Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 12.989/15

 

 

Constitucional. Urbanístico. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 35/2014, de 02 de setembro de 2014, do Município de Rancharia. Alteração do art. 135 da Lei n. 24/07, de 25 de junho de 2007, que dispõe sobre o Plano Diretor Urbanístico e Ambiental e o sistema e processo de planejamento e gestão do desenvolvimento do Município de Rancharia. Uso, ocupação e parcelamento do solo. Chácaras de recreio. Dimensão geodésica (área mínima e testada). Redução. Norma de desenvolvimento urbano. Processo legislativo. Participação comunitária. Ausência. Inconstitucional lei municipal urbanística que não assegura a participação comunitária em seu processo legislativo (art. 180, II, CE/89).

 

 

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e 129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso Protocolado 12.989/15, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, em face do art. 1º da Lei Complementar n. 35, de 02 de setembro de 2014, do Município de Rancharia, pelos fundamentos a seguir expostos:

I - O ato normativo impugnado

1.                A Lei Complementar n. 35, de 02 de setembro de 2014, do Município de Rancharia, promoveu alterações no art. 135 da Lei n. 24/07, de 25 de junho de 2007, que dispõe sobre o Plano Diretor Urbanístico e Ambiental e o sistema e processo de planejamento e gestão do desenvolvimento do Município de Rancharia. Eis a redação de seu art. 1º:

“Artigo 1º - O artigo 135, da Lei 024/07, passa a ter a seguinte redação:

Art. 135 – A área mínima do lote deverá ser de 1200 m2 (um mil e duzentos metros quadrados), com testada mínima de 30 metros lineares” (fl. 82).

2.                Em sua redação original, o citado art. 135 da Lei n. 24, de 2007, assim dispunha:

“Art. 135 – A área mínima do lote deverá ser de 20.000,00 m2 (vinte mil metros quadrados) com testada mínima de 50 m (cinquenta metros) lineares” (fl. 59).

3.                Tal dispositivo se refere às chácaras de recreio, encartado nas normas municipais de uso, ocupação e parcelamento do solo, caracterizando-se como norma de desenvolvimento urbano, e, como visto, o art. 1º da Lei Complementar n. 35/14 reduziu a dimensão geodésica (área mínima e testada) exigidas para aquela forma de ocupação.

4.                O Projeto de Lei n. 45/2014 (fls. 40/82, 94/137) do qual resultou a Lei Complementar n. 35/14 não primou pela observância de qualquer forma de participação comunitária em seu trâmite.

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

5.                A Constituição Federal assegura aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes respeito aos princípios da própria Constituição Federal e da Constituição Estadual (art. 29), entre eles a cooperação das associações representativas no planejamento municipal (art. 29, XII) e o planejamento urbano na política de desenvolvimento urbano e de expansão urbana, cujo objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes (art. 182 e § 1º).

6.                A Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29 da Constituição da República assim dispõe:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

7.                Destarte, as Constituições Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia municipal.

8.                A norma impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal, porque viola o disposto nos arts. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo, que assim preceitua:

“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

(...)

II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes”.

9.                O art. 180, II, da Constituição Estadual, determina a participação da população em todas as matérias atinentes ao desenvolvimento urbano, como as relativas ao parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, sendo norma reiteradamente prestigiada pela jurisprudência adiante transcrita:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (TJSP, ADI 163.559-0/0-00).

“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.

‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei municipal que altera substancialmente a lei que dispõe sobre o Plano Diretor do Município - Necessidade de ser o processo legislativo - tanto o referente à elaboração da Lei do Plano Diretor como daquela que a altera — integrado por estudos técnicos e manifestação das entidades comunitárias, fato que não ocorreu — Audiência do Conselho Municipal de Política Urbana que não supre a exigência da participação popular, caracterizadora de uma democracia participativa – Ação procedente” (TJSP, ADI 0207644- 30.2011.8.26.0000, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 21-03-2012).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra a Lei Municipal n. 6.427, de 13 de julho de 2010, do Município de Mogi das Cruzes. Norma relativa ao desenvolvimento urbano. Lei de ordenamento do uso e ocupação do solo. Ausência de estudos e de planejamentos técnicos e de participação comunitária. Imprescindibilidade. Incompatibilidade vertical da norma mogicruzense com a Constituição Paulista. Ocorrência. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça. Ofensa ao artigo 180, II e 191 da Constituição Bandeirante. Inconstitucionalidade configurada. Ação procedente” (TJSP, ADI 0494837-36.2010.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, v.u., 12-09-2012).

“AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE. Lei Complementar nº 2.505/12 do Munícipio de Ribeirão Preto, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre o parcelamento, uso e ocupação do solo. Ausência de participação da comunidade e de trabalho técnico para elaboração do projeto de lei. Afronta aos artigos 180, II e 191 da Carta Bandeirante e por força do que dispõe o art. 144 da citada Carta Estadual ao artigo 182, caput, da Constituição Federal. Precedentes da Corte. Ação procedente, modulados os efeitos da declaração” (TJSP, ADI 2098360-48.2014.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, v.u., 15-10-2014).

10.              Para que o Município possa exercer sua autonomia legislativa neste assunto, é preciso possibilitar e efetivamente garantir o controle social, isto é, a “participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes” (art. 180, II, Constituição Estadual).

11.              A participação popular no desenvolvimento urbano é um instrumento legitimador das normas produzidas na ordem democrática, que, além de possibilitar a discussão especializada e multifocal do assunto, garante-lhe a própria constitucionalidade, como robustece o art. 29, XII, da Constituição Federal de 1988. Como explica José dos Santos Carvalho Filho:

“as autoridades governamentais, sobretudo as do Município, sujeitam-se ao dever jurídico de convocar as populações e, por isso, não mais lhe fica assegurada apenas a faculdade jurídica de implementar a participação popular no extenso e contínuo processo de planejamento urbanístico” (Comentários ao Estatuto da Cidade, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 4ªed., 2011, p. 298).

12.              A respeito, o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim decidiu:

“A participação popular na criação de leis versando política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Ela deve ser assegurada não apenas de forma indireta e genérica no ordenamento normativo do Município, mas especialmente na elaboração de cada lei que venha a causar sério impacto na vida da comunidade” (ADI. 0052634-90.2011.8.26.0000, Rel. Elliot Akel, 27-02-2013).

13.              A democracia participativa decorrente do artigo 180, inciso II, da Constituição Estadual, alcança a elaboração da lei durante o trâmite de seu processo legislativo até o estágio final de sua produção, permitindo que a população participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de vida, e os usos urbanísticos.

14.              É inexorável a incompatibilidade entre o diploma legal impugnado e o ordenamento constitucional estadual, pois, a Constituição do Estado de São Paulo prevê objetivamente a necessidade de participação comunitária em matéria urbanística.

III – Pedido liminar

15.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como violadora da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação em face do licenciamento de construções e edificações lastreado em norma inconstitucional.

16.              À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 1º da Lei Complementar n. 35, de 02 de setembro de 2014, do Município de Rancharia.

IV – PEDIDO

17.              Face ao exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar n. 35, de 02 de setembro de 2014, do Município de Rancharia.

18.              Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de Rancharia, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

         Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj

                                                                                                                            

 

 

 

 



Protocolado nº 12.989/15

Interessado: Doutor Raffaele De Filippo Filho – 1º Promotor de Justiça de Rancharia

Objeto: representação para controle de constitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar n. 35, de 02 de setembro de 2014, do Município de Rancharia

 

        

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade impugnando o art. 1º da Lei Complementar n. 35, de 02 de setembro de 2014, do Município de Rancharia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 24 de fevereiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj