Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 147.076/2015

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Lei n. 2.522/15 do Município de Boituva. Ação Direta Inconstitucionalidade. Cargos de provimento em comissão. descrição de atribuições que não representam funções de assessoramento, chefia e direção, mas de natureza meramente técnica e profissional. Criação abusiva e superficial de cargos. Exigibilidade de provimento efetivo para postos inerentes à Advocacia Pública. 1. Cargos públicos de provimento em comissão de “Assessor de Divisão”, “Assessor de Departamento”, “Assessor de Secretaria”, “Motorista de Gabinete” e Chefe de Divisão”, cujas atribuições, ainda que descritas, não evidenciam função de assessoramento, chefia e direção, mas, função técnica, burocrática, operacional e profissional a ser preenchida por servidor público investido em cargo de provimento efetivo, inclusive a da advocacia pública, cujo provimento deve se dar mediante aprovação em concurso público (arts. 30, 98, §§ 1º a 3º, 99, 111, 115, II e V, CE/89).

 

 

 

 

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos artigos 6º, § 2º, 25, 26, 27 e 28, e dos cargos em comissão de “Assessor de Divisão”, “Assessor de Departamento”, “Assessor de Secretaria”, “Motorista de Gabinete”, “Chefe de Divisão” e “Diretores de Departamento da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos”, previstos nos anexos I e III, da Lei Municipal n. 2.522, de 24 de setembro de 2015, do Município de Boituva, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

 

I – O Ato Normativo Impugnado

O Município de Boituva editou a Lei Municipal n. 2.522, de 24 de setembro de 2015, a qual dispôs sobre a reorganização administrativa da Prefeitura de Boituva, na qual criou cargo de provimento em comissão, conforme dispositivos abaixo transcritos:

“Art. 6º A Chefia de Gabinete equiparada a Secretaria Municipal é o órgão da Prefeitura Municipal de Boituva que tem por competência as seguintes atribuições:

(...)

§ 2º - Ficam criados no âmbito da Chefia de Gabinete dois cargos em comissão de motorista de gabinete, constante no anexo I da presente lei, ao qual compete realizar o transporte do Chefe do Poder Executivo Municipal e seus acompanhantes em viagens oficiais e compromissos próprios do mandato.

(...)

SEÇÃO III

DOS CHEFES

Art. 25. Os Chefes, responsáveis pelas divisões dos Departamentos que são partes integrantes das Secretarias ora regulamentadas, serão nomeados pelo Prefeito Municipal.

Art. 26. Competem a todos os Chefes, as seguintes atribuições:

I – zelar pela Divisão que está sob sua responsabilidade;

II – orientar, coordenar, supervisionar, controlar e avaliar a execução dos planos, programas, projetos e atividades da Divisão;

III – assistir ao superior hierárquico em assuntos pertinentes à sua unidade;

IV - fazer cumprir as normas e determinações referentes a sua área de atuação;

V – fornecer ao Diretor de departamento, elementos necessários à formulação de diretrizes e ao estabelecimento de metas e programas da Divisão; 

VI – apresentar, periodicamente, ao seu superior hierárquico, relatório de desempenho das suas atribuições;

VII - assinar os documentos referentes a matérias de suas atribuições e proferir despachos interlocutórios;

VIII – desempenhar as demais atividades afins, as que forem determinadas pelo Diretor, pelo Secretário ou pelo Prefeito e as previstas na legislação municipal.

Parágrafo único: Ficam criados em caráter permanente no âmbito da Administração Municipal, os cargos comissionados de Chefes de Divisão, dentro do número previsto no anexo I.

 

SEÇÃO IV

DOS ASSESSORES

Art. 27. Os assessores serão nomeados pelo Prefeito Municipal.

Art. 28. Compete a todos os Assessores, mas seguintes atribuições:

I – zelar pelo bom desempenho do trabalho exercido no Departamento do qual faz parte;

II -  assessorar, de acordo com suas especialidades, o Prefeito Municipal, os Secretários, os Diretores e os chefes em suas atividades específicas;

III – realizar estudos e projetos com a finalidade de facilitar sugestões que julgar necessário ao melhor atendimento à comunidade;

IV – promover a produção do material de circulação externa;

V – recepcionar, distribuir, arquivar e manter atualizado os arquivos de correspondência e documentos do seu Departamento;

VI – desempenhar as demais atividades afins, as que forem determinadas pelo Chefe, Diretor, pelo Secretário ou pelo Prefeito e as previstas na legislação municipal.

Parágrafo único: Ficam criados em caráter permanente no âmbito da Administração Municipal, os cargos comissionados de Assessores de Secretaria, Assessores de Departamento e Assessores de Divisão, dentro do numero previsto no anexo I.”

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

Os dispositivos acima transcritos dos atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

 

A – ATRIBUIÇÕES TÉCNICAS E BUROCRÁTICAS - CRIAÇÃO ABUSIVA E ARTIFICIAL DE CARGOS OU EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

 

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo, esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459), devendo, portanto, observância aos princípios constitucionais.

