EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 114.228/2015
Constitucional. Ambiental. Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Art. 1°, § 4°, Lei n° 1.766, de 29 de junho de 2004, do Município de Pacaembu.
Ofensa à Tutela conferida pela carta bandeirante ao meio ambiente. Ausência de
proporcionalidade do ato legislativo. art. 193, X, da CE/89. A
instituição de eutanásia como medida prima
facie a ser empregada pelo ente municipal no controle populacional de
animais errantes (§ 4º do art. 1º da Lei nº 1.766/2004) revela-se
desproporcional e atentatória ao mandamento constitucional voltado à proteção
da fauna brasileira (art. 193, X da CE).
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116,
inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74,
inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com
amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente,
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face do § 4º do art. 1º da Lei nº 1.766,
de 29 de junho de 2004, do Município de Pacaembu, pelos fundamentos que passa a
expor:
1.
DO
ATO NORMATIVO IMPUGNADO
A
Lei nº 1.766, de 29 de junho de 2004, do Município de Pacaembu, “dispõe sobre
adoção de emergências para a captura de cães, as obrigações dos proprietários
de cães, bem como dos veterinários no Município, visando o combate à
Leishmaniose e dá outras providências”.
O
art. 1º, ao fixar vetores sobre a destinação de animais apreendidos nos limites
territoriais da municipalidade, assim dispôs:
“(...)
Art. 1º Fica o Executivo Municipal autorizado a recolher e
encaminhar em local a ser determinado pela Administração Pública, todos os cães
soltos em logradouros públicos de Pacaembu.
§ 1º Os
animais errantes apreendidos deverão ser retirados pelos proprietários, no
prazo improrrogável 72 (setenta e duas) horas, mediante o pagamento de taxa
diária e mínima no valor de R$ 15,00 (quinze reais).
(...)
§ 4º Os
animais não reclamados no prazo previsto no § 1º - deste artigo, serão
sacrificados mediante eutanásia (morte sem dor).
(...)”
Da
leitura do ato normativo supratranscrito percebe-se que a redação atribuída ao
seu § 4º
padece de vício insuperável à luz da Carta Bandeirante, por contrariedade ao
seu art. 193, X, de sorte a se fazer imperiosa, portanto, a deflagração do
presente controle abstrato voltado a sanar o quadro de inconstitucionalidade instaurado
no Município em apreço, conforme a seguir exposto.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
O § 4º do art.
1º contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
O dispositivo em comento encontra-se em dissonância com
os seguintes preceitos da Carta Bandeirante:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição
(...)
Artigo 193 -
O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade
ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado
dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos
e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a
participação da coletividade, com o fim de:
(...)
X - proteger a flora e a fauna, nesta
compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica e que provoquem extinção de
espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extração, produção,
criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus
espécimes e subprodutos;
(...)”
III – Da
inconstitucionalidade DO PARÁGRAFO 4º
DO ART. 1º DA LEI Nº 1.766, DE 29 DE JUNHO DE 2004, DO MUNICÍPIO DE PACAEMBÚ, por ofensa ao art.
193, X da CE/89.
A redação atribuída ao § 4º do art. 1º da lei em epígrafe é absolutamente
inconstitucional por ofensa ao mandamento constitucional inserto no art. 193, X
da Carta Paulista.
Quando o Constituinte Originário esquadrinhou as linhas inaugurais da
vigente ordem constitucional, lembrando que a promulgação de uma Constituição
transforma a realidade social ao instituir uma nova ordem, estabeleceu nesse novel
arcabouço normativo uma gama de direitos cuja observância seria fundamental ao
equilíbrio de interesses oriundos dos mais variados seguimentos sociais do
Estado brasileiro, buscando, assim, concretizar os objetivos estabelecidos em
seu texto, em especial o de promover o bem de todos (art. 3º, IV da CF).
Nesse diapasão, portanto, visualiza-se no decorrer do texto magno de 1988
mandados constitucionais de proteção a serem observados por todos os entes
federativos da república brasileira, dentre os quais se destaca, para os fins
perquiridos nesta ação direta, a proteção constitucional ao meio ambiente (art.
225 e seguintes da CF).
Ex vi do disposto no art. 225 da CF, cujo
teor, em linhas gerais, fora reproduzido no decorrer do Capítulo IV, Seção I da
Carta Paulista, a mantença de um meio ambiente ecologicamente equilibrado é imperiosa
à existência do Estado brasileiro, pois sua defesa se revela essencial à
qualidade de vida das gerações presentes e futuras, devendo tanto o Poder
Público como a coletividade zelar pela defesa desse interesse difuso.
