Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado n. 72.847/15

 

 

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 15 da Lei Estadual n. 9.192, de 23 de novembro de 1995.

2)      Interpretação conforme. Sujeição dos cargos de provimento em comissão ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da Constituição Estadual)

3)      Procedência da ação.

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 15 da Lei Estadual n. 9.192, de 23 de novembro de 1995, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – Os Atos Normativos Impugnados

A Lei Estadual n. 9.192, de 23 de novembro de 1995, que “Autoriza o Poder Executivo a instituir a fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - Procon.”, no que interessa prevê:

                                      “(...)

Artigo 15 - Os servidores da Fundação serão admitidos sob o regime da legislação trabalhista, enquanto não for instituído o regime único previsto no artigo 124 da Constituição Estadual. 

Parágrafo único - O pessoal da Fundação será admitido mediante concurso público, na forma da legislação em vigor, salvo quando se tratar de cargo ou função de provimento em comissão.

(...)”

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

A lei impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Além disso, a norma contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)”

INADMISSIBILIDADE DA ADOÇÃO DO REGIME CELETISTA PARA CARGOS OU EMPREGOS COMISSIONADOS

O provimento em comissão é incompatível com o regime celetista na Administração Pública porque configura limite à liberdade de provimento e exoneração do cargo a dispensa imotivada onerosa (art. 115, II e V, Constituição Estadual).

A inserção do emprego comissionado no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

O desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

Feitas essas considerações, o art. 15 da Lei Estadual n. 9.192, de 23 de novembro de 1995, prevê que os servidores da fundação serão admitidos sob regime celetista, no entanto, não faz qualquer ressalva em relação aos cargos de provimento em comissão.

Por esta razão, é fundamental que se dê interpretação conforme no sentido de que apenas servidores públicos efetivos fiquem sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Anote-se que a interpretação conforme tem o condão de destacar qual a única interpretação válida a ser conferida a determinado texto legislativo, compatibilizando-o com a Constituição (na doutrina, por todos, v. Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins, Controle concentrado de constitucionalidade – comentários à Lei 9868, de 10-11-1999, 2ªed., 2ª tir., São Paulo, Saraiva, 2007, p.407/419; e ainda Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2ªed., São Paulo, RT, 2001, p.188/191).

Não sendo dada a interpretação conforme ao dispositivo em questão, é inegável a violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade (art. 111, Constituição Estadual) e à regra da liberdade de exoneração que domina o provimento em comissão (art. 115, II e V, Constituição Estadual).

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção de remuneração à custa do erário.

À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 15 da Lei Estadual n. 9.192, 23 de novembro de 1995.

IV – Pedido

Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente sendo ao art. 15 da Lei Estadual n. 9.192, 23 de novembro de 1995, dada interpretação conforme à Constituição Paulista no sentido de que apenas servidores públicos efetivos fiquem sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Assembleia Legislativa e ao Governador do Estado de São Paulo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

         Termos em que, pede deferimento.

   

                                São Paulo, 11 de dezembro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

aca/acssp

 

 

 

 

Protocolado n. 72.847/15

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 15 da Lei Estadual n. 9.192, 23 de novembro de 1995, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.     Cumpra-se.

 

                  

                            São Paulo, 11 de dezembro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/acssp