Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 074.116/15
Ementa: Constitucional. Previdenciário. Ação Direta Inconstitucionalidade. Art. 1º da Resolução nº 184, de 09 de outubro de 2000, da Câmara Municipal de Cruzeiro. Direito à complementação dos proventos de aposentadoria aos servidores públicos efetivos da Câmara Municipal. Ausência de fonte de custeio. Violação aos princípios do interesse público e da razoabilidade. 1. Incompatíveis com o art. 218 da Constituição Estadual, que determina a observância dos princípios da seguridade social previstos nos arts. 194 e 195 da Constituição Federal [dentre eles, os de que a seguridade social deve ser custeada por contribuições dos trabalhadores e de que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (art. 195, II, § 5º)], os direitos à complementação de proventos de aposentadoria aos servidores públicos efetivos da Câmara Municipal, integrantes do regime geral de previdência social. 2. Inexistência de interesse público e de razoabilidade, violadora dos arts. 111 e 128 da Constituição Estadual, na complementação de proventos de aposentadoria de servidores públicos efetivos da edilidade, integrantes do regime geral de previdência social.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado
(PGJ nº 074.116/15), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do art. 1º da
Resolução nº 184, de 09 de outubro de 2000, da Câmara Municipal de Cruzeiro, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DO Ato Normativo Impugnado
1. A Lei nº 3.064, de 30 de maio de 1997, do Município
de Cruzeiro, que “Dispõe sobre a extinção
do Departamento de Previdência Municipal de Cruzeiro, da adoção do Regime
Celetista para os Servidores Municipais e dá outras providências” além de
dispor sobre outros assuntos promoveu a revogação da Lei 2.877/95, a qual
instituiu o Departamento de Previdência do Município de Cruzeiro, de sorte que
tal alteração legislativa passou a enquadrar todos os servidores públicos
municipais no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), exceto os funcionários
da Câmara Municipal, os quais, por força do § 8º, art. 1º do referido diploma, continuariam
sob um regime a ser estabelecido em resolução própria a ser editada pelo
Parlamento local. Vejamos:
“Artigo 1º -
Fica revogada a lei 2.877, de 30 de janeiro de 1995 que dispõe sobre a criação
do Departamento de Previdência do Município de Cruzeiro, retornando o regime
dos servidores públicos ao Regime Geral da Previdência Social do Instituto
Nacional do Seguro Social.
(...)
Parágrafo 8º
- O disposto neste artigo não se aplica aos funcionários da Câmara Municipal,
que continuarão sob o regime estatutário vigente por resolução própria, nos
termos da Lei 1.078, de 16 de dezembro de 1971.”
2. Nesse contexto, portanto, foi editada a Resolução nº
184, de 09 de outubro de 2000, da Câmara Municipal de Cruzeiro, a qual, ao
dispor sobre aposentadoria dos funcionários da ativa da Câmara Municipal,
vinculados ao regime estatutário, por força, frise-se, do §8º, art. 1º da Lei
nº 3.064/97, instituiu em seu art. 1º o direito à complementação da
aposentadoria de tais servidores com recursos da edilidade, nos seguintes
termos:
“Art. 1º - Os
funcionários da ativa da Câmara Municipal de Cruzeiro, ocupantes de cargos de
provimento efetivo ou considerados estáveis no serviço público, nos termos do
artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
Federal, de 05 de outubro de 1988, vinculados ao regime estatutário, por força
do parágrafo 8º do artigo 1º da Lei Municipal nº 3.064, de 30 de maio de 1997,
alterado pelo artigo 1º da Lei Municipal nº 3.357, de 30 de junho de 2000,
terão direito à complementação de sua aposentadoria pelos cofres da Câmara
Municipal, equivalente ao valor da diferença apurada entre a remuneração total
percebida pelo funcionário no exercício de seu cargo com o valor de seu
benefício concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social.”
II – DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
3. O dispositivo impugnado
contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
4. Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
5. A
regra jurídica contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo
111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público
e eficiência.
(...)
Artigo
128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e
quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
(...)
Artigo
218 – O Estado garantirá, em seu território, o planejamento e desenvolvimento
de ações que viabilizem, no âmbito de sua competência, os princípios de
seguridade social previstos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal”.
6. Essa última é norma remissiva que incorpora à
Constituição Estadual os princípios da seguridade social contidos na
Constituição Federal, em especial o caput,
o inciso II e o § 5º do art. 195 desta:
“Art.
195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:
(...)
II –
do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art. 201;
(...)
§
5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado,
majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio social”.
7. A norma local
impugnada outorga a complementação de benefícios previdenciários mercê da
inexistência de fonte de custeio, pois, ela é paga exclusiva e integralmente
por recursos oriundos do erário, no caso, as receitas destinadas à Câmara
Municipal.
8. Se os servidores beneficiários não gozam de direito à
integralidade ou paridade de seus proventos com a remuneração do pessoal ativo,
falece interesse público e razoabilidade na instituição da complementação desse
benefício previdenciário.
9. Agrava-se a situação a compreensão da natureza do
vínculo dos beneficiários da lei (servidores públicos efetivos da Câmara
Municipal, e ante sua sujeição ao Regime Geral de Previdência Social que não
tolera complementação de proventos e pensões à custa do erário, nem
integralidade ou paridade, resta evidente a ausência de interesse público e
razoabilidade na sua instituição, não podendo tal situação se perpetuar no
município.
10. O colendo Órgão Especial do E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já pronunciou, reiteradas vezes, a
inconstitucionalidade de leis municipais similares (ADI 164.947-0/9-00, Rel.
Des. Mário Devienne Ferraz, v.u., 12-11-2008; ADI 158.764-0/4-00, Rel. Des. A.
C. Mathias Coltro, v.u., 16-07-2008; ADI 150.585-0/9-00, Rel. Des. Luiz
Tâmbara, v.u., 26-08-2009; ADI 154.602-0/7, Rel. Des. Sousa Lima, m.v.,
10-09-2008).
11. Neste sentido, a instituição de
complementação de aposentadoria é inconstitucional em virtude de sua
incompatibilidade com o art. 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988, que
exige a prévia existência de fonte de custeio para criação, majoração ou
extensão de benefício da seguridade social, conforme já decidiu o Supremo
Tribunal Federal:
“A exigência inscrita
no art. 195, § 5º, da Carta
Política traduz comando que tem, por destinatário
exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere a
criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade
social” (STF, AI 151.106-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 26-11-1993).
III – Pedido
12. Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade
do art. 1º da Resolução nº 184, de 09 de
outubro de 2000, da Câmara Municipal de Cruzeiro.
13. Requer ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal de Cruzeiro, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado,
protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ms
bfs
Protocolado nº 074.116/15
Interessado: Conselho
Superior do Ministério Público - CSMP
Assunto: encaminhamento
de documentos referentes ao Protocolado nº 173.592/14, para conhecimento e
providências cabíveis
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 1º da Resolução nº 184, de 09 de outubro de 2000, da Câmara Municipal de Cruzeiro, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ms
bfs