EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 71.135/15

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade em face das Leis Complementares nº 510/13, 528/14, 533/14, 534/14, 537/14 e 541/14, todas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

2)      Incompatibilidade da aplicação da jornada de trabalho de 20 (vinte) horas semanais ao cargo de provimento em comissão de “Assessor Parlamentar”.

3)      Gratificações supletivas previstas para cargos de provimento em comissão. Maior grau de disponibilidade do servidor público ínsita à natureza do cargo. Ofensa ao princípio da razoabilidade. Benefício que não atende ao interesse público e às exigências do serviço. Constituição Estadual: arts. 111, 128 e 144

4)      Cargos de “Assessor de Relações Humanas” e “Assessor de Relações Institucionais” de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão função técnica, burocrática, operacional e profissional a ser preenchida por servidor público investido em cargo de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Supressão de atribuições que não atende ao interesse público e as exigências do emprego público, levando em conta a moralidade administrativa e o princípio da razoabilidade. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 71.135/15, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “o cargo de assessor parlamentar (assessor I), 20 horas” contida no art. 48, § 3º, e dos cargos de “Assessor de Relações Humanas” e “Assessor de Relações Institucionais” previstos no Anexo I, da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013; em face da Lei Complementar nº 528, de 29 de julho de 2014; em face dos arts. 1º e 3º, da Lei Complementar nº 533, de 26 de agosto de 2014; todas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, pelos fundamentos expostos a seguir:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O presente expediente foi instaurado a partir de representação encaminhada pelo Promotor de Justiça de Santa Cruz do Rio Pardo, para fins de análise da inconstitucionalidade de diversas Leis Complementares do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

A Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “Dispõe sobre a organização administrativa, plano de empregos e salários, quadros de pessoal e tabela de vencimentos da Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, e dá outras providências”, assim prevê na parte que interessa:

“(...)

Artigo 48 – O ocupante de emprego de provimento em comissão ou efetivo, fica sujeito à jornada de 40 (quarenta) horas semanais de trabalho.

(...)

§ 3º - O emprego de telefonista terá jornada de 30 horas; o emprego de recepcionista do legislativo, 36 horas; o emprego de agente contábil e financeiro, 25 horas; o emprego de procurador jurídico, 20 horas; o cargo de assessor parlamentar (assessor I), 20 horas.

(...)

Artigo 51 – Além do vencimento e das vantagens já previstas nesta Lei Complementar, serão deferidas aos funcionários, as seguintes gratificações:

(...)

III – de titulação;

IV – de controle interno;

V – de horário especial de trabalho.

(...) (g.n.)

                              (...)

(...)”

Por sua vez, a Lei Complementar nº 528, de 29 de julho de 2014, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “Altera a redação do Anexo II da Lei Complementar nº 510/2013”, prevê:

“(...)

(...)”

Já a Lei Complementar nº 533, de 26 de agosto de 2014, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “Altera a redação do Anexo II da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013”, dispõe nos seguintes termos:

“(...)

Artigo 1º - Ficam suprimidos do Anexo II da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, no item DIRETOR GERAL (GESTÃO E ASSESSORAMENTO), os incisos VIII, XXXII e XXXIII, pro motivo de duplicidade.

(...)

Artigo 3º - Por motivo de duplicidade fica suprimido o inciso VI do item Assessor Parlamentar (Assessor I), e o inciso III passa a ter a seguinte redação:

III – Trabalhar em cooperação com a Diretoria Geral (Gestão e Assessoramento) na organização das sessões em matérias de natureza legislativa.

(...)”

A Lei Complementar nº 534, de 09 de setembro de 2014, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “Dispõe sobre a alteração de dispositivos que tratam da concessão de gratificações aos servidores da Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo e dá outras providências sobre nomeações para comissões do legislativo”, dispõe in verbis:

“(...)

Artigo 1º - O caput do artigo 53 da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, e seus parágrafos, passam a vigorar com a seguinte redação:

‘Artigo 53 – O Controle Interno será exercido por comissão de até três servidores, de preferência efetivos e, quando possível, devidamente habilitados na forma da legislação inerente a essa função.’

