EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 117.704/2015
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade.
Inconstitucionalidade de funções gratificadas constantes nas Leis nº 3.201, de
06 de agosto de 2015 e nº 3.035, de 27 de junho de 2013, do Município de
Itápolis.
2) Criação
de função gratificada de Técnico de
Enfermagem Socorrista do SAMU e Motorista
Socorrista que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e
direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a
serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento
efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de
dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no
art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda
no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 117.704/15,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº
3.201, de 06 de agosto de 2015, e da função gratificada de Motorista Socorrista constante no art. 6º da Lei nº 3.035, de 27 de
junho de 2013, ambas do Município de Itápolis, pelos fundamentos expostos a
seguir:
1. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta
de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada
pelo Vereador do Município de Itápolis Avelino Antônio da Cunha (fls. 02/04).
A Lei Municipal nº 3.201, de 06 de agosto de 2015, de
Itápolis, assim dispõe:
Já a Lei nº 3.035, de 27 de junho de 2013, em seu
art. 6º cria a função gratificada de Motorista
Socorrista, cujas atribuições estão previstas no art. 7º do mesmo diploma
legal. Vejamos:
Os atos normativos transcritos, na parte em que criam
as funções gratificadas de Técnico de
Enfermagem Socorrista do SAMU e de Motorista
Socorrista, são inconstitucionais por violação dos arts. 111, 115, incisos
I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
2.
DA
NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS ATRIBUIÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DAS
FUNÇÕES GRATIFICADAS
As funções gratificadas de Técnico de Enfermagem Socorrista do SAMU e de Motorista Socorrista têm natureza meramente técnica, operacional e
profissional.
As atribuições previstas para as referidas
funções - relacionadas a suporte técnico - são atividades destinadas a atender
necessidades executórias. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas,
distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e
afinamento com as diretrizes políticas do governo.
O Técnico
de Enfermagem Socorrista do SAMU desempenha funções de
prestação de cuidados de enfermagem, como “ministrar medicamentos por via
oral”, “fazer curativos”, “realizar medidas de reanimação cardio respiratória
básica”, dentre outras, prescindindo do elemento fiduciário para o bom
desempenho da função.
Também o Motorista
Socorrista possui atribuição nitidamente técnica, como por exemplo
“conduzir veículo terrestre de urgência destinado ao atendimento e transporte
de pacientes e “realizar medidas de reanimação cardio respiratóriabásica”, não
se tratando de exercício de função de direção superior do Município.
Não há na descrição das atribuições dos
cargos mencionados sequer referência a atividades de coordenar, chefiar,
supervisionar ou dirigir.
Tais aspectos demonstram que os postos
impugnados desempenham funções subalternas, de pouca
complexidade e evidenciam a natureza
puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de
direção, chefia e assessoramento superior, exigindo-se tão somente o dever
comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer
servidor,
Dessa forma, as funções gratificadas anteriormente
destacadas são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115, incisos I, II e V, e
art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao
perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço
público sem concurso.
Embora o Município seja dotado de autonomia política
e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da
Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita
ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13.
ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).
A autonomia municipal deve ser exercida com a
observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição
Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed.,
São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício de sua autonomia administrativa, o
Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos,
instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se
estruturando adequadamente.
Todavia, a possibilidade de que o Município organize
seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional,
sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais
federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.
A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve
ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de
provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista
inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da
Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento
dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.
A criação de funções gratificadas deve ser limitada
aos casos em que seja exigível especial
relação de confiança entre o governante e o servidor, para que
adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
predominantemente política.
Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim
não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso
para acesso ao serviço público.
São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas
pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo
de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que as funções
gratificadas devem ser destinadas “apenas
às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed.,
São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a
posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01
PP-00169).
Escrevendo na vigência da ordem constitucional
anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio
Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados e funções
gratificadas pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal
criação, “propiciar ao Chefe de Governo o
seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de
pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que
devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo
unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou
aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade
superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem
exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever
elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que
servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada
encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00,
j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de
janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30
de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des.
Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).
3. DA
INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO
A Lei
nº 3.201, de 06 de agosto de 2015, em seu art. 1º cria a função gratificada de Técnico de Enfermagem Socorrista e no
seu art. 2º trata da função de Motorista Socorrista,
que fora criada pelo art. 6º da Lei nº 3.035, de 27 de junho de 2013 de 2013.
O mencionado art. 2º se limita a alterar a jornada de
trabalho e a quantidade de postos da função de Motorista Socorrista.
Na medida em que ora se impugna a função gratificada
de Motorista Socorrista (criada pelo art.
6º da Lei nº 3.035/2013), em caso de
procedência da ação, tornar-se-á
despido de eficácia e utilidade o art. 2º da Lei nº 3.201/2015.
Torna-se, portanto,
necessário que se reconheça a inconstitucionalidade por arrastamento ou atração
do referido dispositivo.
A respeito da
inconstitucionalidade por arrastamento, tem-se que:
"(...) se em determinado processo de
controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a
norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi
declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de
instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da
inconstitucionalidade 'conseqüente', ou por 'arrastamento' ou por
'atração'" (Pedro Lenza, "Direito Constitucional Esquematizado",
Saraiva, 13ª Edição, p. 208).
Segundo precedentes do Pretório
Excelso, é perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por
arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 08-09-2006, p. 16;
ADI-3.645-R, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE,
Rel. Min. Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Min. Carlos
Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09-06-2005,
p. 4).
A declaração de
inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o
reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torne
despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que
não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório
restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo
vício; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam
direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.
Dessa forma, requer-se a declaração
de inconstitucionalidade da totalidade da Lei nº 3.201, de 06 de agosto de 2015,
sendo o art. 2º impugnado como objeto principal em razão da violação do art.
115, I, II e V da Constituição Estadual, e os demais artigos da lei sendo
impugnados por arrastamento, em razão da perda da sua utilidade no ordenamento
jurídico.
4. DOS PEDIDOS
a) Do
Pedido Liminar
À saciedade
demonstrado o fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Itápolis apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a
consequente oneração financeira do erário.
Está claramente demonstrado que os cargos de Técnico de Enfermagem Socorrista do SAMU
e de Motorista Socorrista não
retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções
técnicas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores
públicos investidos em cargos de provimento efetivo.
O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia
de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição
normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas
que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese
provável de procedência da ação direta.
Basta
lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para
ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela
argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da
prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A
ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a
apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de
inconstitucionalidade.
Note-se
que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível
restabelecer o status quo ante.
Assim,
a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de
maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos,
a excepcional conveniência da medida.
Com
efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares
para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante,
que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,
preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf.
ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello;
ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p.
16.182).
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar
para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, da Lei nº 3.201, de 06 de agosto de
2015, e da função gratificada de Motorista
Socorrista constante no art. 6º da Lei nº 3.035, de 27 de junho de 2013, ambas
do Município de Itápolis.
b) Do
Pedido Principal
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.201, de 06 de
agosto de 2015, e da função gratificada de Motorista
Socorrista constante no art. 6º da Lei nº 3.035, de 27 de junho de 2013, ambas
do Município de Itápolis.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Itápolis, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que, aguarda-se deferimento.
São Paulo, 26 de janeiro de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/mam
Protocolado nº 117.704/15
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face da Lei nº 3.201, de 06 de agosto de 2015, e da
função gratificada de Motorista
Socorrista constante no art. 6º da Lei nº 3.035, de 27 de junho de 2013, ambas
do Município de Itápolis, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 26 de janeiro de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/mam