Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

Protocolado nº 022.537/15

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. §2º, art. 55 da Lei Orgânica do Município de Itápolis, alterado pela emenda à LOM nº 18, de 16 de dezembro de 2014. Substituição de Prefeito e Vice-Prefeito nos casos de impedimento ou vacância pelo Presidente da Câmara Municipal, podendo este continuar na chefia do Executivo local mesmo após o término do período de sua presidência na edilidade. Violação ao princípio da moralidade e impessoalidade. Desvio de poder no processo legislativo. Arts. 111 e 144 da CE. 1. A edição de ato normativo com o fim de privilegiar quem estava no cargo e sequer fora eleito para tanto, seja de forma direta pela população ou indireta por seus pares, acabando por perpetuar na função quem não mais ostenta a condição de Presidente da Câmara Municipal, ofende a moralidade e impessoalidade preconizadas no art. 111 da Carta Bandeirante, posto que se evidencia desvio de poder no ato normativo combatido.

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do §2º, art. 55 da Lei Orgânica do Município de Itápolis, com a redação dada pela emenda à LOM nº 18, de 16 de dezembro de 2014, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – DO Ato Normativo Impugnado

Em 16 de dezembro de 2014 foi promulgada a emenda à Lei Orgânica do Município de Itápolis nº 18, a qual incluiu em seu art. 55 os §§ 2º e 3º. Vejamos:

Artigo 55 – Em caso de impedimento do Prefeito e do Vice-Prefeito, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Prefeitura o Presidente e o Vice-Presidente da Câmara de Vereadores.

§ 1º - Em caso do Presidente e do Vice-Presidente da Câmara dos Vereadores estarem impossibilitados de assumir o cargo vago, eleger-se-á imediatamente dentre os Vereadores o Prefeito substituto.

§ 2º – Estando o Presidente da Câmara investido nas funções de prefeito, permanecerá neste cargo mesmo com o término do mandato de Presidente. (Redação estabelecida pela Emenda à Lei Orgânica nº 18, de 16 de dezembro de 2014).”

§ 3º - A reversão do exercício da Prefeitura se dará pelo esgotamento das situações previstas no caput deste artigo. (Redação estabelecida pela Emenda à Lei Orgânica nº 18, de 16 de dezembro de 2014).” (g.n)

        

Da leitura dos parágrafos destacados, infere-se no §2º uma nítida manobra legislativa que possibilitou a manutenção do edil que ocupava a cadeira do Chefe do Executivo, que havia sido cassado, na iminência de se ver substituído.

         Em síntese, ao assumir as funções de Chefe do Executivo a regra vigente determinava que permaneceria nesta função o Presidente da Câmara Municipal, de forma que, ao deixar a Presidência da edilidade, o Vereador também deveria deixar o comando da Prefeitura.

Com a alteração legislativa atacada, o anterior Presidente do Parlamento continuaria como alcaide ainda que sua função na presidência atingisse seu termo, ante a previsão legal ora combatida, que sequer decorre de um ato democrático calcado na vontade popular, o que denota flagrante ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade por notório desvio de poder, como adiante será demonstrado.

II – DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O §2º do art. 55 da Lei Orgânica do Município de Itápolis, alterado pela emenda à LOM nº 18, de 16 de dezembro de 2014, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, nos dispositivos ora indicados:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

III – DA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E IMPESSOALIDADE

No caso trazido a lume, é nítido o desvio de poder radicado nesse ato legislativo que o contamina de maneira a expô-lo ao controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade por vício material de inconstitucionalidade, na medida em que ele encerra, de per si e atento às circunstâncias, ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade, eis que a competência municipal para regulamentar os casos de substituição de Prefeito e Vice-Prefeito, por motivo de vacância ou impedimento, foi utilizada para fim distanciado de sua finalidade, visando tão somente favorecimentos indevidos.

Ora, o dispositivo objurgado privilegiou quem já estava no cargo, acabando por perpetuar na função quem não mais ostentava a condição de Presidente da Câmara Municipal, o que ofende a moralidade e impessoalidade, preconizadas no art. 111 da Carta Bandeirante, posto que se evidencia, de plano, desvio de poder no ato normativo combatido, na medida em que editado para privilegiar um determinado agente.

