Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 121.460/15

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Leis complementares nº 1.944, de 12 de janeiro de 2009, e nº 2.150, de 22 de agosto de 2012, ambas do Município de São Pedro do Turvo. Cargos de provimento em comissão. Regime celetista. Ausência de descrição das atribuições dos cargos de Diretor. 1. Sujeição dos cargos de provimento em comissão ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da Constituição Estadual). 2. Cargos de Diretor, de provimento em comissão sem descrição das respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público devem estar descritas na lei, não bastando, para isso, a definição tão-somente das funções do órgão da administração. Violação do princípio da reserva legal (arts. 111, 115, incisos I, II e V, e 144, CE/89).

 

 

            O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face do art. 3º da Lei Complementar nº 1.944 de 12 de janeiro de 2009; e dos cargos de Diretor Municipal do Pronto Atendimento, Diretor Municipal de Obras e Serviços Urbanos, Diretor Municipal de Obras e Serviços Rurais, Diretor Municipal do Programa de Saúde da Família, Diretor Municipal de Economia e Finanças, Diretor Municipal de Cultura, Diretor Municipal de Turismo, Diretor Municipal de Controle de Zoonoses, Diretor Municipal de Compras, Diretor Municipal de Administração Escolar, e Diretor Municipal de Lazer, do Idoso, da Inf., da Juv., da Cid. e dos Portadores de Necessidades Especiais, previstos no Anexo II, da Lei Complementar nº 2.150, de 22 de agosto de 2012; ambas do Município de São Pedro do Turvo, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

                  A Lei Complementar nº 1.944 de 12 de janeiro de 2009, do Município de São Pedro do Turvo, assim dispõe em seus arts. 3º e 4º:

“(...)

(...)”

                  Por seu turno, a Lei Complementar nº 2.150, de 22 de agosto de 2012, do Município de São Pedro do Turvo, prevê no que interessa:

“(...)

Art. 38 - Os órgãos integrantes da estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de São Pedro do Turvo serão dirigidos:

I - a Chefia de Gabinete do Prefeito, por Chefe de Gabinete;

II — a Procuradoria Jurídica Municipal, por Procurador Jurídico;

III — as Secretarias Municipais de Áreas, por Secretário de Área;

IV — as Diretorias Municipais, por Diretor de Área;

V - os Departamentos Municipais, por Chefe de Departamento;

VI — as Divisões Municipais, por Encarregado.

VII — a Junta do Serviço Militar, por Encarregado da Junta do Serviço Militar;

VIII — a Unidade Municipal de Cadastro, por Encarregado da UMC.

IX — o Banco do Povo, por Encarregado aprovado para esta função.

Parágrafo Único - Os cargos de que tratam os incisos de I, III e IV deste artigo, são de provimento em Comissão, considerados de livre nomeação e exoneração pelo Prefeito Municipal e os cargos constantes dos incisos V, VII, X e XI são funções de confiança, exercidas por servidores do quadro de pessoal efetivo, designados para as respectivas funções. Os Cargos de que tratam os incisos II e VI pertencem ao quadro de pessoal efetivo.

(...)

Art. 43 - Os cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo Municipal e respectivo vencimento constam do Anexo II desta Lei Complementar.

(...)

ANEXO II

CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO, QUANTIDADE, VENCIMENTO E ESCOLARIDADE.

(...)

 

(...)” (g.n.)

 

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

a)    DO REGIME CELETISTA

A sujeição dos ocupantes de cargos comissionados ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, é inconciliável o cargo em comissão de livre provimento e exoneração com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

A inserção do cargo comissionado no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade inaceitável e incompatível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

De fato, a cessação do provimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade.

Examinando preceito da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul que assegurava “aos ocupantes de cargos de que trata este artigo será assegurado, quando exonerados, o direito a um vencimento integral por ano continuado na função, desde que não titulem outro cargo ou função pública” (art. 32, § 3º), estimou o Supremo Tribunal Federal:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

         Desse julgamento merece destaque o seguinte excerto:

“9. Se, por força da cláusula constitucional explícita, a exoneração do cargo em comissão é livre, não pode estar subordinada a nenhuma condição. A exigência do pagamento de indenização equivalente a um mês de vencimentos, por ano de exercício de cargo em comissão, restringe o poder discricionário da Administração de livremente nomear e exonerar o ocupante do cargo, por considerações ligadas aos encargos financeiros decorrentes, tudo de forma a inibir essas prerrogativas da Administração, emanadas da Constituição.

10. A indenização prevista nas normas impugnadas, dessa forma, é inconciliável com a regra contida na segunda parte do inciso II do art. 37 da Constituição Federal”.

