípio
da não afetação se justifica “na medida em reserva ao orçamento e à própria
Administração, em sua atividade discricionária na execução da despesa pública,
espaço para determinar os gastos com os investimentos e as políticas sociais”
(Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito
Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª
ed., vol. V, p. 275), pois, “em virtude da generalidade e da impessoalidade que
haverão de presidir a elaboração e a execução do orçamento, em obséquio,
inclusive, ao postulado de igualdade, que não poderia tolerar privilégios na
destinação dos recursos públicos, que pertencem a toda a coletividade e não a
um grupo de suseranos” (Eduardo Marcial Ferreira Jardim. Manual de Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Saraiva,
1994, 2ª ed., p. 25).
Como
esclarece a literatura especializada, na atividade financeira, a Administração
Pública deve ter a prerrogativa de estabelecimento de metas e prioridades e os
recursos oriundos dos impostos se destinam, via de regra, ao atendimento das
necessidades gerais, e o princípio tende a evitar leis que, vinculando receita
proveniente de impostos, prejudiquem o custeio de despesas genéricas pelo
orçamento (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional, São
Paulo: Saraiva, 1999, 3ª ed., p. 348; Pinto Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1994,
vol. VI, p. 115), assegurando “que os recursos sejam livres e à disposição para
a realização de obras e serviços, em conformidade com as necessidades
existentes e em obediência à escala de prioridades estabelecida a partir de
análise rigorosa da situação existente” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição,
São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 697).
A vedação
constitucional é prestigiada na jurisprudência para neutralização da destinação
de imposto para financiamento de programa habitacional (RTJ 167/287), programas
de desenvolvimento econômico (STF, ADI 1.759-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Gilmar Mendes, 14-04-2010, v.u., DJe 20-08-2010), incentivo aos esportes (RTJ
202/68) e fornecimento gratuito de energia elétrica (STF, ADI-MC 2.848-RN,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 03-04-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p.
26), proclamando-se a inadmissibilidade de extensão das exceções
constitucionalmente previstas ao princípio da não afetação.
Trata-se de
princípio constitucional de obediência obrigatória não só pela União, mas,
também, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios (STF, ADI
103-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 03-08-1995, v.u., DJ
08-09-1995, p. 28.353), atuando como princípio sensível e norma de reprodução
obrigatória pelos Estados e Municípios.
Portanto, o
princípio da não afetação é acima de tudo uma interdição dirigida à lei, ao
processo legislativo e ao legislador, pois, como destacado pelo Ministro Celso
de Mello, “traduz vedação constitucional que incide sobre o legislador, pois
impede que se proceda, em sede meramente
legislativa, à vinculação”, que “há de ser observada pelo legislador comum, que
não poderá fixar regras em sentido diverso, ressalvadas, unicamente, as
situações excepcionais previstas, de modo expresso, no texto da própria
Constituição da República” (STF, ADI-MC 2.355-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello,
19-06-2002, m.v., DJe 29-06-2007).
Cuida-se, também, de norma de direito financeiro e não de
direito tributário (STF, AgR-RE 329.196-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso,
17-09-2002, v.u., DJ 11-10-2002, p. 42).
As exceções
ao princípio estão topicamente enumeradas no art. 167, IV, e § 4º, da
Constituição Federal, e concorrem outras expressamente indicadas na
Constituição Federal (arts. 100, § 15, 204, parágrafo único, 216, § 6º, 218, §
5º) e no Ato das Disposições Transitórias (arts. 71, 72, 79, 80, 82). O art.
176, IV, da Constituição Estadual, reproduz o art. 167, IV, da Constituição
Federal.
A não
afetação é a regra e a vinculação a exceção; dessa sentença decorre a
inadmissibilidade da ampliação das exceções pelas Constituições Estaduais, Leis
Orgânicas Municipais ou leis (STF, ADI 1.689-PE, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Sydney Sanches, 12-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 25), porque a sua
enumeração é taxativa e sua sede é a Constituição Federal; ademais, essas
exceções configuraram direito estrito, merecendo interpretação restritiva que
refuta ampliações de seu alcance e de seu sentido.
O princípio
da não afetação não diz respeito somente aos tributos próprios, como os do
Município (ISS, ITBI, IPTU).
O § 4º do
artigo 167, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 03, de 17 de março de
1993, arrola expressamente outras exceções permissivas da vinculação de
receitas próprias geradas pelos impostos estaduais e municipais (artigos 155 e
156, Constituição Federal) e dos recursos da repartição das receitas
tributárias (artigos 157, 158 e 159, I, a
e b, e II), para a prestação de
garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com a
União. O § 4º do art. 167 da Constituição Federal cunha como exceção –
merecedora de interpretação restritiva – a vinculação dos recursos decorrentes
de transferências tributárias somente quando destinadas à prestação de garantia
ou contragarantia à União para pagamentos de débitos com ela.