         Não é novidade alguma o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo por desvio de poder. A esse respeito, concessa venia, reporta-se a elucidativo escólio da lavra de Caio Tácito:

“No exercício de suas atribuições e nas matérias a eles afetas, os órgãos legislativos, em princípio, gozam de discricionariedade peculiar à função política que desempenham.

Temos, contudo, sustentando a necessidade de temperamento da latitude discricionária de ato do Poder Legislativo, ainda que fundado em competência constitucional e formalmente válido.

O princípio geral de Direito de que toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria, embora historicamente vinculado à atividade administrativa, também se compadece, a nosso ver, com a legitimidade da ação do legislador.

Tivemos, oportunidade de sustentar, perante o STF, em duas oportunidades, a nulidade de leis estaduais em que, no término de governos vencidos nas urnas, eram criados cargos públicos em número excessivo, não reclamados pela necessidade pública, e comprometendo gravemente as finanças do Estado, tão-somente para o aproveitamento de correligionários ou de seus familiares.

Para o desfazimento dessas leis, que caracterizavam os chamados ‘testamentos políticos’, o STF consagrou a tese da validade de novas leis que, anulando leis inconstitucionais, reconheciam o abuso pelos Poderes Legislativos estaduais da competência, em princípio discricionária, da criação de cargos públicos.

O primeiro acórdão, proferido no MS 7.243, em sessão de 20.1.69, manteve a anulação de leis do Estado do Ceará com as quais, no apagar das luzes de uma situação política derrotada, em apenas 56 dias, mediante 25 atos legislativos foram instituídos, sob a forma de criação ou transformação, 3.784 novos cargos públicos, o que equivalia a um-terço do total do funcionalismo estadual então existente, estimado em 12.000 servidores, elevando o custo mensal do pessoal a 94,24% das rendas do Estado.

Por essa forma, violava-se norma expressa da Constituição estadual, que fixava o teto de 50% para a vinculação da receita ao custeio do funcionalismo público, e se objetivava impedir o funcionamento regular do Poder Executivo, no período do novo mandato que se ia inaugurar.

Em comentário a essa decisão, que firmou precedente memorável, destacávamos a importância da tese por ela abonada:

‘A competência legislativa para criar cargos públicos visa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade da administração. Sendo, em sua essência, uma faculdade discricionária, está, no entanto, vinculada à finalidade, que lhe é própria, não podendo ser exercida contra a conveniência geral da coletividade, com o propósito manifesto de favorecer determinado grupo político, ou tornar ingovernável o Estado, cuja administração passa, pelo voto popular, às mãos adversárias.

‘Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do legítimo interesse público’ (RDA 59/347 e 348).

A mesma situação se renovou, no Estado do Rio Grande do Norte, perante outro testamento político de um governo vencido no pleito eleitoral sucessório, em que se comprometia desmedidamente o erário, elevando a mais de 80% a despesa com o funcionalismo público.

Em decisão proferida na Repr. 512, julgada, por unanimidade, pelo Tribunal Pleno, em sessão de 7.12.62, o STF reputou legítima a anulação, pela Assembléia Legislativa, de leis inconstitucionais que compunham o testamento político em causa.

Em memorial oferecido como advogado do novo governo estadual, ponderávamos que ‘o desvio de poder legislativo, caracterizado no inventário político, ofende o princípio da independência e harmonia dos Poderes, além de violar a Constituição estadual’.

Em acórdãos posteriores os RE 48.655 e 50.219 (RDA 78/269 e 281), aplicando a orientação firmada, a Corte Suprema reafirmou a tese da anulação, pelo Poder Legislativo, de seus próprios atos inconstitucionais.

A acolhida do cabimento do desvio de finalidade como vício de inconstitucionalidade fora anteriormente abonada em outro julgado do STF em voto do Min. Orozimbo Nonato, relator do RE 18.331, que, nos termos da respectiva ementa, após recordar o conhecido axioma de que o poder de taxar não se pode extremar como poder destruir, destaca: ‘É um poder cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda que, a doutrina fecunda do détournement de pouvoir’ (RF 145/146).

O excesso do poder de taxar foi igualmente repelido com respeito à lei do Estado do Rio de Janeiro que exigia taxa judiciária em termos excessivos, sem correspondência com o serviço prestado (Repr. 1.077, RTJ 11/55).