‘§ 1º - A Gratificação de Controle Interno ao servidor designado será de 2 (duas) UFMs – Unidades Fiscais do Município, pelo trabalho devidamente comprovado realizado fora do seu horário normal de serviço, de forma não cumulativa com outras comissões, com exceção das vantagens pessoais a que tiver direito, por força da legislação vigente.’

‘§ 2º - Essa remuneração será paga em forma de gratificação ou horas extras, conforme a natureza dos cargos exercidos por titulares ou exercentes de cargos/empregos na administração da Câmara, durante o período em que estiverem em exercício, com exceção de eventuais prorrogações de prazos, as quais não serão remuneradas.’

‘§ 3º - O Sistema de Controle Interno será regulamentado por lei ordinária, de iniciativa da Mesa.’

(...)

Artigo 5º - O artigo 67 da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Artigo 67 – Os membros da Comissão de Serviço Civil da Câmara Municipal terão direito à gratificação de 2 (duas) UFMs – Unidades Fiscais do Município, pelo trabalho comprovadamente realizado fora do seu horário normal de serviço, de forma não cumulativa com outras comissões, com exceção das vantagens pessoais a que tiverem direito, por força da legislação vigente.’

‘Parágrafo único – Essa remuneração será paga em forma de gratificação ou horas extras, conforme a natureza dos cargos exercidos por titulares ou exercentes de cargos/empregos na administração da Câmara, durante o período em que estiverem em exercício, com exceção de eventuais prorrogações de prazos, as quais não serão remuneradas.’

(...)”

2. INCOMPATIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO DE 20 (VINTE) HORAS SEMANAIS AO CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE “ASSESSOR PARLAMENTAR”

O art. 48, § 3º, da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo é inconstitucional, pois prevê a jornada de trabalho de 20 horas semanais para o cargo de “Assessor Parlamentar (Assessor I)”.

         Isto porque os cargos e/ou empregos de provimento em comissão exercem funções de Direção, Chefia ou Assessoramento e são exigidos deles especial relação de confiança entre o governante e o servidor, razão pela qual é necessária a dedicação integral e sem limitação de horário por parte dos servidores comissionados.

Nesse sentido, considerando o princípio da razoabilidade, é preciso que norma seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos resultados da aplicação da norma); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

De fato, o dispositivo legal traz a aplicação de jornada de trabalho de 20 (vinte) horas semanais aos servidores comissionados, limitando a dedicação integral, o que vai de encontro ao “teste de razoabilidade” acima referido, visto ser inadequada ao interesse público tal possibilidade e desproporcional em sentido estrito, em afronta ao artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo.

No que diz respeito à moralidade administrativa, em especial, anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (Direito Administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 94) (sic).

Não há dúvida de que, na hipótese, houve ofensa à moralidade administrativa. O legislador municipal optou por permitir que servidores comissionados não se dediquem integralmente as suas funções de Direção, Chefia e Assessoramento, em patente violação interesse público e fora de qualquer perspectiva das exigências do serviço.

Dessa forma, a fixação de jornada de trabalho aos cargos e/ou empregos de provimento em comissão caracteriza violação do artigo 111 da Constituição Estadual – em especial, aos princípios da moralidade, razoabilidade, interesse público e eficiência – sendo patente a inconstitucionalidade da expressão “o cargo de assessor parlamentar (assessor I), 20 horas” contida no art. 48, § 3º, da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

3. GRATIFICAÇÕES SUPLETIVAS APLICÁVEIS AOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

A Lei Complementar nº 510/13, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, previu as chamadas “gratificações supletivas” no art. 51, incisos III, IV e V (de titulação, de controle interno e de horário especial de trabalho).

Além disso, pela análise das expressões “de preferência” contida no art. 53 (na redação dada pela LC 534/14) e “preferencialmente” contida no art. 61, parágrafo único, da Lei Complementar nº 510/13, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, tais gratificações não poderiam ter sido estendidas aos ocupantes de cargo em comissão, visto que tal como formulados, tais dispositivos, admitem servidores que não sejam efetivos receberem gratificação por participação na Comissão de Serviço Civil da Câmara Municipal (art. 67 na redação dada pela LC 534/14, da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo).