         Outro precedente da Suprema Corte é mais expressivo:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

Nesse julgamento assinalou o eminente Ministro Paulo Brossard que:

“Os titulares dos cargos ou das funções sujeitos à investidura por concurso público gozam de garantias previstas na Constituição: são garantias inerentes ao exercício do cargo, que não são concedidas às pessoas como privilégio, mas para garantir o exercício das funções dentro dos estritos limites da lei, a salvo de pressões e injunções de toda ordem; para estes o ordenamento jurídico entende que é necessária alguma garantia.

Ao contrário, os que ascendem a cargos não sujeitos à investidura por concurso, ficando à mercê da dispensa ou exoneração ad nutum, convivem a todo instante com o dever de fidelidade para com a execução da diretriz política que lhe foi confiada e com o caráter transitório da sua presença na administração pública; para estes não é desejável nenhuma garantia além daquela que advém do correto e eficiente desempenho das tarefas que lhe foram confiadas, e que aceitaram delas desincumbir-se.

5. Concluo entendendo que a relevância da matéria está posta no interesse da Administração, e não do servidor, e que a manutenção da disposição impugnada é desaconselhada pelo art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal, porque se a nomeação é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração, o dever de indenizar restringe essa liberdade”.

Resta evidente que a repressão deste regime trabalhista à dispensa imotivada não comporta as necessidades da Administração Pública de livre nomeação e exoneração, motivo pelo qual se faz necessário afastar todos os cargos em comissão previstos no diploma impugnado.

Pois, da mesma forma que se edifica a impossibilidade de sua sujeição ao regime contratual (celetista), também se denota a inviabilidade plena e absoluta da concessão de elementos integrantes do regime legal (estatutário) peculiares e exclusivos dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo ou dissonantes da natureza do cargo de provimento em comissão – situando-se, por exemplo, nesta latitude, a estabilidade ordinária ou anômala (STF, RE-AgR 181.727-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 23-08-2005, v.u., DJ 09-12-2005, p. 14, RT 848/150; STF, RE 146.332-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Octávio Gallotti, 15-09-1992, v.u., DJ 06-11-1992, p. 20.109, RTJ 143/335), a estabilidade sindical provisória (STF, RE 183.884-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 08-06-1999, v.u., DJ 13-08-1999, p. 14) e as “horas-extras” (TJSP, AC 158.793-5/4-00, Limeira, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio C. Malheiros, v.u., 11-10-2005; TJSP, AC 118.215-5-00, Nhandeara, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Rulli, v.u., 16-10-2002; TJSP, AC 128.751-5/9-00, Ribeirão Preto, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Geraldo Lucena, v.u., 14-05-2003; TJSP, AC 257.045-5/3-00, Cubatão, 12ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Prado Ferreira, v.u., 16-08-2006). Neste contexto, pronuncia venerando acórdão que “indenizações rescisórias e FGTS são incompatíveis para os ocupantes dos cargos providos em comissão” (TJSP, AC 323.630-5/9, São Carlos, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Castilho Barbosa, 27-03-2007).

Complementando esta digressão, a doutrina pondera que “o servidor que exercer cargo público em comissão poderá ser demitido ad nutum, não ficando sujeito às formas demissionárias dos servidores públicos efetivados” [Claudionor Duarte Neto. O Estatuto do Servidor Público (Lei n° 8.112/90) à luz da Constituição e da Jurisprudência, São Paulo: Atlas, 2007, p. 51], e, por isso, se na Administração Pública direta é admissível a sujeição dos servidores públicos lato sensu ao regime celetista como empregados públicos, a Lei n. 9.962/00, de âmbito federal, exclui dessa possibilidade os cargos de provimento em comissão (art. 1°, § 2°, b).

Sob outro prisma, é inegável o reconhecimento de franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa-fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, infringe a lei municipal ambos os princípios. Como os empregos comissionados constituem exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por critérios pessoais e subjetivos, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

Ora, o padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego comissionado, à luz da conformação constitucional que realça a liberdade de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente políticos. Em suma, a sujeição do emprego comissionado ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza do provimento em comissão cuja marca eloquente é a instabilidade ditada pela relação de confiança.