Comentando o sentido inovador da jurisprudência do Pretório Excelso, registra Seabra Fagundes, entre as fecundas criações pretorianas, ‘a extensão da teoria do desvio de poder originária e essencialmente dirigida aos procedimentos dos órgãos executivos, aos atos do poder legiferante, de maior importância num sistema de Constituição rígida, em que se comete ao Congresso a complementação do pensamento constitucional nos mais variados setores da vida social, econômica e financeira’ (RF 151/549).

Em decisão de 31.8.67, no RMS 16.912, o tema do desvio de poder como vício especial do ato legislativo foi expressamente invocado.

Apreciando lei de organização judiciária na qual se inseria emenda em benefício de determinado serventuário, advertiu o Min. Prado Kelly: ‘tratava-se de reforma judiciária e a emenda representou um desvio de poder na própria legislatura’. Sendo o mesmo Ministro as seguintes expressões: ‘Tenho por demonstrado que a emenda não obedeceu ao presumido escopo de interesse público e sim a uma inspiração que nem por ser equânime ou reparadora (como pareceu ao interveniente) deixa de ser particularista ou de favorecimento pessoal’.

Nessa decisão plenária, o Min. Victor Nunes Leal, após aderir à posição ‘de que podemos exercer controle sobre os desvios de poder da própria legislatura’, convocado por interpelação do Min. Aliomar Baleeiro a declarar ‘se admitia um desvio de poder do Poder Legislativo fora do caso de inconstitucionalidade’, não vacilou em afirmar categoricamente: ‘Admito’ (acórdão no RMS 16.912, RTJ 45/530-545, especialmente pp. 536 e 537).

Em questão relativa à permissão para explorar linhas de ônibus, o STF apreciou a incidência do desvio de poder legislativo, admitindo, em tese, a aplicação do princípio (RTJ 47/650 e 48/165).

Em três situações o STF repeliu, por inconstitucionalidade, a aplicação de sanções administrativas com a finalidade real de constranger o contribuinte à regularidade fiscal.

Decidiu a Corte Suprema que ‘é inadmissível a interdição de estabelecimento ou apreensão de mercadorias como meio coercitivo para a cobrança de tributo’ (Súmulas 70 e 323).

E, dilatando o princípio à inconstitucionalidade dos Decs.- leis 5 e 42, de 1937 – que restringiam indiretamente a atividade comercial de empresas em débito, impedindo-as de comprar selos ou despachar mercadoria – implicitamente configurou o abuso de poder legislativo (Súmula 547 e acórdão no RE 63.026, RDA 10/209).

O excesso legislativo foi invocado em acórdão do STF no RE 62.731, do qual foi Relator o Min. Aliomar Baleeiro. Afirmou-se a inconstitucionalidade de decreto-lei que vedava a purgação de mora em locações. Destacou a ementa da decisão a impertinência do fundamento por se tratar de ‘assunto miúdo de Direito Privado’ que não se incluía no conceito de segurança nacional, necessário àquela forma de processo legislativo (RDA 94/169).

O poder de polícia nas profissões somente pode ser exercido com observância do princípio da razoabilidade, afirmou o acórdão na Repr. 930 (apud Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 451).

E porque o impedimento do exercício profissional da advocacia há juizes aposentados até dois anos após a inatividade ofendia o princípio da razoabilidade, foi declarada a inconstitucionalidade da lei que estabelecia tal interdição temporária, por violação àquele princípio (Repr. 1.054, RTJ 112/7).

Em parecer no qual analisamos a inconstitucionalidade de deliberação do Banco Central do Brasil determinante da indisponibilidade de contas bancárias do Estado – membro a suas empresas, enfatizávamos que ‘importa desvio do Poder Legislativo decreto lei que se utilize do bloqueio de contas bancárias como meio de cobrança regressiva de aval a empréstimos externos’ (RDA 172/239).

Em outro parecer relativo à validade da lei municipal que subordinava a permissão de funcionamento de estabelecimentos comerciais aos sábados e domingos à prévia aprovação pelos órgãos sindicais, entendíamos ocorrer violação da competência legal, a ser exercida pelo Município, como emanação do poder de polícia.

Ressaltamos que, obrigando à intervenção dos sindicatos para a obtenção de licença especial de funcionamento, o legislador teve em mira o fortalecimento do sistema sindical, invadindo órbita de competência privativa da União.

Concluímos, assim, que, ‘a toda evidencia, a lei municipal, visando, a beneficiar o movimento sindical está maculada pelo vício de abuso do poder normativo, caracterizado como desvio de finalidade’ (RDA 164/460).