Aliás, não por menos a proteção do meio ambiente está incluída no Título VIII
da CF/88 (Ordem Social), sendo rememorada, outrossim, no Título VII (Ordem
Econômica). Partindo-se da premissa segundo a qual se revela impossível a
perpetuação da espécie humana dissociada dos recursos naturais e espécies biológicas
presentes na natureza, a tutela do meio ambiente se torna assaz relevante ao
próprio corpo social, de sorte que o Constituinte procedeu com exímia
diligência ao insculpir em sua moldura normativa a proteção do bem em questão, devendo
sua guarida, assim, ser necessariamente promovida, sob pena de contrariedade ao
anseio de seu criador.
Importante ressaltar, por oportuno, que o E. STF já se posicionou nesse
sentido em inúmeros julgados, o que revela a envergadura constitucional da
tutela em exame. Apenas para clarificar a importância da proteção ambiental,
colaciona-se alguns julgados da lavra da Suprema Corte:
"O
direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração –
constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do
processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um
poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num
sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social.
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio
da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e
culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas
– acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que
materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas
as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento
dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais
indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade."
(MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, Plenário, DJ de17-11-1995.)
"Meio
ambiente – Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) –
Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade
– Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o
postulado da solidariedade – Necessidade de impedir que a transgressão a esse
direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais
– Espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III) –
Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente – Medidas sujeitas
ao princípio constitucional da reserva de lei – Supressão de vegetação em área
de preservação permanente – Possibilidade de a administração pública, cumpridas
as exigências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades
nos espaços territoriais protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a
integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial –
Relações entre economia (CF, art. 3º, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF,
art. 225) – Colisão de direitos fundamentais – Critérios de superação desse
estado de tensão entre valores constitucionais relevantes – Os direitos básicos
da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) – A questão da
precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação
constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) – Decisão não
referendada – consequente indeferimento do pedido de medida cautelar. A
preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um
direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas." (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-2005, Plenário, DJ de 3-2-2006.)”
Pois bem.
Dentre os seguimentos de proteção ambiental elencados pelo texto
constitucional, lembrando que a tutela em exame não se restringe aos elementos
naturais presentes no mundo fenomênico, mas também engloba outros variados seguimentos,
como o cultural, laboral e artificial, embora nesta ação direta tratar-se-á
apenas do aspecto natural de proteção ambiental, cumpre no momento trazer à
baila a guarida constitucional atribuída à fauna brasileira.
Conforme dispõe o art. 225, §1º, VII da CF, reproduzido com maior
detalhamento no art. 193, X da CE, é dever de todos proteger a fauna nacional,
vedadas as práticas que submetam os animais à crueldade. Vejamos:
“CF:
Art. 225. Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º -
Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII -
proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
CE:
Artigo 193 -
O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade
ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado
dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos
e entidades da administração pública direta e indireta, assegurada a
participação da coletividade, com o fim de:
(...)
X - proteger a flora e a fauna, nesta
compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica e que provoquem extinção de
espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extração, produção,
criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus
espécimes e subprodutos;”
Ou seja, é visível a preocupação das Cartas Federal e Estadual na
proteção aos animais da fauna de terrae brasilis, não fazendo distinção se silvestres, exóticos
ou domésticos, sendo defeso qualquer ato que prejudique sua função ecológica,
promova sua extinção ou submeta a tratamento cruel, vez que, reflexamente,
estar-se-ia a atentar contra o próprio sistema ambiental, caracterizado pela
sinergia entre seus elementos componentes, cada qual com um respectivo papel de
relevância nesse complexo conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Aliás, a necessidade da tutela desses seres se revela tão imperiosa ao
complexo sistema normativo ambiental que a E. Corte Suprema, em reiterados
julgamentos, firmou precedente no sentido de se obstar qualquer conduta
dissonante ao imperativo constitucional ora invocado, vide o teor das ementas
destacadas:
“A
obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais,
incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da
observância da norma do inciso VII do art. 225 da CF, no que veda prática que
acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma
constitucional denominado ‘farra do boi’." (RE 153.531, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-6-1997, Segunda Turma, DJ de 13-3-1998.)