 Ocorre que o vencimento percebido pelo servidor comissionado já é diferenciado e remunera o trabalho em regime especial nas funções de Direção, Chefia ou Assessoramento, que não devem se subordinar a jornada de trabalho.

Os servidores comissionados justamente por trabalharem em regime especial, não fazem jus à hora extra ou bonificação por dedicação exclusiva.

Note-se que exatamente por se reconhecer a especialidade da função o servidor comissionado recebe uma remuneração maior em comparação aos cargos de provimento efetivo. Portanto, a gratificação em questão remunera em duplicidade o servidor comissionado.

 Cabe ressaltar que a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do “bom administrador”. Quando se trata da gestão do patrimônio público, todas as condutas devem concorrer para a criação do bem comum, e, para tanto, devem observar não somente o que é lícito ou ilícito, o justo ou injusto, mas atender a critérios morais que hoje dão valor jurídico à vontade do administrador. A gestão do dinheiro público exige do administrador prudência muito maior do que aquela que empregamos na gestão dos nossos bens.

Hoje a moralidade administrativa foi erigida em fator de legalidade não só do ato administrativo, mas também da produção normativa.

Assim, não basta a conformação do emprego e disponibilidade do dinheiro público à lei, mas também à moral administrativa e ao interesse coletivo.

A instituição da gratificação questionada para os servidores comissionados não se coaduna com a moral administrativa e com o interesse público e não atende às exigências do serviço.

A necessidade de verificar a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos, no entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

Desta feita, a gratificação instituída contraria o princípio da razoabilidade e moralidade, que devem nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio, é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

Como já demonstrado a gratificação instituída não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Manifesta-se claramente o desrespeito ao princípio da razoabilidade, pela desnecessidade de previsão normativa e por sua inadequação do ponto de vista do Poder Público, bem ainda pela falta de proporcionalidade em sentido estrito, ao criar encargos que não se justificam.

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse C. Órgão Especial, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público. Confira-se: ADI 0136976-34.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 16 de novembro de 2011, ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.

Em casos análogos, essa Corte tem reconhecido a inconstitucionalidade das normas que instituem tais vantagens, firme no entendimento de que são violadoras da moralidade administrativa, princípio de assento constitucional, como demonstra o seguinte excerto de julgado:

“[A] Constituição do Estado, em seu artigo 111, preceitua que a Administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, deve obedecer aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público e, ainda, no seu artigo 128, só autoriza o pagamento de vantagens pecuniárias que atendam ao interesse público e às exigências do serviço, o que, no caso em tela, não aconteceu.

É evidente que o pagamento de adicional de nível universitário a servidores efetivos que exerçam funções para as quais não se exige, como pré-requisito o curso superior, não atende as exigências do serviço como tampouco satisfaz o interesse público, visando, portanto, favorecer somente um grupo de servidores privilegiados que preencheram um dado absolutamente incidental - ter curso superior -, o que se constitui em uma verdadeira liberalidade ilegítima, às expensas do erário, como foi oportunamente lembrado pela douta Procuradoria.

(...)

Diante disso, a promulgação, pela Câmara Municipal, da Resolução impugnada, afronta os artigos 111, 128 e 144, todos da Constituição do Estado” (ADIN nº 064.382-0/0-00, rel. Sinésio de Souza, j. 19 Set. 2001).

Restando caracterizada a violação de preceitos contidos na Constituição do Estado de São Paulo, a saber, aos arts. 111, 115, XVI, 128 e 144, devem ser extirpados do mundo jurídico a expressão “de preferência” contida no art. 53 (na redação dada pela LC 534/14), a expressão “preferencialmente” contida no art. 61, parágrafo único, ambas da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

4. DA NATUREZA TÉCNICA E BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS DE “ASSESSOR DE RELAÇÕES HUMANAS” E “ASSESSOR DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS”

Os cargos de provimento em comissão de Assessor de Relações Humanas e Assessor de Relações Institucionais previstos no Anexo I da Lei Complementar nº 510/13 têm natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional.

