EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 117.978/2015

 

 

 

Ementa:

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 97 e 103 da Lei n. 2.418/94, com a redação dada pela Lei n. 4.171/08, do Município de Caieiras. Lei n. 3.353/03, com a redação dada pelas leis n. 3.456/03 e n. 3.544/04, do Município de Caieiras. Previsão de cinco meses de licença prêmio, com possibilidade de conversão de 80% em pecúnia. Autorização de prêmio que se equipara a 14º Salário. vantagens pessoais que não atendem ao interesse público e às exigências do serviço. ofensa ao princípio da razoabilidade. violação aos artigos 111 e 128 da Constituição Estadual. 1. A concessão 05 (cinco) meses de licença prêmio a cada cinco anos de efetivo exercício, com possibilidade de conversão de 80% em pecúnia, bem como o pagamento de “prêmio” que se equipara a “14º salário” extrapolam a razoabilidade e violam os princípios da moralidade e interesse público. 2.  Constituição Estadual: artigos 111 e 128, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144.

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos artigos 97 e 103 da Lei n. 2.418, de 13 de maio de 1994, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 4.171, de 11 de agosto de 2008, e da Lei n. 3.353, de 14 de março de 2003, com a redação que lhe foi dada pelas Leis n. 3.456, de 21 de novembro de 2003 e n. 3.544, de 06 de maio de 2004, todas do Município de Caieiras, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

I. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

         Os artigos 97 e 103 da Lei Municipal n. 2.418, de 13 de maio de 1994, com a redação dada pela Lei Municipal n. 4.171, de 11 de agosto de 2008, de Caieiras, assim dispõe:

“Art. 97 – Ao funcionário que requerer será concedida licença-prêmio de cinco meses consecutivos, com todos os direitos de seu cargo, após cada quinquênio de efetivo exercício.

(...)

Art. 103 – Ao funcionário que completar cinco anos de efetivo exercício é facultado converter em pecúnia 80% (oitenta por cento) do valor da licença-prêmio, que incidirá sobre seus vencimentos com as vantagens previstas em lei, devendo o pagamento ser efetuado até 20 (vinte) dias após o requerimento protocolado.”.

         Já a Lei n. 3.544, de 06 de maio de 2004, do Município de Caieiras, estabelece:

“Art. 1º - O Artigo 1º, da Lei Municipal nº 3.456, de 21 de Novembro de 2.003, que deu nova redação ao Artigo 1º da Lei Municipal nº 3.353, de 14 de Março de 2.003, passa a vigorar com a seguinte redação:

 ‘Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder prêmio aos servidores públicos municipais, ativos, inativos e aos pensionistas, da Prefeitura do Município de Caieiras, a ser pago no mês de junho de cada exercício, proporcionalmente à base de 1/12 (um doze avos) por mês, relativos ao período dos últimos 12 (doze) meses anteriores ao mês do pagamento.’

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

A Lei Municipal n. 3.456 de 21 de novembro de 2003, de Caieiras, por sua vez, dispunha:

Art. 1º -  O Artigo 1º, e respectivo Parágrafo Único, da Lei Municipal nº 3353, de 14 de março de 2003, passam a vigorar com as seguintes redações:

 

“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder prêmio aos servidores públicos municipais, ativos, inativos e aos pensionistas, da Prefeitura do Município de Caieiras, a ser pago no mês de julho de cada exercício, proporcionalmente à base de 1/12 (um doze avos) por mês, relativos ao período dos últimos 12 (doze) meses anteriores ao mês do pagamento.

“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder prêmio aos servidores públicos municipais, ativos, inativos e aos pensionistas, da Prefeitura do Município de Caieiras, a ser pago no mês de junho de cada exercício, proporcionalmente à base de 1/12 (um doze avos) por mês, relativos ao período dos últimos 12 (doze) meses anteriores ao mês do pagamento.” (Redação dada pela Lei nº 3.544/2004)

Parágrafo único - O valor do prêmio autorizado pela presente lei será, no máximo, o equivalente aos vencimentos integrais do servidor ativo, dos proventos, no caso de inativo e do benefício, no caso de pensionistas, incidindo sobre os valores o Imposto de Renda de Pessoa Física e demais descontos determinados por lei.”

Art. 2º -  Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

Já a Lei n. 3.353, de 14 de março de 2003, do referido Município, dispõe:

“Art. 1º -  O Artigo 1º, e respectivo Parágrafo Único, da Lei Municipal nº 3353, de 14 de março de 2003, passam a vigorar com as seguintes redações:

“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder prêmio aos servidores públicos municipais, ativos, inativos e aos pensionistas, da Prefeitura do Município de Caieiras, a ser pago no mês de julho de cada exercício, proporcionalmente à base de 1/12 (um doze avos) por mês, relativos ao período dos últimos 12 (doze) meses anteriores ao mês do pagamento.