Sem
obliterar a finalidade do princípio, o art. 176, IV, da Constituição Estadual,
reproduzindo o art. 167, IV, da Constituição Federal, enuncia que a afetação
vedada é da “receita de impostos”, e não “de impostos”, de maneira a frasear
que o dispositivo compreende não somente a proibição da “vinculação de receita
de impostos” como também a de “vinculação de impostos”, denotando o primeiro
significado maior amplitude porque abarca receitas de impostos próprios ou não,
como as decorrentes de transferências tributárias.
Não se pode
perder de vista que, se é verdade que uma das exceções à não afetação é
endereçada ao ente tributante na repartição do produto da arrecadação dos
impostos (transferências públicas governamentais), a interpretação
constitucional revela que, para a entidade dotada de competência tributária, a
destinação de parcela da receita oriunda de seus impostos é vinculada às
entidades políticas beneficiadas com a participação na arrecadação, e não que a
titularidade ou o ingresso da receita daí partilhada na entidade beneficiada
possa ser por ela vinculada, salvo aquela oriunda dos arts. 198, § 2º, e 212,
da Constituição Federal e para os fins ali indicados.
Ademais,
ressalta a adequada exegese constitucional que, em se tratando de receita
resultante da arrecadação e participação de imposto estadual (como o IPVA, por
exemplo), a sua afetação (ou vinculação) só é admitida nas hipóteses
constitucionalmente previstas (e não para garantir devolução do imposto aos
contribuintes que transferirem o registro do veículo ao Município, como no caso
dos autos).
Para o
efeito do alcance do princípio da não afetação, é irrelevante se a receita é
oriunda de imposto de competência própria ou alheia (isto é, resultante da
participação). Como dito, a fórmula constitucional expressiva da regra da não
afetação não menciona “vinculação de impostos”, mas, e com maior dimensão,
“vinculação da receita de impostos”, o que abrange, destarte, a arrecadação
tributária própria ou partilhada.
De fato, o
dado relevante é a consideração do ingresso decorrente da participação no
produto de impostos de outro ente tributante (transferência corrente) como
receita pública derivada de natureza tributária, pois obtida a partir de
obrigação legal que grava o patrimônio particular e transfere suas riquezas ao
Estado – perfeitamente amoldada ao conceito de tributo constante do art. 3º do
Código Tributário Nacional. Como salientado em julgamento do Supremo Tribunal
Federal, é “irrelevante se a destinação ocorre antes ou depois da entrada da
receita nos cofres públicos” (RTJ 202/68).
A vantagem
prevista é um benefício ou incentivo financeiro. É como se o erário municipal
recebesse parcela da arrecadação de imposto alheio (IPVA) e concedesse um
percentual ao particular (devolução do imposto), gerando uma espécie de dispêndio
público, pois o benefício é egresso do erário municipal.
Consoante
elucida a literatura especializada, a partir da arrecadação, “quando o dinheiro
entra nos cofres públicos, ele fica sujeito às regras do Direito Financeiro”
(Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito
Financeiro e de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1992, 2ª ed., p.
136), o que compreende as regras da repartição de receitas tributárias. Neste
sentido, acentua a doutrina:
“Os privilégios tributários, que operam na vertente da receita, estão em simetria e podem ser convertidos em privilégios financeiros, a gravar a despesa pública. A diferença entre eles é apenas jurídico-formal. A verdade é que a receita e a despesa são entes de relação, existindo cada qual em função do outro, donde resulta que tanto faz diminuir-se a receita, pela isenção ou dedução, como aumentar-se a despesa, pela restituição ou subvenção, que a mesma conseqüência financeira será obtida” (Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 2ª ed., vol. V, p. 259).
O benefício
financeiro em foco pode ser encarado, para o Município, como devolução do
imposto a título de incentivo, não se apresentando, a rigor, como incentivo
tributário ou fiscal, mas um incentivo financeiro. A importância “devolvida”
não é tributo em si, categoria exclusiva da receita, mas uma prestação de
direito público idêntica a qualquer outra obrigação do Estado.