As atribuições previstas para tais cargos, relacionadas a suporte técnico, supervisão, gerenciamento, coordenação, orientação, fiscalização, interlocução, controle, acompanhamentos e informações são atividades destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

Além destes aspectos indicativos de que os cargos impugnados desempenham funções subalternas, de pouca complexidade, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição genérica de suas atribuições evidenciam a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.

Dessa forma, o cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com os arts. 111, 115, incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que o cargo de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Não bastasse, a Lei Complementar nº 528/14, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo padece de patente inconstitucionalidade quando retira e modifica atribuições dos empregos públicos em comissão de “Assessor de Relações Institucionais”, “Assessor de Relações Humanas” e “Auxiliar Legislativo”, bem como os arts. 1º e 3º, da Lei Complementar nº 533/14 nos cargos de “Diretor-Geral” e “Assessor Parlamentar (Assessor I)”.

A supressão das atribuições dos dispositivos acima mencionados, mesmo mantidas as demais funções previstas na Lei Complementar nº 510/13, não demonstra qualquer interesse público, motivação ou mesmo justificativa plausível, mesmo porque não houve diminuição do valor referente aos vencimentos do ocupante do emprego público efetivo, tampouco motivação válida para a supressão de atribuições, as quais continuam necessárias aos serviços da Câmara Municipal e ao Poder Legislativo municipal, fator que certamente determinará ulterior abertura de concurso público para contratação de servidor que possa exercer idênticas funções ou mesmo a contratação de servidor temporário para esse mister, resultando em maiores e indevidos gastos à Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo.

A necessidade de verificar se a supressão das atribuições atende ao interesse público e as exigências do emprego público deve ter por norte a moralidade administrativa e o princípio da razoabilidade.

Ora, se o servidor foi admitido em concurso público para desempenhar as atribuições elencadas previamente para o emprego público. Considerado apto para tal cargo, deveria ele apresentar condições para o exercício de todas as suas atribuições. Inconstitucional, passado esse termo, sem qualquer razão, justificativa ou motivação mínima, ter retiradas atribuições somente visando interesse próprio, não se mostrando adequada na perspectiva do interesse público.

Portanto, padece de inconstitucionalidade a Lei Complementar nº 528, de 29 de julho de 2014, e os arts. 1º e 3º, da Lei Complementar nº 533, de 26 de agosto de 2014, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

5. DOS PEDIDOS

a)    Do Pedido Liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Santa Cruz do Rio Pardo apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima oneração financeira do erário.

 O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Requer-se ainda a concessão da liminar para a suspensão da eficácia em face da expressão “o cargo de assessor parlamentar (assessor I), 20 horas” contida no art. 48, § 3º, e dos cargos de “Assessor de Relações Humanas” e “Assessor de Relações Institucionais” previstos no Anexo I, da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013; em face da Lei Complementar nº 528, de 29 de julho de 2014; em face dos arts. 1º e 3º, da Lei Complementar nº 533, de 26 de agosto de 2014; todas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

b)    Do Pedido Principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, para a declaração de inconstitucionalidade em face da expressão “o cargo de assessor parlamentar (assessor I), 20 horas” contida no art. 48, § 3º, e dos cargos de “Assessor de Relações Humanas” e “Assessor de Relações Institucionais” previstos no Anexo I, da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013; em face da Lei Complementar nº 528, de 29 de julho de 2014; em face dos arts. 1º e 3º, da Lei Complementar nº 533, de 26 de agosto de 2014; todas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

 São Paulo, 14 de março de 2016.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 71.135/15

 

 

 

 

 

Distribua-se eletronicamente a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da expressão “o cargo de assessor parlamentar (assessor I), 20 horas” contida no art. 48, § 3º, e dos cargos de “Assessor de Relações Humanas” e “Assessor de Relações Institucionais” previstos no Anexo I, da Lei Complementar nº 510, de 17 de dezembro de 2013; em face da Lei Complementar nº 528, de 29 de julho de 2014; em face dos arts. 1º e 3º, da Lei Complementar nº 533, de 26 de agosto de 2014; todas do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

 

São Paulo, 14 de março de 2016.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mtj/dcm