A promoção de briga de galos,
além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental,
configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão
de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra
do boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente
manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. - A
proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto os animais
silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os
galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula
genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. - Essa
especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da
Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência
de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de
vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida animal, cuja
integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por
práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os
galos de briga (“gallus-gallus”). Magistério da
doutrina. (...)” (ADI 1.856, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 26-05-2011, Plenário, DJ de 14-10-2011.)”
Desse último julgado, aliás, extrai-se lição tão profícua aos anseios desta propositura, principalmente pela erudição de seu relator ao tratar sobre a temática, que se pede vênia para transcrever excertos subtraídos de seu v. acórdão:
“(...)
Vê-se, daí,
que o constituinte objetivou, com a proteção da fauna e com a vedação, dentre
outras, de práticas que “submetam os animais a crueldade”, assegurar a efetividade
do direito fundamental à preservação da integridade do meio ambiente, que
traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio
ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio
ambiente laboral, consoante ressalta o magistério doutrinário (CELSO ANTÔNIO
PACHECO FIORILLO, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p. 20/23, item n. 4,
6ª ed., 2005, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental
Constitucional”, p. 21/24, itens ns. 2 e 3, 4ª ed./2ª
tir., 2003, Malheiros; JOSÉ ROBERTO MARQUES, “Meio Ambiente Urbano”, p. 42/54,
item n. 4. 2005, Forense Universitária, v.g.).
Importante
assinalar, neste ponto, que a cláusula inscrita no inciso VII do § 1º do art.
225 da Constituição da República, além de veicular conteúdo impregnado de alto
significado ético-jurídico, justifica-se em função de sua própria razão de ser,
motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que
ameacem ou que façam periclitar todas
as formas de vida, não só a do gênero humano, mas, também, a própria vida
animal, cuja integridade restaria comprometida por práticas aviltantes,
perversas e violentas contra os seres irracionais.
Resulta,
pois, da norma constitucional invocada como parâmetro de confronto (CF, art.
225, § 1º, VII), o sentido revelador
do vínculo que o constituinte quis estabelecer ao dispor que o respeito pela
fauna em geral atua como condição inafastável de
subsistência e preservação do meio ambiente em que vivem os próprios seres
humanos.
Evidente,
desse modo, a íntima conexão que há entre o dever ético-jurídico de preservar a
fauna (e de não incidir em práticas de crueldade contra animais), de um lado, e
a própria subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, de outro.
Cabe
reconhecer, portanto, Senhor Presidente, o impacto altamente negativo que
representaria, para a incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos, a
prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna, seja colocando em
risco a sua função ecológica, seja provocando a extinção de espécies, seja,
ainda, submetendo os animais a atos de crueldade.
(...)
Impende assinalar que a proteção conferida aos animais pela
parte final do art. 225, § 1º, inciso VII, da Constituição abrange, consoante
bem ressaltou o eminente Ministro CARLOS VELLOSO, em voto proferido, em sede
cautelar, neste processo, tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou
domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o
texto constitucional, em cláusula genérica, vedou qualquer forma de submissão
de animais a atos de crueldade.” (grifos nosso)
Ora, no referido caso levado à apreciação da Corte
Constitucional a leitura feita do art. 225, §1º, VII da CF por seus ministros é
tão clara em favor da proteção do direito em jogo que se faz despiciendo tecer
maiores considerações voltadas a seu patrocínio.
Conforme indicou o E. Supremo Tribunal Federal em seu
mister, comportamentos atentatórias aos direitos dos animais, ainda que de
lesividade mínima ou lastreados em fundamentos estritamente antropocêntricos,
não mais encontram complacência em nossa res
pública, porquanto a natureza a ninguém pertence, é bem difuso, direito de
todos, sendo defeso, por conseguinte, o assenhoramento
do destino desses seres vivos, independente do embasamento invocado em sua
defesa.
Assim sendo, se o eventual busílis da questão reside na possibilidade de adequação do parágrafo
ora combatido ao desiderato constitucional protecionista, a partir das
considerações anteriormente esposadas não outro entendimento pode ser patrocinado,
senão o de que o dispositivo impugnado é incompatível com o texto
constitucional.
Isso porque, abstraindo a ratio essendi do parágrafo 4º do art. 1º da
Lei nº 1.766/04, do Município de Pacaembu, o ente em voga autoriza o sacrifício
de animais saudáveis pelo simples fato de não terem sido reclamados no prazo de
72 (setenta e duas) horas pelos seus proprietários, demonstrando a falta de proporcionalidade
do dispositivo combatido, de forma absolutamente dissonante do atual estágio
constitucional de nossa república.