O tema do desvio de poder legislativo foi amplamente estudado, no Direito italiano, por Lívio Paladin, em ensaio sob o título ‘Osservazioni sulla discrezionalità e sull’eccesso di potere del legislatore ordinario’ (Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, ano VI, 4/993-1.046, outubro – dezembro/56).

Pondera o autor que: ‘L’illegitimità di ogni fine, diverso da quello costituzionalmente previsto, consente logicametne di configurare, sul piano legisltaivo, qual vizio della causa degli atti amministrativi, ch è l’ecesso di potere’ (‘A ilegitimidade de todo fim, diverso daquele constitucionalmente previsto, conduz logicamente afigurar-se, no plano legislativo, aquele vício de causa dos atos administrativos, que é o excesso de poder’) (Rivista cit. p. 1.031).

A figura do desvio de poder legislativo foi, pioneiramente, sustentada por Santi Romano, que, reconhecendo o poder discricionário do legislador, destaca, porém, o limite que se impõe em face da finalidade da competência legislativa: ‘ma la figura dele potere discrezionale richiede per l’appunto che di esse si faccia uso conforme alle finalità da cui il potere medismo deriva; si há altrimenti uno sviamento di potere, che costituisse uma violazione di direitto, nel senso più próprio della parola. Son concetti questi di commune applicazione riguado alle compentenza degli oragnia amministrativi e non si saprebbe indicarei l pechè non possono riferirsi, nella loro generalità, al Parlamento. In certi campoi della sua funzione legislativa, questo non há poteri sconfinati, ma poteri discricionali, il che vuol dire litate, e non altro, dall’obbligo di fare uso per dati motivi’ (‘mas a figura do poder discricionário reclama precisamente que dele se faça uso conforme à finalidade, da qual o próprio poder deriva: há de outra forma um desvio de poder que constitui uma violação de direito no sentido próprio da palavra. São conceitos estes de aplicação comum no que se refere à competência dos órgãos administrativos, e não se saberá indicar por que não parecem se referir em sua generalidade, ao Parlamento. Em certos campos de sua competência legislativa, este não possui poderes sem fronteiras, mas poderes discricionários, importa dizer, limitados pelo menos da obrigação de fazer uso por motivos determinados’) (‘Osservazioni preliminari per uma teoria sui limite della funzione legislativa nel Diritto Pubblico’, 1902, e incluído na coletânea Scriti Minori – Diritto Costituzionale, v. I/199, 1950).

Não é outro o pensamento de Costantino Mortati quando adverte que ‘a lei poderá estar viciada de inconstitucionalidade não somente quando o interesse perseguido contrasta com aquele imposto pela Constituição, mas também nos casos em que o próprio teor da lei está em absoluta incongruência com a norma editada e o fim do interesse público a ser perseguido e o próprio legislador afirma pretender perseguir. Verifica-se, nessa ultima hipótese, uma modalidade de vício de legitimidade assimilável ao excesso de poder administrativo’ (‘la legge può risultare viziata per incostituzionalità non solo quando l’interesse perseguito contrasta com quelllo imposto dalla Costituzione, ma anche nei casi in cui dallo stesso tenore della legge risulti un’assouta incongruenza fra la norma dettata ed il fine di pubblico interesse che si doveva perseguire e che lo stesso legislatore assume di volere perseguire. Si verificherebbe in quest’ultima ipotese un’ipotesi di vizio della legittimità assimilabile a quello dell’eccesso di potere amministrativo’) (verbete ‘Discricionalità’, Novissimo Digesto Italiano, v. V/1.09).

Entendemos, em suma, que a validade da norma de lei, ato emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da finalidade contida na norma constitucional que fundamenta o poder de legislar.

O abuso de poder legislativo, quando excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, é vício especial de inconstitucionalidade da lei, pelo divórcio entre o endereço real da norma atributiva da competência e o uso ilícito que a coloca a serviço de interesse incompatível com a sua legitima destinação.

Gilmar Ferreira Mendes dedicou capítulo especial de sua monografia sobre controle de constitucionalidade à avaliação do excesso de poder legislativo como vício substancial de inconstitucionalidade. Com apoio na doutrina alemã e na lição de Canotilho, evidencia a prevalência da vinculação do ato legislativo a uma finalidade e à aplicação do princípio da proporcionalidade como elemento da legitimidade constitucional das leis. Oferece, como exemplos, precedentes colhidos na jurisprudência do STF (Controle de Constitucionalidade, Saraiva, 1990, pp. 38-54).

