Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 107.671/15

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei n. 2.548, de 18 de março de 2009, do Município de Itápolis. Cargo de provimento em comissão. Assessor Jurídico. Advocacia pública. Atribuições profissionais.

1. Padece de inconstitucionalidade o provimento comissionado se as funções descritas não substanciam assessoramento, chefia ou direção, mas, atribuições técnicas, profissionais, burocráticas (arts. 111 e 115, II e V, CE/89).

2. Atribuições inerentes à Advocacia Pública são reservadas a servidores titulares de cargos de provimento efetivo da respectiva carreira (arts. 98, 111 e 115, II e V, CE/89).

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 2.548, de 18 de março de 2009, do Município de Itápolis, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

                   A Lei n. 2.548, de 18 de março de 2009, do Município de Itápolis (fls. 04/06), criou 02 (dois) cargos de Assessor Jurídico, de provimento em comissão, no Serviço Autônomo de Água e Esgotos de Itápolis – SAAEI, descrevendo sinteticamente a função da seguinte maneira:

“Assessorar o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itápolis – SAAEI, nos processos e consultas que lhe forem submetidos pelo Superintendente, Diretores e Chefe, emitir pareceres e interpretações de textos legais; confeccionar minutas; manter a legislação local atualizada”.

                   E também descreve suas atribuições típicas nos seguintes termos:

“- Atender a consultas sobre questões jurídicas, submetidas o exame pelo Superintendente, Diretores e Chefes, emitindo parecer, quando for o caso;

- Planejar, executar e fiscalizar os trabalhos referentes à representação, interesses e defesa judicial e extrajudicial do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itápolis – SAAEI;

- Promover a cobrança da dívida ativa;

- Elaborar estudos e pareceres, interpretando leis, decretos e decisões;

- Proceder a pesquisas pendentes a instruir processos administrativos, que versem sobre assuntos jurídicos;

- Participar de reuniões coletivas da Assessoria Jurídica, presidir, sempre que possível, aos inquéritos administrativos;

- Exercer outras atividades compatíveis com a função, de conformidade com a disposição legal ou regulamentar, ou para as quais sejam expressamente designados;

- Executar outras atividades correlatas”.

                   Referida lei se encontra em vigor, conforme certidão emitida pela Câmara Municipal de Itápolis emitida em 27 de agosto de 2015 (fl. 15) ainda que em 25 de junho de 2015 fosse editada a Lei n. 3.194 (fl. 31/32) criando 02 (dois) cargos de Assessor Jurídico de provimento efetivo no Serviço Autônomo de Água e Esgotos de Itápolis – SAAEI, com as atribuições de “assessorar o Superintendente nas práticas da Administração da autarquia emitindo pareceres sobre assuntos de interesse da autarquia, orientando sobre peculiaridades no âmbito do direito administrativo, bem como analisar e/ou defender os interesses jurídicos do SAAEI em todas as esferas”. Contudo, essa nova lei não revogou a lei ora impugnada.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   A Lei n. 2.548, de 18 de março de 2009, do Município de Itápolis, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

                   A lei contestada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. 

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal. 

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

                   O art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal, determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

                   É inconstitucional a criação de cargos ou empregos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

                   A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

                   Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.

                   Portanto, têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador. O essencial é análise do plexo de atribuições das funções públicas.

                   É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras ou descrições vagas, imprecisas, indeterminadas ou, como no caso em tela, com atribuições que se reproduzem em outros cargos igualmente comissionados.

                   A jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553; STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

                   Nesse contexto soa evidente que as atribuições dos cargos de Assessor Jurídico não expressam funções de assessoramento, chefia ou direção, mas, atribuições burocráticas, técnicas e profissionais, tanto que lei posterior criou mais 02 (dois) cargos semelhantes de provimento efetivo.

                   Além disso, convém adicionar a incompatibilidade com o art. 98 da Constituição Estadual, pois, não bastassem as ponderações anteriores, atividades inerentes à advocacia pública (como assessoramento, consultoria e representação jurídica) são exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público, como revela a remissão ao art. 132 da Constituição Federal contida no § 1º do art. 98 da Constituição Estadual. Cediça jurisprudência assim pronuncia:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

III – PEDIDO LIMINAR  

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma municipal apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo à legitimidade do exercício de cargos públicos e à efetividade da Constituição, pois a manutenção da norma impugnada favorecerá o descumprimento do mandamento constitucional.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei n. 2.548, de 18 de março de 2009, do Município de Itápolis.

IV – Pedido

                   Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 2.548, de 18 de março de 2009, do Município de Itápolis.

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da Câmara Municipal de Itápolis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre a lei impugnada, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 05 de abril de 2016.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 107.671/15

Interessado: Avelino Antônio da Cunha – Vereador à Câmara Municipal de Itápolis

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.    Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado em epígrafe mencionado, em face da Lei n. 2.548, de 18 de março de 2009, do Município de Itápolis.

2.    Ciência ao interessado, remetendo-lhe cópia da petição inicial e deste despacho.

 

                            São Paulo, 05 de abril de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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