Dessa forma, o dispositivo que submete os ocupantes de empregos em comissão ao regime celetista – art. 3º da Lei Complementar nº 1.944 de 12 de janeiro de 2009, do Município de São Pedro do Turvo – viola os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

 

b)    FALTA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE DIRETOR

Não há na Lei Complementar nº 2.150, de 22 de agosto de 2012, do Município de São Pedro do Turvo, descrição das atribuições dos cargos de Diretor Municipal do Pronto Atendimento, Diretor Municipal de Obras e Serviços Urbanos, Diretor Municipal de Obras e Serviços Rurais, Diretor Municipal do Programa de Saúde da Família, Diretor Municipal de Economia e Finanças, Diretor Municipal de Cultura, Diretor Municipal de Turismo, Diretor Municipal de Controle de Zoonoses, Diretor Municipal de Compras, Diretor Municipal de Administração Escolar, e Diretor Municipal de Lazer, do Idoso, da Inf., da Juv., da Cid. e dos Portadores de Necessidades Especiais.

Em verdade, a Lei Complementar nº 2.150/12, do Município de São Pedro do Turvo, trouxe em seus arts. 26 à 37 (fls. 41/51 do protocolado que segue anexo), tão somente, as atribuições das Diretorias, e não dos cargos de Diretores.

Desse modo, a lei local descreveu as funções dos órgãos da administração pública municipal, mas não dos cargos mencionados.

Tal omissão vulnera o princípio da legalidade ou reserva legal e o art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal).

Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)

III – Pedido liminar

                  À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de São Pedro do Turvo apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil reparação.

                   À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação do art. 3º da Lei Complementar nº 1.944 de 12 de janeiro de 2009; e dos cargos de Diretor Municipal do Pronto Atendimento, Diretor Municipal de Obras e Serviços Urbanos, Diretor Municipal de Obras e Serviços Rurais, Diretor Municipal do Programa de Saúde da Família, Diretor Municipal de Economia e Finanças, Diretor Municipal de Cultura, Diretor Municipal de Turismo, Diretor Municipal de Controle de Zoonoses, Diretor Municipal de Compras, Diretor Municipal de Administração Escolar, e Diretor Municipal de Lazer, do Idoso, da Inf., da Juv., da Cid. e dos Portadores de Necessidades Especiais, previstos no Anexo II, da Lei Complementar nº 2.150, de 22 de agosto de 2012; ambas do Município de São Pedro do Turvo.

IV – Pedido

                  Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei Complementar nº 1.944 de 12 de janeiro de 2009; e dos cargos de Diretor Municipal do Pronto Atendimento, Diretor Municipal de Obras e Serviços Urbanos, Diretor Municipal de Obras e Serviços Rurais, Diretor Municipal do Programa de Saúde da Família, Diretor Municipal de Economia e Finanças, Diretor Municipal de Cultura, Diretor Municipal de Turismo, Diretor Municipal de Controle de Zoonoses, Diretor Municipal de Compras, Diretor Municipal de Administração Escolar, e Diretor Municipal de Lazer, do Idoso, da Inf., da Juv., da Cid. e dos Portadores de Necessidades Especiais, previstos no Anexo II, da Lei Complementar nº 2.150, de 22 de agosto de 2012; ambas do Município de São Pedro do Turvo.

                  Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São Pedro do Turvo, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

Termos em que, pede deferimento.

 

São Paulo, 02 de fevereiro de 2016.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 121.460/15

Assunto: Encaminha representação para análise de eventual inconstitucionalidade das Leis Complementares Municipais nº 1944/09, nº 2150/12, nº 2188/13 e 2235/14, do Município de São Pedro do Turvo

 

 

 

 

 

 

1.                Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 3º da Lei Complementar nº 1.944 de 12 de janeiro de 2009; e dos cargos de Diretor Municipal do Pronto Atendimento, Diretor Municipal de Obras e Serviços Urbanos, Diretor Municipal de Obras e Serviços Rurais, Diretor Municipal do Programa de Saúde da Família, Diretor Municipal de Economia e Finanças, Diretor Municipal de Cultura, Diretor Municipal de Turismo, Diretor Municipal de Controle de Zoonoses, Diretor Municipal de Compras, Diretor Municipal de Administração Escolar, e Diretor Municipal de Lazer, do Idoso, da Inf., da Juv., da Cid. e dos Portadores de Necessidades Especiais, previstos no Anexo II, da Lei Complementar nº 2.150, de 22 de agosto de 2012; ambas do Município de São Pedro do Turvo junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.                Arquive-se no que se refere a (i) gratificação prevista no art. 46, § 1º, bem como aos (ii) cargos de Chefia de Departamento e de Encarregados, ambos da Lei Complementar nº 2.150/12, do Município de São Pedro do Turvo, visto tratarem-se, nos dois casos, a servidores de provimento efetivo. 

São Paulo, 03 de fevereiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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