Canotilho adverte que a lei é vinculada ao fim constitucionalmente fixado e ao princípio de razoabilidade a fundamentar ‘a transferência para os domínios da atividade legislativa da figura do desvio de poder dos atos administrativos’ (Direito Constitucional, 4ª ed., 1986, p. 739).

E, mais amplamente, o mesmo autor estuda o desvio de poder legislativo diante do princípio de que ‘as leis estão todas positivamente vinculadas quanto a fim pela Constituição’ (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 259)’. (Caio Tácito. Desvio de Poder no Controle dos Atos Administrativos, Legislativos e Jurisdicionais, in Revista Trimestral de Direito Público, n. 04, São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 33-37).

Cumpre ressaltar, por oportuno, que a presente ação direta não visa instituir óbice ao ente municipal em seu mister de regulamentar a substituição de Prefeito e Vice-prefeito por motivo de impedimento ou vacância, tolhendo, assim, sua autonomia para dispor sobre a temática. É sabido que o Excelso Pretório possui jurisprudência sedimentada no sentido de ser outorgado ao ente municipal a faculdade de dispor sobre tal assunto sem a necessidade de observância simétrica ao modelo federal. Confira-se:

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Representação por inconstitucionalidade. Artigo 75 da Lei Orgânica do Município de Manaus-AM, que dispõe sobre os substitutos eventuais do prefeito e vice-prefeito no caso de dupla vacância. Matéria que não se submete ao princípio da simetria. Autonomia municipal. Entendimento não superado no julgamento do RE nº 317.574. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte fixou-se no sentido de que a disciplina acerca da sucessão e da substituição da chefia do Poder Executivo municipal põe-se no âmbito da autonomia política do município, por tratar tão somente de assunto de interesse local, não havendo dever de observância do modelo federal (ADI nº 3.549/GO, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 31/10/07; ADI nº 678, Relator o Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 19/12/02). 2. O precedente firmado no julgamento do RE nº 317.574 não teve o condão de superar o entendimento jurisprudencial que lastreou a decisão agravada. Dentre os preceitos reputados de reprodução obrigatória no mencionado precedente, não consta o art. 80 da Constituição Federal, que estabelece as autoridades que entrarão no exercício da Presidência da República na hipótese de impedimento ou vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República. Tal questão não foi sequer debatida no citado julgado. Tampouco é cabível se atribuir interpretação extensiva ao citado precedente. 3. Agravo regimental não provido.” (STF, Ag.Reg. no RE 655.647 AMAZONAS. Min. Dias Tóffoli, julgado em 11/11/2014)

Todavia, a disciplina da matéria em exame não pode ser feita imbuída de notório desvio de poder, visando privilegiar, pontualmente, determinados agentes em detrimento das aspirações coletivas e das regras constitucionais, em especial aos princípios da moralidade e impessoalidade, previstos no art. 111 da Constituição Estadual.

Repita-se, na hipótese em comento, alterou-se a “regra do jogo durante partida”, ou seja, foi alterada a regra de substituição do Prefeito e Vice-Prefeito durante a vacância, o que acabou por beneficiar quem já ocupava a função temporariamente.

         Destarte, é patente a inconstitucionalidade do §2º do art. 55 da Lei Orgânica do Município de Itápolis, alterado pela emenda à LOM nº 18, de 16 de dezembro de 2014, na medida em que ofende sobremaneira o primado da moralidade e impessoalidade, constantes do art. 111 da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144.

IV – DO PEDIDO

Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente, com a declaração da inconstitucionalidade do §2º, art. 55 da Lei Orgânica do Município de Itápolis, alterado pela emenda à LOM nº 18, de 16 de dezembro de 2014.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Itápolis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado, para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

Termos em que pede deferimento.

 

São Paulo, 19 de fevereiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj

bfs

 

 

 

 

 

Protocolado nº 022.537/15

Interessado: Promotoria de Justiça de Itápolis 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do §2º, art. 55 da Lei Orgânica do Município de Itápolis, alterado pela emenda à LOM nº 18, de 16 de dezembro de 2014, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 19 de fevereiro de 2016.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj

bfs