A autonomia municipal, entre outros aspectos, envolve a capacidade normativa própria, isto é, a aptidão para autolegislar, instituindo normas próprias sobre matéria de sua competência, bem como a capacidade de auto-administração.

Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, se necessárias, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante ampla acessibilidade e igualdade de condições a todos os interessados (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal, bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). O sistema de mérito, portanto, deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Nesse sentido, podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

Para verificar a natureza especial das atribuições dos cargos comissionados (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importa a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador, sendo imprescindível a análise do plexo de atribuições das funções públicas.

É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Não é o que ocorre, eis que a Lei Municipal n. 2.522/2015 do Município de Boituva, em relação aos cargos de Chefe de Divisão, Assessores de Divisão, Departamento e Secretaria e de Motorista de Gabinete, não seguiu os citados parâmetros.

Antes de pautar as razões da inconstitucionalidade dos cargos impugnados, vale dizer que uma análise sumária da estrutura administrativa de Boituva já revelaria o quão abusivo é o excesso de cargos comissionados. Ao lado do Secretário da Pasta, atuam: os diretores de departamento (art. 23), em um total de 46, chefes de divisão (25), em um total de 63, Assessores de Secretaria, Assessores de Departamento e Assessores de Divisão (art. 29), em um total de 100.

Nesse sentido, é inverossímil crer que o governo de uma cidade do porte de Boituva necessite de um total de quase 200 comissionados para desempenhar as atividades típicas de política. 

Tão grave quanto à inexistência legal de descrição das funções do cargo de livre provimento e exoneração, é simular fazê-la utilizando expressões genéricas e imprecisas.

Percebe-se o cargo de chefe de divisão submete-se ao Diretor de Departamento e está distante do comando da administração municipal, não justificando o provimento comissionado. As atribuições (artigo 26) são similares às de Diretor, não se antevendo justificativa para a dispensa do concurso público, sobretudo porque não se extrai da descrição genérica do citado artigo 26 qual seria a relação de confiança que o ocupante do cargo deve ter para o desempenho da função, considerada de terceiro escalão.

Não se pode desconsiderar, ainda, que as atribuições dos cargos de assessores de Secretaria, de Departamento e de Divisão (artigo 28), descritas também de forma genérica, são exatamente as mesmas, não se diferenciando entre si, e contemplam atividades técnicas e burocráticas: “realizar estudos e projetos”, “promover a produção do material de circulação externa”, “recepcionar, distribuir, arquivar e manter atualizado os arquivos”.

Considerando que nem a função e nem o requisito de preenchimento (no caso, inexistente) os distinguem, não há como defender a consistência jurídica na criação de distintos cargos de assessor. É arbitrário porquê anti-isonômico.

Permite-se que o administrador, subvertendo a moralidade administrativa, venha a prover um ou outro cargo por interesse exclusivamente subjetivo.

A fixação dos salários dos assessores de secretaria, de departamento e de divisão em R$ 2.857,84, R$ 2.381,53 e R$ 2.143,34, respectivamente, vem a endossar a inconstitucionalidade dos citados cargos.

Segundo o art. 39, §1º, da Constituição Federal de 1988, ao qual a produção normativa municipal está subordinada por força dos arts. 144 e 297 da Constituição Paulista, o sistema de remuneração de servidores públicos deve observar: (i) “a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira”, (ii) “os requisitos para a investidura”, e (iii) “as peculiaridades dos cargos”.

Considerando a diferença remuneratória, a identidade de suas funções e a ausência de requisitos subjetivos de preenchimento, a conclusão não é outra senão a patente inconstitucionalidade.

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento segundo o qual são inconstitucionais leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

 

Merece destaque, reitere-se, a sobreposição das atribuições de Diretores, Chefes e Assessores, inclusive dentro de um mesmo Departamento e/ou Divisão e Secretária (artigos 24, 26 e 28). 

A descrição genérica e insuficiente das atribuições dos cargos de Chefe e de Assessor de Direção, Departamento e Secretaria, aliada à constatação da sua criação abusiva, mediante superposição de atribuições e criação em quantidade de cargos comissionados de terceiro escalão (longe do chefe do executivo), quando já existem as figuras do Secretário e Diretor de Departamento, evidenciam a inconstitucionalidade dos cargos impugnados.

Não bastasse, constata-se ter sido criado o cargo em comissão de motorista de gabinete, o qual exerce função técnica de “realizar o transporte do Chefe do Executivo”, nos termos do § 2º do artigo 6º da Lei Municipal n. 2.522/15, evidentemente incompatível com o disposto no artigo 115, V, da CE/89.

Assim, é de rigor a declaração de inconstitucionalidade dos cargos chefe de divisão, assessor de departamento, assessor de secretaria, assessor de divisão e de motorista de gabinete.

