Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 83.887/2015

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, do Município de Marília. Criação abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão.  Inexistência de atribuições, exigências e requisitos de provimento previstos em lei. Delegação a decreto do Chefe do Poder Executivo. Fixação de percentual mínimo de 5% para preenchimento de cargos em comissão na estrutura da Prefeitura. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. Exigibilidade de provimento efetivo para postos inerentes à Advocacia Pública. 1. É Inconstitucional a criação de cargos públicos desprovida da descrição de atribuições, inclusive relativamente aos postos de assessoramento, chefia e direção, delegada a decreto do Chefe do Poder Executivo. 2. Inconstitucional a previsão de percentual diminuto para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa do município, no caso 5% (cinco por cento), vez que ao estabelecer em lei um percentual desse jaez o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 3. Cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. (arts. 98 a 100 da Constituição Estadual). 4. Constituição Estadual: artigos 5º, § 1º; 24, § 2º, 1; 111; 115, II, V e X; e 144.

                  

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (83.887/15), vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 4º, do art. 247 e de todos os cargos constantes no Anexo I (exceto os cargos de Chefe de Gabinete, Secretários Municipais e Procurador Geral do Município) da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, na redação dada pelas Leis Complementares n. 714, de 25 de novembro de 2014; n. 553, de 10 de março de 2009; n. 600, de 15 de junho de 2010; n. 620, de 03 de maio de 2011; n. 630, 30 de junho de 2011; n. 663, de 20 de junho de 2012; n. 694, de 27 de março de 2014; n. 741, de 14 de dezembro de 2015; n. 668, de 29 de junho de 2012; n. 736, de 03 de novembro de 2015; n. 563, de 30 de junho de 2009; n. 692, de 28 de fevereiro de 2014; n. 648, de 03 de abril de 2012; n. 655, de 31 de maio de 2012; n. 651, de 04 de maio de 2012; n. 702, de 05 de junho de 2014; n. 539, de 01 de julho de 2008; n. 555, de 17 de março de 2009; n. 584, de 30 de dezembro de 2009; n. 638, de 30 de setembro de 2011; n. 640, de 30 de novembro de 2011; n. 567, de 18 de agosto de 2009, e n. 694, de 27 de março de 2014, do Município de Marília, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – O Ato Normativo Impugnado

A Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, de Marília, institui o Código de Administração Municipal. Vejamos os dispositivos que ora nos interessam:

 

 

 

Fixando o percentual mínimo de cargos em comissão a serem preenchidos por servidores efetivos, segue o texto do art. 247:

“Art. 247 – O percentual mínimo de cargos em comissão da Prefeitura Municipal de Marília a serem preenchidos por servidores efetivos é fixado em 5% (cinco por cento) do total de cargos existentes.

§ 1º - Na aplicação do percentual fixado no caput, o décimo superior a 5 (cinco) será considerado como 1 (um); o décimo igual ou inferior a 5 (cinco) não será considerado os para fins deste artigo.

§ 2º - O disposto neste artigo aplica-se a todos os órgãos da Administração Indireta do Município de Marília, constantes do artigo 5º desta Lei Complementar.

- caput do artigo 247 modificado e §§ 1º e 2º acrescentados através da Lei Complementar nº 714, de 25 de novembro de 2014.”

A seguir, o Anexo que elenca os cargos de provimento em comissão da estrutura da Prefeitura Municipal.

 

                   A mencionada lei foi alterada pelas leis complementares n. 714, de 25 de novembro de 2014; n. 553, de 10 de março de 2009; n. 600, de 15 de junho de 2010; n. 620, de 03 de maio de 2011; n. 630, 30 de junho de 2011; n. 663, de 20 de junho de 2012; n. 694, de 27 de março de 2014; n. 741, de 14 de dezembro de 2015; n. 668, de 29 de junho de 2012; n. 736, de 03 de novembro de 2015; n. 563, de 30 de junho de 2009; n. 692, de 28 de fevereiro de 2014; n. 648, de 03 de abril de 2012; n. 655, de 31 de maio de 2012; n. 651, de 04 de maio de 2012; n. 702, de 05 de junho de 2014; n. 539, de 01 de julho de 2008; n. 555, de 17 de março de 2009; n. 584, de 30 de dezembro de 2009; n. 638, de 30 de setembro de 2011; n. 640, de 30 de novembro de 2011; n. 567, de 18 de agosto de 2009, e n. 694, de 27 de março de 2014, todas do Município de Marília.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

                   Os dispositivos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                   As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

(...)

Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

VII - propor ação civil pública representando o Estado;

VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.

Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.
Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”

 

III - FALTA DA DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO E DA DELEGAÇÃO A DECRETO DO PODER EXECUTIVO

 

               Assim dispõe o art. 11 da Lei Complementar nº 11, de 17 de dezembro de 1991, de Marília:

Art. 11 – Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimentos pagos pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

Parágrafo 1º - Os cargos a que se refere este artigo, criados pela presente lei, são os constantes dos Anexos I e II.”

               Ocorre que o Anexo I da Lei Complementar nº 11, de 17 de dezembro de 1991, de Marília, traz o rol dos cargos em comissão criados, sem, todavia, descrever as suas atribuições.

                   Ademais, no art. 4º do mesmo diploma legal, é estabelecido que as atribuições dos cargos criados pela lei serão definidas através de Decreto do Prefeito Municipal.

                    Em atenção ao princípio da legalidade que preside a Administração Pública, a criação de cargos públicos de qualquer natureza, seus quantitativos e os requisitos, exigências e condições para o seu provimento de qualquer natureza devem estar contidos em lei formal, não sendo admissível sua delegação a ato normativo do Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, 111 e 115, I, Constituição Estadual).

                   A legalidade absoluta também se estende aos cargos de provimento em comissão (art. 115, II e V, Constituição Estadual), incluindo a reserva legal para a descrição das funções de assessoramento, chefia e direção, como admoesta lúcida doutrina (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581) acompanhada por cediça jurisprudência (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009; STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008; TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.). Vejamos:

“1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 5° da Lei n° 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, inc. II, ‘a’, e 84, inc. VI, ‘a’, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais as leis que autorizem o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução” (STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 03-10-2008). (g.n.)

                   Não basta a lei criar o cargo ou dar-lhe uma denominação de assessoramento, chefia ou direção, ou, ainda, reputar exigência de confiança, se não discriminar primariamente suas atribuições para viabilizar o controle de sua conformidade com as prescrições constitucionais que evidenciam a natureza excepcional do provimento em comissão.

                   Inserida a criação do cargo público com descrição de suas atribuições na reserva legal absoluta ou formal, é inválida a criação de cargos de provimento em comissão tanto pela omissão da lei em relação à descrição de atribuições de assessoramento, chefia e direção, quanto pela delegação da fixação dessas atribuições a ato de natureza infralegal da alçada do Poder Executivo, por que conforme explica a doutrina:

“somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

                  

                   A ausência de fixação de atribuições desses cargos caracteriza violação dos 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, pois é exigência elementar à criação de cargos públicos a descrição de suas atribuições em lei, e não em decreto.

 

IV – PERCENTUAL MÍNIMO CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES DE CARREIRA

 

                  O art. 247 da Lei Complementar ora impugnada dispõe que “O percentual mínimo de cargos em comissão da Prefeitura Municipal de Marília a serem preenchidos por servidores efetivos é fixado em 5% (cinco por cento) do total de cargos existentes”.

                  O inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art. 37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira, com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.

         É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.

         O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.

         Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.

         Cumpre salientar que o art. 115, V da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.

         A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.

         De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.

         Pois bem.

         Quando a legislação examinada estabelece percentual mínimo de 5% (cinco por cento) sobre os cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira a prefeitura municipal, prima facie poder-se-ia cogitar sua obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando constitucional apontado.

         Contudo, a partir de uma interpretação acurada da ratio essendi do art. 115, V, da CE, a intelecção supramencionada revela-se errônea, pois ao prever percentual assaz diminuto de postos comissionados a serem preenchidos por servidores de carreira no ente, no caso apenas 5% (cinco por cento), a Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, de Marília, na verdade, tornou mera ficção o dispositivo indicado por representar evidente esvaziamento de seu comando, havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à moralidade e burla implícita à excepcionalidade do provimento em comissão quando do preenchimento de postos na estrutura da Administração.

         Nesse sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual. In verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por omissão reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para tomada das providências necessárias, após o que, em caso de persistência da mora, 50% dos cargos em questão deverão ser preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com determinação.” (TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Moacir Peres, j. em 16.08.15 v.u – g.n.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Ausência de edição de lei específica que estabeleça percentual mínimo dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, na estrutura administrativa do Município de Valparaíso, conforme preconiza o artigo 115, V, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade latente. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida, bem como determinar que, enquanto persistir a omissão legislativa, ao menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão sejam preenchidos por servidores efetivos.” (TJSP, ADI nº 2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza, j. em 10.06.15 v.u – g.n.).

                  Ante o exposto, o percentual estabelecido no art. 247 da lei objurgada não se concilia com os arts. 111 e 115, V, da Constituição Paulista, devendo ser declarada sua inconstitucionalidade por este E. Tribunal de Justiça.