Acerca da proporcionalidade, confira-se o raciocínio exarado em voto da lavra do
eminente Min. Celso de Mello, proferido nos ED no RE n. 635.023, o qual,
recentemente, foi colacionado em decisão proferida pela Ministra Carmen Lúcia no
AGR/MI nº 6113, de 22.05.2014.
“(...)
Como se sabe,
a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do
Poder Legislativo.
O exame da
adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade,
exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no
art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da
própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas
do Poder Público.
Esse
entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de
maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação
absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Coloca-se em
evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade,
que se qualifica – enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos
estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ‘Curso de Direito Administrativo’,
p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros;
LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3,
2ª ed., 1995, Malheiros) – como postulado básico de contenção dos excessos do
Poder Público.
A validade
das manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu conteúdo
intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições restritivas ou
supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como a liberdade) -,
passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que
atuam como expressivas limitações materiais à ação normativa do Poder
Legislativo, como enfatiza, de maneira bastante clara, o magistério da doutrina
(RAQUEL DENIZE STUMM, ‘Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional
Brasileiro’, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES
FERREIRA FILHO, ‘Direitos Humanos Fundamentais’, p. 111/112, item n. 14, 1995,
Saraiva; PAULO BONAVIDES, ‘Curso de Direito Constitucional’, p. 352/355, item
n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).
Isso
significa, portanto, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de
poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de
competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável,
gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de
absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho
da função estatal.
Daí a
advertência de CAIO TÁCITO (RDP 100/11-12), que, ao relembrar a lição pioneira
de SANTI ROMANO, destaca que a figura do desvio de poder legislativo impõe o
reconhecimento de que atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita
relação de harmonia com padrões de razoabilidade.
Essa cláusula
tutelar dos direitos, garantias e liberdades, ao inibir os efeitos prejudiciais
decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a
prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente
limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar
em juízo meramente político ou discricionário do legislador, como esta Corte
tem reiteradamente proclamado (RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
v.g.).
(...)”
De rigor, portanto, concluir que a
eutanásia de animais apreendidos pela Administração apenas pode ser adotada
como medida extrema de preservação da saúde pública, não podendo servir como
método de controle populacional de animais ou desoneração do orçamento
municipal, o que importa afronta aos preceitos constitucionais mencionados
precedentemente, bem como mostra-se contrária à proporcionalidade que deve ser
o norte de toda e qualquer decisão administrativa.
Aliás, a fim de se promover o denominado “teste de proporcionalidade” na situação em apreço, é necessário que o dispositivo vergastado preencha, em síntese, três requisitos: (a) necessidade; (b) adequação; e (c) proporcionalidade em sentido estrito.
Em outras palavras, é imperativo que o ato normativo se mostre efetivamente indispensável (necessidade), que se apresente apropriado aos fins a que se destina (adequação), e, por último, que os sacrifícios ou encargos dele decorrentes sejam aceitáveis do ponto de vista dos benefícios que produzirá (proporcionalidade em sentido estrito).
Do confronto entre a eutanásia (meio)
e o controle populacional dos animais (fim), destinada a assegurar a saúde e o
bem-estar dos munícipes da urbe, conclui-se que a medida em exame é desnecessária,
inadequada e desproporcional em sentido estrito.
Por último, e apenas para afastar qualquer indagação voltada
à defesa do § 4º do art. 1º da Lei nº 1.766/2004 a medida em epígrafe se revela,
ainda, desproporcional em sentido estrito, vez que produz mais malefícios do
que benefícios.
Se a jurisprudência remansosa do E. Supremo Tribunal
Federal veda qualquer conduta que ponha em risco, ainda que minimamente, a
integridade física de animais em território nacional, a exemplo do que ocorreu
nos casos levados à Suprema Corte relacionados a “rinhas de galo” e “farra do
boi”, é evidente que permissivo legislativo direcionado a ceifar a vida desses
seres, sem que houvesse um elemento justificador plausível, jamais poderia ser
chancelado pela referida corte.