“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder prêmio aos servidores públicos municipais, ativos, inativos e aos pensionistas, da Prefeitura do Município de Caieiras, a ser pago no mês de junho de cada exercício, proporcionalmente à base de 1/12 (um doze avos) por mês, relativos ao período dos últimos 12 (doze) meses anteriores ao mês do pagamento.” (Redação dada pela Lei nº 3.544/2004)

Parágrafo único - O valor do prêmio autorizado pela presente lei será, no máximo, o equivalente aos vencimentos integrais do servidor ativo, dos proventos, no caso de inativo e do benefício, no caso de pensionistas, incidindo sobre os valores o Imposto de Renda de Pessoa Física e demais descontos determinados por lei.”

Art. 2º -  Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

II. DO PARÂMETRO DE INCONSTITUCIONALIDADE

         Os dispositivos impugnados do Município de Caieiras contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Com efeito, referidos atos normativos municipais são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e que assim estabelecem:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

III. DA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, MORALIDADE E IMPESSOALIDADE

         Como é cediço, a instituição de vantagens, pessoais ou pecuniárias para servidores públicos, só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

         A concessão de licença-prêmio a cada cinco anos de efetivo serviço é prática que costuma se verificar na administração pública. A título de exemplo, a Lei Estadual n. 10.261/68 (Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo) prevê em seu artigo 209 a possibilidade de concessão de licença prêmio de 90 (noventa) dias, após cinco anos de efetivo serviço, sendo certo que, nos termos do artigo 215, poderá converter 50% em pecúnia apenas o servidor com pelo menos 15 anos de serviço.

         No Município de Caieiras constata-se a previsão de concessão de 05 meses de licença prêmio, a cada 05 anos de efetivo serviço, com a possibilidade de conversão de 80% em pecúnia.

         Considerando os prazos usualmente utilizados e a própria natureza do instituto, conclui-se que o prazo previsto (05 meses) e a possibilidade de conversão de 80% em pecúnia refogem à moralidade e a razoabilidade constantes do art. 111 da Constituição Paulista.

         Não podemos esquecer, ainda, que tal vantagem não atende ao interesse público e às exigências do serviço, consoante impõe o artigo 128 da CE/89.

         Da mesma forma, o denominado “14º Salário”, ou “prêmio”, não atende a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço, servindo apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos agentes públicos.

         Vale lembrar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 495), que, criticando a excessiva liberalidade da Administração Pública na concessão de vantagens pecuniárias “anômalas”, sem qualquer razão de interesse público, pontuava que:

“(...)

Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interesse administrativo, por relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público. (...)”

         Essa é, precisamente, a situação em que se encaixa o denominado “prêmio”.

         Mas não é só.

         Os atos normativos impugnados que instituíram a licença prêmio de 05 (cinco) meses, com possibilidade de conversão de 80% em pecúnia, bem como o “prêmio” ou “14º Salário” ofendem o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

         Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

         As citadas vantagens não passam por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados; (b) é, por consequência, inadequado na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

         Anote-se que a licença prêmio, embora seja necessária e adequada, a norma em análise, por conceder o benefício por prazo assaz prolongado, não atende ao critério da proporcionalidade em sentido estrito, pois cria ônus excessivo para Poder Público.

         Inconstitucionais, portanto, os atos normativos impugnados por contrariedade aos arts. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

IV. PEDIDO LIMINAR

         Demonstrada quantum satis a inconstitucionalidade dos dispositivos legais apontados, requerida é a concessão de medida liminar para suspensão de sua eficácia.

         Em se tratando do controle normativo abstrato, uma vez verificada a cumulativa satisfação dos requisitos legais concernentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia dos preceitos legais tidos inconstitucionais.

         Convergem para tanto a plausibilidade jurídica da tese exposta na inicial e o delineamento da situação do risco irreparável consistente no pagamento e manutenção de vantagens pessoais e pecuniárias ilegalmente fixadas, de modo a gravar ilicitamente o erário e dispensar tratamento desigualitário com sérias repercussões financeiras e jurídicas na comuna.

         Posto isso, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos atos normativos impugnados, durante o trâmite da presente ação e até seu final julgamento.

V. PEDIDO

         Assim, em face do exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade dos artigos 97 e 103 da Lei n. 2.418, de 13 de maio de 1994, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 4.171, de 11 de agosto de 2008, e da Lei n. 3.353, de 14 de março de 2003, com a redação que lhe foi dada pelas Leis n. 3.456, de 21 de novembro de 2003 e n. 3.544 de 06 de maio de 2004, todas do Município de Caieiras.

         Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Caieiras, bem como a citação do douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, e, posteriormente, vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 02 de março de 2016.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 117.978/15

 

 

 

 

 

1.      Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 02 de março de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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