 

B – IMPOSSIBILIDADE DE PROVIMENTO COMISSIONADO PARA CARGO OU EMPREGO DA ADVOCACIA PÚBLICA.

         Convém adicionar a incompatibilidade de 03 cargos Diretor de Departamento, 03 de Chefe de Divisão, 02 de Assessores de Divisão, 02 de Assessores de Departamento e 03 de Assessores de Secretaria, inseridos na Secretaria de Assuntos Jurídicos, conforme o anexo III da Lei Municipal n. 2.522/2015, pois violam os arts. 30 e 98 da Constituição Estadual. Acerca da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, dispõe a lei impugnada:

“Art. 7º A Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos é o órgão da Prefeitura Municipal de Boituva que tem por competência as seguintes atribuições:

I – representar em Juízo ou fora dele os direitos e interesses do Município;

II – assessorar o Prefeito e outros órgãos da Administração quando solicitado, sobre assuntos de natureza jurídica, emitindo os respectivos pareceres;

III – a redação de anteprojetos de lei, regulamentos, contratos e outros atos administrativos de natureza jurídica;

IV – a cobrança judicial da dívida ativa tributária e não tributária do Município;

V – organização e atualização da coletânea de Legislação Municipal, Estadual e Federal, bem como de jurisprudência e doutrina de interesse do Município.

VI – proceder o registro e arquivo dos atos normativos da Administração municipal;

VII – a proposição de medidas de caráter jurídico que visem proteger o patrimônio dos órgãos da Administração Pública Municipal;

VIII – a condução dos inquéritos administrativos;

IX – a elaboração e implantação de normas e controles referentes a administração do patrimônio imobiliário do Município;

X – desempenhar as demais atividades afins, as que forem determinadas pelo Prefeito e as previstas na legislação municipal.

 

Parágrafo único. À Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos compreende em sua estrutura as seguintes unidades diretamente subordinadas a seu titular:

Departamento de Procuradoria Jurídica, subdivido em:

Divisão de Processos e Distribuição de Feitos;

Divisão de Dívida Ativa.

Divisão de Proteção ao Consumidor – Procon;

Departamento de Controle imobiliário;

Departamento de Organização Legislativa.”

 

As atividades inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação jurídica de entidades ou órgãos públicos são atribuições de natureza profissional e técnica e exclusivamente reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público, como revela a remissão ao art. 132 da Constituição Federal contida no § 1º, do art. 98, da Constituição Estadual. Cediça jurisprudência assim pronuncia:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

Portanto, é incompatível o provimento comissionado com a advocacia pública, de modo a revelar a inconstitucionalidade dos cargos comissionados inseridos na Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, a saber, 03 de Diretores de Departamento, 03 de Chefes de Divisão, 02 de Assessores de Divisão, 02 de Assessores de Departamento e 03 de Assessores de Secretaria.

 

III – Pedido liminar

 

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo às finanças públicas e à legitimidade do exercício de cargos ou empregos públicos.

À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos artigos 6º, § 2º, 23, 24, 25, 26, 27 e 28, e dos cargos em comissão de “Assessor de Divisão”, “Assessor de Departamento”, “Assessor de Secretaria”, “Motorista de Gabinete”, “Chefe de Divisão” e 03 cargos de “Diretores de Departamento” inseridos na Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, previstos nos anexos I e III, da Lei Municipal n. 2.522, de 24 de setembro de 2015, do Município de Boituva.

 

IV – PEDIDO

Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 6º, § 2º, 25, 26, 27 e 28, e dos cargos em comissão de “Assessor de Divisão”, “Assessor de Departamento”, “Assessor de Secretaria”, “Motorista de Gabinete”, “Chefe de Divisão” e 03 cargos de “Diretores de Departamento” inseridos na Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, previstos nos anexos I e III, da Lei Municipal n. 2.522, de 24 de setembro de 2015, do Município de Boituva.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Boituva, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

 

                            São Paulo, 04 de abril de 2016.

 

 

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 147.076/15

Assunto: Inconstitucionalidade de cargos em comissão do Município de Boituva

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Deixo de ajuizar ação direta de inconstitucionalidade em relação aos cargos de Diretor de Departamento que não integram a Secretaria de Negócios Jurídicos.

Isto porque, conforme se observa no artigo 24 da Lei Municipal n. 2.522/2015, dentre suas atribuições está a de assistir ao Secretário em suas funções, ostentando, diferentemente dos demais cargos impugnados, características que denotam relação de confiança, sobretudo em razão de sua proximidade hierárquica em relação ao chefe do executivo municipal, distintamente dos cargos de chefe de divisão e de assessores de departamento, de diretoria e de secretaria, os quais, à mingua de atribuições técnicas e sobreposição de funções, desempenham tarefas de terceiro escalão.

3.     Oficie-se ao interessado, com o envio de cópias, inclusive deste despacho, comunicando-se a propositura da ação.

4.     Cumpra-se.

São Paulo, 04 de abril de 2016.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

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