Com efeito, é evidente que enquadrar esses animais
abandonados como uma ameaça real aos munícipes de Pacaembu, a ponto de se
admitir a aniquilação de suas vidas sem chance de serem adotados por novos
proprietários ou até mesmo por entidades protetoras dos animais, ou sem
elementos mínimos que atestem essa suposta ofensividade sustentada pela lei,
representa, no mínimo, um abuso da legislação local pela ausência de
proporcionalidade da medida, além de ofender o art. 193, X da CE.
In concreto, se um determinado animal pudesse
representar perigo aos habitantes do Município de Pacaembu, a eutanásia, neste
caso, somente seria permitida quando não houvesse outro instrumento a ser
empregado para evitar o sacrifício desse ser, que não pode ser considerado uma
simples res, pois, é alvo de proteção
constitucional, por força do art. 225, §1º, VII da CF, e do art. 193, X da
CE/89.
Em caso análogo, esta Egrégia Corte decidiu:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Artigo 15, inciso II, da Lei nº 498, de 28 de
agosto de 2001, do Município de Conchas, que prevê a eutanásia de animais apreendidos
pela Administração e não reclamados pelos proprietários Proteção à fauna e
flora nacionais que se insere como princípio das Constituições Federal e
Estadual Sacrifício de cães e gatos que é medida extrema e excepcional,
admitida apenas para preservação da saúde pública, não podendo ser prevista
como providência rotineira de eleição do administrador municipal Controle populacional
de animais que deve ser realizado a partir de programas de incentivo à adoção,
conscientização da sociedade e castração, sem enveredar pela aniquilação, que se
mostra mecanismo desproporcional e irrazoável,
desvinculado do fim perseguido. Vícios de inconstitucionalidade suscitados na
petição inicial que, destarte, ficaram evidenciados na espécie, por afronta aos
preceitos contidos nos artigos 111, 144 e 193, X, todos da Carta Paulista Precedentes
do STJ e deste Colendo Órgão Especial Ação Direta de Inconstitucionalidade
julgada procedente (TJSP, ADI 2170720-78.2014.8.26.0000, Órgão Especial, Rel.
Des. Paulo Dimas Mascaretti, v.u.,
25-02-15).
No mesmo sentido, confira-se o REsp
1.115.916-MG, julgado pela 2ª Turma do Superior Tribuna Justiça, de relatoria
do Min. Rel. Humberto Martins, no qual se discutia, em caso análogo ao
presente, acerca da possibilidade da legislação municipal impor, de imediato,
sacrifício de animal apreendido pela Administração local pelo simples fato de
não possuir dono.
Embora
a referida decisão não tenha sido proferida em sede de controle abstrato, nem
seja oriunda de Tribunal incumbido da defesa objetiva da Constituição, sua ratio decidendi é tão
precisa ao resolver problemática similar à presente que, mutatis mutandis, pode servir de norte ao caso trazido a lume. Vejamos
a ementa do caso:
“ADMINISTRATIVO
E AMBIENTAL – CENTRO DE CONTROLE DE ZOONOSE –SACRIFÍCIO DE CÃES E GATOS VADIOS
APREENDIDOS PELOS AGENTES DE ADMINISTRAÇÃO – POSSIBILIDADE QUANDO INDISPENSÁVEL
À PROTEÇÃO DA SAÚDE HUMANA – VEDADA A UTILIZAÇÃO DE MEIOS CRUÉIS.
(...)
3. A meta
principal e prioritária dos centros de controles de zoonose é erradicar as
doenças que podem ser transmitidas de animais a seres humanos, tais quais a
raiva e a leishmaniose. Por esse motivo, medidas de controle da reprodução dos
animais, seja por meio da injeção de hormônios ou de esterilização, devem ser
prioritárias, até porque, nos termos do 8º Informe Técnico da Organização
Mundial de Saúde, são mais eficazes no domínio de zoonoses.
4. Em
situações extremas, nas quais a medida se torne imprescindível para o resguardo
da saúde humana, o extermínio dos animais deve ser permitido. No entanto,
nesses casos, é defeso a utilização de métodos cruéis, sob pena de violação do
art. 225 da CF, do art. 3º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais,
dos arts. 1º e 3º, I e VI do Decreto Federal n.
24.645 e do art. 32 da Lei n.9.605/1998.
5. Não se
pode aceitar que com base na discricionariedade o administrador realize
práticas ilícitas. É possível até haver liberdade na escolha dos métodos a
serem utilizados, caso existam meios que se equivalham dentre os menos cruéis,
o que não há é a possibilidade do exercício do dever discricionário que
implique em violação à finalidade legal.