No caso dos
autos, o ressarcimento das despesas e investimentos privados é promovido
através de recursos gerados pela arrecadação do IPVA repassada ao Município
(arts. 1º e 2º, da Lei nº 1.638/06). Trata-se, portanto, de vinculação proibida
da receita de imposto a uma despesa, em flagrante inconstitucionalidade ao
ordenamento constitucional. Neste sentido, pronuncia a jurisprudência:
“LEI ESTADUAL QUE DETERMINA QUE OS MUNICÍPIOS DEVERÃO APLICAR, DIRETAMENTE, NAS ÁREAS INDÍGENAS LOCALIZADAS EM SEUS RESPECTIVOS TERRITÓRIOS, PARCELA (50%) DO ICMS A ELES DISTRIBUÍDA - TRANSGRESSÃO À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA NÃO-AFETAÇÃO DA RECEITA ORIUNDA DE IMPOSTOS (CF, ART. 167, IV) E AO POSTULADO DA AUTONOMIA MUNICIPAL (CF, ART. 30, III) - VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE IMPEDE, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, A VINCULAÇÃO, A ÓRGÃO, FUNDO OU DESPESA, DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS - INVIABILIDADE DE O ESTADO-MEMBRO IMPOR, AO MUNICÍPIO, A DESTINAÇÃO DE RECURSOS E RENDAS QUE A ESTE PERTENCEM POR DIREITO PRÓPRIO - INGERÊNCIA ESTADUAL INDEVIDA EM TEMA DE EXCLUSIVO INTERESSE DO MUNICÍPIO - DOUTRINA - PRECEDENTES - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - CONFIGURAÇÃO DO ‘PERICULUM IN MORA’ - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (STF, ADI-MC 2.355-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, m.v., DJe 28-06-2007).
Nesse
julgamento ficou assentado que:
“O exame do diploma legislativo estadual em causa parece evidenciar que a hipótese de afetação da receita oriunda da arrecadação de imposto (ICMS), nele prevista, não se subsume ao rol taxativo, que, em numerus clausus, encontra fundamento no art. 167, IV, da Constituição da República, expondo-se, em conseqüência, tal vinculação – porque instituída com inobservância do modelo federal – à censura do próprio magistério jurisprudencial firmado, no tema, pelo Supremo Tribunal Federal, quer sob a égide da Carta Política anterior (RTJ 120/997, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 127/56, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RE 100.435-SP, Rel. Min. SOARES MUÑOZ), quer em face da vigente Lei Fundamental (RDA 185/148, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RDA 192/174, Rel. Min. CARLOS VELLOSO)”.
Em outro
precedente, a Corte Suprema reforça a tese:
“(...) Com efeito, revela-se inexigível a majoração de um ponto percentual (de 17% para 18%), instituída pelas Leis paulistas nºs 6.556/89 e 7.003/90, que destinaram, o produto da arrecadação resultante dessa elevação tributária (ICMS), ao financiamento de programas habitacionais desenvolvidos e executados pelo Estado de São Paulo. É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 183.906/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – e tendo em vista o princípio constitucional da não afetação da receita (RTJ 167/287) de impostos – proclamou a inconstitucionalidade dessa vinculação legal: “Imposto – Vinculação a órgão, fundo ou despesa (CF, art. 167, IV). A teor do disposto no inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, é vedado vincular receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. A regra apanha situação concreta em que lei local implicou majoração do ICMS, destinando-se o percentual acrescido a um certo propósito – aumento de capital de caixa econômica, para financiamento de programa habitacional. Inconstitucionalidade dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da Lei nº 6.556, de 30 de novembro de 1989, do Estado de São Paulo.” Sob tal aspecto, a decisão proferida pelo Tribunal de origem ajusta-se à orientação jurisprudencial firmada por esta suprema Corte, na análise do tema ora em exame. (...)” (AI 489625/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24/03/2004 PP-00045).
E em
hipótese similar, este egrégio Órgão Especial assim decidiu:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCENTIVOS FISCAIS PARA EMPRESAS QUE SE ESTABELECEREM NO MUNICÍPIO. DEVOLUÇÃO DE PARCELA DO ICMS REPASSADO À ENTIDADE FEDERATIVA LOCAL. AFETAÇÃO DA RECEITA DE IMPOSTOS A DESPESA PÚBLICA. VULNERAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 176, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE.
A vinculação de parcela do ICMS repassado pelo Estado ao Município gera situação incompatível com o princípio da isonomia e transfere para o ambiente municipal a nefasta consequência do fenômeno conhecido como guerra fiscal já existente no Brasil entre vários dos Estados da Federação” (TJSP, ADI 0427921-20.2010.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 03-02-2011).
Dessa forma,
firme nessa premissa, reitero a evidente vinculação – proibida – de receita
tributária prevista na lei local ora impugnada, que permite a devolução de 25%
(vinte e cinco por cento) do valor do IPVA recolhido pelo contribuinte que vier
a transferir veículo registrado em seu nome em outro Município para o Município
de Itirapuã.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da lei local com o
art. 176, IV, da Constituição Estadual.
3. DO PEDIDO
Diante de
todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade da Lei nº 1.638, de 19 de dezembro de 2006, do Município
de Itirapuã.
Requer-se
ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor
Prefeito Municipal de Itirapuã, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em
que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 30 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ms/mjap
Protocolado nº
107.879/2015
Assunto: apurar inconstitucionalidade da Lei n. 1.638, de 19 de dezembro de 2006, do Município de Itirapuã
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Comunique-se a propositura da ação ao interessado.
3. Cumpra-se.
São Paulo, 30 de novembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça