Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

Protocolado nº 103.389/15

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, do Município de São José do Rio Pardo. Lei nº 2.185, de 24 de novembro de 1997. “Prêmio por assiduidade”. Servidor Público. Remuneração. Vantagem Pecuniária. Instituição desvinculada do atendimento ao interesse público e às exigências do serviço. Ofensa aos princípios de moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. A instituição de “Prêmio por assiduidade” não se compatibiliza com os princípios de moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público (art. 111, CE/89) e trata-se de vantagem pecuniária a servidores públicos que não atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço (art. 128, CE/89), tendo em vista que a assiduidade constitui dever funcional geral elementar que não demanda recompensa além da contraprestação pecuniária pela remuneração.

 

         O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante este Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, e da Lei nº 2.185, de 24 de novembro de 1997, ambas do Município de São José do Rio Pardo, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I - DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

Segundo o art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, do Município de São José do Rio Pardo, que "Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de São José do Rio Pardo e dá outras providências":

“(...)

Do Prêmio Por Assiduidade

Art. 49. Fica instituído o Prêmio Por Assiduidade correspondente a 10% (dez por cento) do vencimento do servidor, a ser pago mensalmente para todos os ocupantes de cargos públicos que não tenham faltas no período de apuração.

§ 1° Fica preservado o direito da remuneração pecuniária do Prêmio por Assiduidade aos servidores que, no período de apuração, tenham utilizado ou que estejam em gozo das seguintes licenças:

I - faltas abonadas,

II - licença à gestante, por adoção e licença-paternidade;

III - as concessões previstas no artigo 84 desta lei;

IV - as licenças por Acidente de Trabalho, desde que comprovadas pelo C. A. T. (Comunicado de Acidente de Trabalho).

§ 1º O Prêmio Por Assiduidade não se incorporará à remuneração do servidor para quaisquer fins.

§ 2° Serão consideradas para apuração do Prêmio Por Assiduidade as datas utilizadas para fechamento de folha de pagamento.”

         Cumpre mencionar que a vantagem pecuniária em epígrafe já possuía assento no ordenamento jurídico municipal ante o advento da Lei nº 2.185, de 24 de novembro de 1997, que contemplava “(...) a instituição do prêmio por assiduidade aos servidores ocupantes de cargos públicos, de provimento efetivo, na Administração Municipal”, porém, tal legislação apenas a outorgava a servidores públicos de cargo efetivo, ao passo que a novel legislação confere a vantagem a todos os servidores da municipalidade detentores de cargo, sejam estes efetivos ou comissionados. Vejamos:

“Artigo 1°. Fica instituído o prêmio de assiduidade, em pecúnia, a ser pago a todos os ocupantes de cargos públicos, de provimento efetivo, da Administração Municipal, na forma especificada nesta lei.

Artigo 2°. O prémio de assiduidade, referido no artigo anterior, consistirá no percentual de 10% (dez por cento) calculado sobre o salário base do servidor que a ele fizer jus.

Artigo 3°. O prêmio de assiduidade só será pago ao servidor que não se utilizar das licenças previstas no artigo 70, da Lei n° 1.793/93 e não tiver faltas no serviço, quaisquer que sejam suas espécies, excetuadas as faltas abonadas.

Artigo 4°. A apuração dos requisitos necessários à concessão do prémio de assiduidade, bem como sua realização, aos que a ele fizerem jus, serão feitos mês a mês, juntamente com a folha de pagamento.

Artigo 5°. O prémio de assiduidade constitui-se em mera liberalidade, e não se incorporará aos vencimentos, para quaisquer fins.

Artigo 6°. As despesas decorrentes da presente lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias suplementadas se necessário.

Artigo 7º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, com vigência a partir de 1° de janeiro de 1998, revogadas as disposições em contrário.

II – DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         Os dispositivos indicados nas Leis nº 2.712/04 e 2.185/97, ambas do Município de São José do Rio Pardo, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

         Referidos atos normativos municipais são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e que assim estabelecem:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         Como é cediço, a instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

         O denominado “Prêmio por assiduidade”, previsto nos diplomas supramencionados, pago mensalmente ao servidor, na razão de 10% (dez por cento) do seu vencimento, não atende a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço. Retrata simplesmente dispêndio público sem causa, o que desperta preocupação, pois, como observa Wellington Pacheco Barros:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

         Aqui, vale lembrar o ensinamento de Hely Lopes Meirelles criticando a excessiva liberalidade da Administração Pública na concessão de vantagens pecuniárias “anômalas”, sem qualquer razão de interesse público:

“Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interesse administrativo, por relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2008, 34ª ed., p. 495).

         Não se deve olvidar ainda neste concerto clássica admoestação salientando que:

“a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 1991, p. 111).

         Não se vislumbra interesse público nem socorro às exigências do serviço a título de remuneração ou indenização a outorga de vantagem pecuniária que não tem qualquer causa jurídica hígida e significa autêntica liberalidade com o dinheiro público. O art. 128 da Constituição Estadual, norma que descende diretamente dos princípios de seu art. 111, condiciona a criação normativa subordinando a outorga de vantagens aos servidores aos motivos nele indicados (interesse público e exigências do serviço).

         Não há na vantagem outorgada pelas leis impugnadas qualquer causa razoável a justificar sua instituição, posto que a assiduidade do servidor é um dos deveres inerentes ao seu posto, não podendo ser remunerado por algo inerente ao bom desempenho de suas funções, ainda mais mensalmente e na razão de 10% (dez por cento) do seu vencimento.

         Este colendo Órgão Especial, em caso análogo ao presente, que versava sobre a outorga de 14º salário a servidores municipais em razão de sua assiduidade, já declarou a inconstitucionalidade de norma similar, firmando entendimento que, mutatis mutandis, pode ser empregado ao deslinde da presente questão:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 3.503, de 04 de abril de 2012, em sua redação original e naquela que lhe foi dada pela Lei nº 3.644, de 16 de dezembro de 2014 e, por arrastamento, das Leis nº 3.231, de 12 de maio de 2009, 3.235, de 27 de maio de 2009, 3.355, de 27 de maio de 2010 e 3.357 de 27 de maio de 2010, todas do Município de Vinhedo. Criação do 14º Salário Prêmio Assiduidade aos servidores do Município. Afronta aos artigos 111 e 128 da Carta Paulista. Vantagem que a par de não atender efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, se “amarra” a condição que é considerada “dever” do servidor público, v.g., assiduidade e regularidade ao trabalho. Ação procedente.” (ADI 2088979-79.2015.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, v.u., 07-10-2015).

         Na ocasião, o eminente relator da referida causa pontuou de forma mui precisa que:

“(...) Com efeito, trata-se de lei que instituiu, em favor dos servidores da ativa, 14º salário Prêmio Assiduidade, dispondo o artigo 3º da norma guerreada que, verbis, “Considera-se para efeitos desta Lei, 14º Salário Prêmio Assiduidade, o valor a ser percebido pelo funcionário ou servidor público ativo da Administração Direta, Câmara Municipal e Autarquia SANEBAVI, em virtude do comparecimento com regularidade ao trabalho...”.

Ora, trata-se de vantagem que a par de não atender efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, se “amarra” a condição que é considerada “dever” do servidor público, v.g., assiduidade e regularidade ao trabalho.

O Estatuto dos Servidores do Município (Lei nº 112/), aliás, no inciso I, do § 4º, do artigo 24, condiciona a aquisição de estabilidade do servidor em estágio probatório a critérios cumulativos, um dos quais, a assiduidade.

Afigura-se não razoável, pois, a criação de vantagem destinada a premiar o que é dever do servidor público municipal, ser assíduo ao trabalho e, o prêmio de tal é o recebimento do salário a que faz jus a final, sem que nenhum desconto nele se proceda.

A criação de outra vantagem-prêmio por este motivo, seja qual sua designação, ultrapassa os lindes da razoabilidade e se configura em aumento indireto de salários sem a devida contraprestação funcional: basta ao servidor que ele cumpra o seu mister (sem nenhuma especialização outra) e compareça dia após dia ao trabalho (o que é sua obrigação, como dito). (...)”

Ou seja, as leis objurgadas vulnerarem os princípios da moralidade, do interesse público e da finalidade, além de ofender, outrossim, o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e que, como aqueles, têm assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

         Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

         Nessa análise pormenorizada, infere-se que o “Prêmio por assiduidade”¸ pago mensalmente ao servidor, na razão de 10% (dez por cento) do seu vencimento, não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequado na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública, além de premiar servidor por observância de dever que lhe é ínsito.

         Não é ocioso obtemperar que a razoabilidade é critério de aferição da constitucionalidade de leis e atos normativos como sumula a jurisprudência:

“(...) TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE RAZOABILIDADE. - As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ATOS ESTATAIS. - A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. (...)” (STF, ADI-MC 2.667-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 19-06-2002, v.u., DJ 12-03-2004, p. 36).

“(...) SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. O magistério doutrinário de CAIO TÁCITO. Observância, pelas normas legais impugnadas, da cláusula constitucional do substantive due process of law. (...)” (RTJ 178/22).

         Nem se alegue, por oportuno, que a vantagem pecuniária em foco tem motivo assentado no interesse público que residiria na assiduidade do servidor público.

         Vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

         Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam), como se extrai da literatura especializada (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760).

         Se tradicional ensinança assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

         Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85).

         Ademais, oportuno admoestar que:

“as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).

         Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo) que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, e compreende as seguintes espécies: “de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

         As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

         É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

         Ora, a assiduidade adotada como parâmetro para a concessão do prêmio em questão, pago mensalmente ao servidor, na razão de 10% (dez por cento) do seu vencimento, é dever funcional geral, elementar ao exercício de qualquer função pública, não podendo, assim, ser considerada como critério para concessão da vantagem ora impugnada. Ao se consignar ao servidor público municipal prêmio pecuniário pela assiduidade se está remunerando duplamente por cumprir nada mais do que seu dever.

         Se não há razão peculiar para além do assíduo exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de adicional, gratificação ou de qualquer outro nomen iuris que se lhe atribua. Na prática, tal corresponde a fixação de benefício sem indicação de fundamento lógico e racional, o que contraria o art. 128 da Constituição do Estado e os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

         Neste sentido, este colendo Órgão Especial julgou inconstitucional lei que instituiu adicional de assiduidade:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Adicional de assiduidade. Município de Chavantes. Artigos 43, 44 e 45 da Lei Complementar 127/2012 (Dispõe sobre o Plano de Cargos, Vencimentos e Evolução Funcional dos Profissionais do Magistério Público e dá outras providências). Inconstitucionalidade. Ausência de critério, pois não se foi além da assiduidade, dever e obrigação do servidor. Dispositivos que em nada asseguram valorização dos profissionais do magistério. Ação procedente” (ADI 2140689-75.2014.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, v.u., 28-01-2015).

         A criação de prêmio de assiduidade mensal, valendo-se de dever conatural ao desempenho de função pública, expõe a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário. Trata-se, em realidade, de indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, alheio aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

         A necessidade de verificar se a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, está motivada pela parcimônia, sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos. No entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

         No caso em tela, não há qualquer motivo juridicamente válido para justificativa da vantagem pecuniária instituída, pois, como dito, a assiduidade não pode se converter em parâmetro para o acréscimo.

         Destarte, evidencia-se a inconstitucionalidade do art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, bem como da Lei nº 2.185, de 24 de novembro de 1997, ambas do Município de São José do Rio Pardo.

 III – DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo pelo agravo ao erário.

À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, e da Lei nº 2.185, de 24 de novembro de 1997, ambas do Município de São José do Rio Pardo.

IV - PEDIDO

         Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, bem como da Lei nº 2.185, de 24 de novembro de 1997, ambas do Município de São José do Rio Pardo.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de São José do Rio Pardo, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                            Termos em que, pede deferimento.

                            São Paulo, 05 de abril de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado nº 103.389/15

Interessado: Promotoria de São José do Rio Pardo

Objeto: análise de eventual inconstitucionalidade do art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, do Município de São José do Rio Pardo

 

 

 

 

1.      Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 49 da Lei nº 2.712, de 16 de março de 2004, bem como da Lei nº 2.185, de 24 de novembro de 1997, ambas do Município de São José do Rio Pardo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.    Oficie-se ao interessado sobre a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 05 de abril de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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