6. In casu, a utilização de gás asfixiante no centro de controle
de zoonose é medida de extrema crueldade, que implica em violação do sistema
normativo de proteção dos animais, não podendo ser justificada como exercício
do dever discricionário do administrador público.
Recurso
especial improvido.”
Perceba-se que a celeuma levada à Corte Cidadã guarda traços extremamente semelhantes à examinada, ainda que não tenha versado sobre constitucionalidade da lei autorizadora da prática aqui combatida. Por isso, seu arresto deveras elucidativo pode servir de esteio ao deslinde desta ação direita, a ponto de se pedir vênia para indicar alguns trechos da r. decisium:
“(...)
Aduz o recorrente
que, nos termos do art. 1263 do CC, os animas recolhidos nas ruas se não reclamados
no Centro de Controle de Zoonose pelo dono no prazo de quarenta e oito horas, além
dos que são voluntariamente entregues na referida repartição pública, são
considerados coisas abandonados. Assim, administração pública poderia dar-lhes
a destinação que achar conveniente.
Não assiste
razão a recorrente, e o equívoco encontra-se em dois pontos essenciais: o primeiro
está em considerar os animas com coisa, res, de modo a sofrem o influxo da norma
contida no art. 1263 do CC. O segundo, que é uma consequência lógica do primeiro,
consistem entender que administração pública possui discricionariedade ilimitada
par dar fim aos animas da forma com lhe convier.
Não há como
se entender que seres, com cães gatos, que possuem um sistema nervos desenvolvido
e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida
biológica e psicológica, possam ser considerados com coisas, como objetos
materiais desprovidos de sinais vitais.
Essa característica
dos animas mais desenvolvidos é a principal causa da crescente conscientização
da humanidade contra prática de atividades que possam ensejar maus tratos e crueldade
contra tais seres.
A condenação
dos atos cruéis não possui origem na necessidade do equilíbrio ambiental, mas sim
no reconhecimento de que os animais são dotados de uma estrutura orgânica que
lhes permite sofre sentir dor. A rejeição a tais atos, aflora, na verdade, dos
sentimentos de justiça, de compaixão, de piedade, que orientam o ser humano a repelir
toda e qualquer forma de mal radical, evitável sem justificativa razoável.
A consciência
de que os animas devem ser protegidos e respeitados, em função de suas características
naturais que os dotam de atributos muito semelhantes aos presentes na espécie
humana, é completamente oposta à ideia defendia pelo recorrente, de que animais
abandonados podem ser considerados coisas, motivo pelo qual, a administração
pública poderia dar-lhes destinação que convier, nos termos do art. 1263 do CC.
Ademais, a tese
recursal colide agressivamente não apenas contra tratados internacionais dos
quais o Brasil é signatário. Afronta, ainda, a Carta Fundamental da República
Federativa do Brasil e a leis federais que regem a Nação.
A Declaração
Universal dos Diretos dos Animais, da Unesco, celebrada na Bélgica em1978,
dispõe em seu art. 3º, que:
"Artigo
3º 1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem atos cruéis. 2. Se for
necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de
modo a não provocar-lhe angústia."
No mesmo sentido
a Constituição Federal:
"Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade. (Regulamento)
No plano infraconstitucional:
(...)
Lei n.9605/1998:
" Art. 32. Praticar ato de abuso,
maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados,
nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa."
Ao arrepio de
toda essa legislação protetiva, é comum nos Centro de Controle de Zoonose, e o presente
caso é uma prova disso, o uso de procedimentos cruéis para o extermínios de animais,
tal como morte por asfixia, transformando esses centros em verdadeiros
"campos de concentração", quando deveriam ser um espaço para promoção
da saúde dos animais, com programas de controle de doenças.
Não se pode esquecer
que a meta principal e prioritária dos centros de controles de zoonose é erradicar
as doenças que podem ser transmitidas dos animais aos seres humanos, tais quais
a raiva, a leishmaniose etc. Esse é o objetivo a ser perseguido. Sem adentrar
no campo discricionário do Poder Executivo, é até duvidoso que os métodos
empregados pelo recorrido sejam dotados de eficiência.
Muitos
municípios pretendem controlar as zoonoses e a população de animais, adotando,
para tal, o método da captura, seguido da eliminação de animais encontrados em vias
públicas.
Tal prática,
era o que recomendava o 6° Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde - OMS,
de 1973. Todavia, a OMS, com fulcro na aplicação desse método em vários países
em desenvolvimento, concluiu por sua ineficácia, enunciando que não há prova alguma
de que a eliminação de cães tenha gerado um impacto significativo na propagação
de zoonoses ou na densidade das populações caninas, por ser rápida renovação
dessa população, cuja sobrevivência se sobrepõe facilmente à sua eliminação
(item 9.4, p.58, 8° Informe Técnico).
Por essas
razões, desde a edição de seu 8°Informe Técnico de 1992, a OMS preconiza
educação da comunidade e o controle de natalidade de cães e de gatos, anunciando
que todo programa de combate a zoonoses deve contemplar o controle da população
canina, com elemento básico, ao lado da vigilância epidemiológica e da
imunização (capítulo 9, p. 55, 8° Informe OMS).
Na mesma
linha, recente publicação da Organizácion Panamericana De La Salud - OPAS
recomenda o método de esterilização e devolução dos animas à comunidade de origem,
declarando que a eliminação não só foi ineficaz para diminuir os casos de raiva,
mas aumentou a incidência da doença.
Um estudo
mais completo pode ser encontrado na obra "Zoonosis
y enfermidades transmisibles comunes
al hombre y a los animales ", de Pedro Acha, (pág. 370, Publicación Científica y Técnica nº 580, ORGANIZÁCION
PANMERICAN DE LA SALUD, Oficina Sanitára Panamericana, Oficina Regional de la
ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 3ºedição, 203).
Segundo essa
publicação, uma só cadela pode originar, direta ou indiretamente, 67.000 cães
num período de seis anos, e que um cão, antes de ser eliminado, já inseminou
várias fêmeas, motivos pelos quais, não é difícil deduzir que o extermínio não
soluciona o problema.
Todavia, não
desconheço quem situações extremas o extermínio dos animais seja
imprescindível, como forma de se proteger a saúde humana.
No entanto,
conforme bem entendeu a instância ordinária, nessas hipóteses deve-se utilizar
métodos que amenizem ou inibam o sofrimento dos animais, ficando à cargo da administração
a escolha da forma pela qual o sacrifício deverá ser efetivado.
Brilhante foi
acórdão recorrido quando lembrou que não se pode aceitar que com base na discricionariedade
o administrador público realize práticas ilícitas.
A bem da verdade,
há, realmente, um espaço pelo qual o administrador público possa transitar com
certa liberdade. Todavia, discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
A lei, ao conceder
discricionariedade ao administrador, o faz com o objetivo de que este encontre
a melhor solução possível para o atendimento do interesse público. Desta forma,
jamais se pode utilizar a discricionariedade administrativa para justificar a prática
de atos, cuja lei, inclusive a Carta Magna, estabelece como ilícitos.
A conclusão
que se chega ao analisar os diplomas legais transcritos acima, é que, em vez de
discricionariedade, o que há é a vinculação do administrador para, em casos de
necessidade extrema, sacrificar os animais por meio menos cruel.
Pode até haver
liberdade na escolha dos métodos a serem utilizados caso exista meios que se equivalham
em termos de menor crueldade, o que não há é a possibilidade do exercício do dever
discricionário que implique em violação à finalidade legal, ou seja, que se efetive
através da prática de atos cruéis e de maus tratos contra os animais. (...)”
Diante dos fundamentos ofertados no
curso desta exordial, fica clara a ofensa promovida pelo § 4º do art. 1 da Lei
nº 1.766/04, do Município de Pacaembu, ao art. 193, X da CE, não restando outra
alternativa a esta Egrégia Corte senão extirpar do ordenamento local o
dispositivo vergastado, a fim de que seja restabelecida a higidez do sistema jurídico
municipal e preservada a força normativa da Carta Bandeirante.
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente, a
fim de declarar a inconstitucionalidade do § 4º do art. 1º da Lei nº 1.766, de 29 de junho de 2004, do Município de Pacaembu.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações
ao Prefeito e ao Presidente da Câmara Municipal de Pacaembu, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente,
para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 01 de abril de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
blo/ts
Protocolado nº 114.228/2015
Interessado: Promotoria de Justiça de Pacaembu
Objeto: representação para controle de constitucionalidade do
parágrafo 4º do art. 1º da Lei nº 1.766, de 29 de junho de 2004, do Município
de Pacaembu
1. Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face do
§ 4º do art. 1º da Lei nº 1.766, de 29 de junho de 2004, do Município de Pacaembu.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 01 de abril de 2016.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
blo/ts