 

V- DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE ADVOCACIA PÚBLICA

 

Nota-se da leitura do Anexo I da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, de Marília, que na estrutura da Procuradoria Geral do Município é fixado o provimento em comissão para o cargo de Assessor Jurídico.

Ainda que a lei não tenha descrito as atribuições do cargo, pode-se depreender a natureza técnica e profissional através da exigência de ser “advogado” como requisito para provimento do cargo.

A atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.

É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.

Este modelo deve ser observado pelos municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.

Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).

Assim, o caráter técnico do cargo de Assessor Jurídico, constante no Anexo I da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, do Município de Marília, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o cargo seja de provimento em comissão.

 

VI– Pedido liminar

 

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção de remuneração à custa do erário.

                   À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 4º, do art. 247 e de todos os cargos constantes no Anexo I (exceto os cargos de Chefe de Gabinete, Secretários Municipais e Procurador Geral do Município) da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, na redação dada pelas Leis Complementares n. 714, de 25 de novembro de 2014; n. 553, de 10 de março de 2009; n. 600, de 15 de junho de 2010; n. 620, de 03 de maio de 2011; n. 630, 30 de junho de 2011; n. 663, de 20 de junho de 2012; n. 694, de 27 de março de 2014; n. 741, de 14 de dezembro de 2015; n. 668, de 29 de junho de 2012; n. 736, de 03 de novembro de 2015; n. 563, de 30 de junho de 2009; n. 692, de 28 de fevereiro de 2014; n. 648, de 03 de abril de 2012; n. 655, de 31 de maio de 2012; n. 651, de 04 de maio de 2012; n. 702, de 05 de junho de 2014; n. 539, de 01 de julho de 2008; n. 555, de 17 de março de 2009; n. 584, de 30 de dezembro de 2009; n. 638, de 30 de setembro de 2011; n. 640, de 30 de novembro de 2011; n. 567, de 18 de agosto de 2009, e n. 694, de 27 de março de 2014, do Município de Marília.

 

VII– Pedido

                   Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 4º, do art. 247 e de todos os cargos constantes no Anexo I (exceto os cargos de Chefe de Gabinete, Secretários Municipais e Procurador Geral do Município) da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, na redação dada pelas Leis Complementares n. 714, de 25 de novembro de 2014; n. 553, de 10 de março de 2009; n. 600, de 15 de junho de 2010; n. 620, de 03 de maio de 2011; n. 630, 30 de junho de 2011; n. 663, de 20 de junho de 2012; n. 694, de 27 de março de 2014; n. 741, de 14 de dezembro de 2015; n. 668, de 29 de junho de 2012; n. 736, de 03 de novembro de 2015; n. 563, de 30 de junho de 2009; n. 692, de 28 de fevereiro de 2014; n. 648, de 03 de abril de 2012; n. 655, de 31 de maio de 2012; n. 651, de 04 de maio de 2012; n. 702, de 05 de junho de 2014; n. 539, de 01 de julho de 2008; n. 555, de 17 de março de 2009; n. 584, de 30 de dezembro de 2009; n. 638, de 30 de setembro de 2011; n. 640, de 30 de novembro de 2011; n. 567, de 18 de agosto de 2009, e n. 694, de 27 de março de 2014, do Município de Marília.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Marília, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                  

                   Termos em que, pede deferimento.

                                

                                São Paulo, 12 de fevereiro de 2016

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

ef/mam

 

 

Protocolado n. 83.887/15

 

1.      Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 4º, do art. 247 e de todos os cargos constantes no Anexo I (exceto os cargos de Chefe de Gabinete, Secretários Municipais e Procurador Geral do Município) da Lei Complementar n. 11, de 17 de dezembro de 1991, na redação dada pelas Leis Complementares n. 714, de 25 de novembro de 2014; n. 553, de 10 de março de 2009; n. 600, de 15 de junho de 2010; n. 620, de 03 de maio de 2011; n. 630, 30 de junho de 2011; n. 663, de 20 de junho de 2012; n. 694, de 27 de março de 2014; n. 741, de 14 de dezembro de 2015; n. 668, de 29 de junho de 2012; n. 736, de 03 de novembro de 2015; n. 563, de 30 de junho de 2009; n. 692, de 28 de fevereiro de 2014; n. 648, de 03 de abril de 2012; n. 655, de 31 de maio de 2012; n. 651, de 04 de maio de 2012; n. 702, de 05 de junho de 2014; n. 539, de 01 de julho de 2008; n. 555, de 17 de março de 2009; n. 584, de 30 de dezembro de 2009; n. 638, de 30 de setembro de 2011; n. 640, de 30 de novembro de 2011; n. 567, de 18 de agosto de 2009, e n. 694, de 27 de março de 2014, do Município de Marília, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.      Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 12 de fevereiro de 2016

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

ef/mam