EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 141.533/2015

 

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Lei Complementar nº 206, de 02 de agosto de 2010, do Município de Estiva Gerbi, de iniciativa parlamentar, na parte que modificou a redação do parágrafo único do art. 183A da Lei nº 111 de 01 de dezembro de 1994, do Município de Estiva Gerbi, que estabelece regras para liberação do alvará de funcionamento de depósitos de distribuição de gás liquefeito de petróleo.

2)      Encontra-se na reserva da Administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a organização e regulamentação das atividades dos órgãos municipais. Violação aos arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a, e 144 da Constituição do Estado,

 

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 141.533/2015), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 2º da Lei Complementar nº 206, de 02 de agosto de 2010, do Município de Estiva Gerbi, de iniciativa parlamentar, na parte que modificou a redação do parágrafo único do art. 183A da Lei nº 111, de 01 de dezembro de 1994, do Município de Estiva Gerbi, pelos seguintes fundamentos:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação encaminhada a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo Sr. Juvenal Alves Corrêa Neto.

O art. 2º da Lei Complementar nº 206, de 02 de agosto de 2010, do Município de Estiva Gerbi, de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:

“Art. 2º - Ao inciso IV do artigo 183A e seu respectivo parágrafo único da Lei nº 111 de 01 de dezembro de 1994 (Código de Posturas) dê-se nova redação que passa a ser a seguinte:

“Art. 114 - ............

IV – A utilização de aparelhos sonoros de qualquer forma na venda ou comércio de gás liquefeito de petróleo (gás de cozinha), pelos veículos ambulantes nas ruas da cidade aos domingos e feriados.

Art. 183A – Todas as distribuidores de gás liquefeito de petróleo, só poderão comercializar a venda domiciliar em Estiva Gerbi, quando tiverem depósito instalado no município, respeitadas as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)

Parágrafo Único – A Prefeitura Municipal de Estiva Gerbi somente liberará o alvará de funcionamento dos depósitos, após a aprovação feita pelo departamento de obras do município e do Corpo de Bombeiros, e efetuará obrigatoriamente anualmente antes da renovação do alvará, vistoria nos depósitos de gás liquefeito de petróleo, constando se as distribuidoras permanecem enquadradas dentro das normas técnicas da ABNT

A nova redação dada ao parágrafo único do art. 183A da Lei nº 111, de 01 de dezembro de 1994, do Município de Estiva Gerbi, pelo art. 2º da Lei Complementar nº 206/2010 é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.    dO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O art. 2º da Lei Complementar nº 206/2010, na parte em que deu nova redação ao parágrafo único do art. 183A da Lei nº 111, de 01 de dezembro de 1994, do Município de Estiva Gerbi, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

O dispositivo legal mencionado é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

(...)

Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

2 – criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no artigo 47, XIX;

(...) 

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

(...)

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

3.                DA INCONSTITUCIONALIDADE

O ato normativo impugnado é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar a reserva da administração e o princípio da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

A matéria disciplinada pela Lei encontra-se no âmbito da atividade administrativa do Município, cuja organização, funcionamento e direção superior cabe ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Estaduais ou Municipais.

A regulamentação do procedimento para a concessão de alvarás para funcionamento de estabelecimentos no âmbito do Município, é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

Trata-se de atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração que deve eleger o órgão responsável e o procedimento adequado.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita à disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da imposição de providências e obrigações a determinados órgãos municipais no licenciamento dos depósitos de distribuição de gás liquefeito, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito das atribuições e providências dos órgãos municipais no procedimento de licenciamento do funcionamento de estabelecimentos de depósitos de gás liquefeito. Trata-se de atuação administrativa fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a, e 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.

Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Ainda que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX, da Constituição Estadual.

Assim, a Lei, ao instituir práticas administrativa no licenciamento e fiscalização de estabelecimentos de depósito de gás liquefeito, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no que diz respeito à fixação de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e, de outro, ela ofende os arts. 5º e 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

         4.      DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar nº 206, de 02 de agosto de 2010, do Município de Estiva Gerbi, na parte que modificou a redação do parágrafo único do art. 183A da Lei nº 111, de 01 de dezembro de 1994, do Município de Estiva Gerbi.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Estiva Gerbi, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Após, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 28 de março de 2016.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

aca


Protocolado nº 141.533/2015

Assunto: Inconstitucionalidade das Leis Complementares nº 120/2003, 158/2007, 206/2010 e 242/2012, do Município de Estiva Gerbi

 

                          

 

 

1.                Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 2º da Lei Complementar nº 206, de 02 de agosto de 2010, do Município de Estiva Gerbi, de iniciativa parlamentar, na parte que modificou a redação do parágrafo único do art. 183A da Lei nº 111 de 01 de dezembro de 1994, do Município de Estiva Gerbi, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                A representação deve ser arquivada em  relação às Leis Complementares nº 120/2003, 158/2007 e 242/2012, do Município de Estiva Gerbi, também de iniciativa parlamentar. Referidos atos normativos cuidam de matéria relativa às posturas municipais (regulamentação de horário de funcionamento de determinadas atividades, vedação de utilização de aparelhos sonoros na venda e comércio de gás liquefeito, informações que devem constar no alvará de funcionamento etc...), impondo obrigação positiva, não caracterizando a iniciativa parlamentar violação à separação dos poderes porque não respeita à reserva de iniciativa legislativa nem a de Administração. Não é reservada ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa, nem se encontra na reserva da Administração, matéria relativa à polícia administrativa.

3.                Comunique-se o arquivamento e a propositura da ação ao interessado.

4.                Cumpra-se.

São Paulo, 28 de março de 2016.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca