EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 133.882/15

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de Barretos. Alteração de norma de uso e ocupação do solo (Plano diretor do Município). Ausência de planejamento técnico. Alteração tópica. Normas urbanísticas alheadas ao plano diretor. arts. 180, I e V, 181, 191, 192, 193, II, IX e X da CE. 1. Lei Complementar nº 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de Barretos, que “Altera e inclui dispositivos na Lei Complementar n° 73, de 10 de outubro de 2006, com alterações subsequentes e dá outras providências”, é incompatível com a Constituição Estadual, em razão da ausência de planejamento técnico na produção da lei. 2. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 3. Inconstitucionalidade por violação aos arts. 180, I e V, 181 e 191 da Constituição Estadual.

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n° 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de Barretos, pelos seguintes fundamentos:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Complementar nº 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de Barretos, que alterou e incluiu dispositivos na Lei Complementar n° 73, de 10 de outubro de 2006 (Plano Diretor do Município de Barretos), tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1.º         -        Fica acrescido o subitem 6.8 no ANEXO N.º 05 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de outubro de 2006, com alterações subsequentes, com a seguinte redação:

“6.8 - PERÍMETRO ZPA - 008 (AC)

DESCRIÇÃO DA ÁREA DESCONTÍNUA - NÚCLEO URBANO 3: uma gleba de terras com a área de 26,7542 hectares que tem início em um ponto situado no limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-42 - Face Sul na divisa com o imóvel de propriedade de Simão Fernandes Tavares e segue com os seguintes rumos e distâncias: 25°37’49” SE e 126,90 m; 26°11’12” SE e 6,91 m; 35°25’22” SE e 214,65 m; 51°45’27” SW e 206,45 m; 79°01’09” SW e 45,90 m; 12°18’46” SW e 21,03 m; 21°00’28” SW e 42,70 m; 35°15’24” SW e 53,40 m; 85°53’19” SW e 35,15 m; 24°13’21” SW e 16,16 m; 80°31’35” NE e 132,27 m; 50°28’25” NW e 56,89 m; 49°56’15” NW e 173,24 m; 50°24’38” NW e 169,95 m; 17°57’52” NW e 12,00 m; 72°02’08” NE e 151,22 m; 60°20’28” NE e 134,38 m; 56°17’55” NE e 90,39 m; 65°36’24” NE e 62,85 m; 30°30’30” NW e 289,46 m; 87°54’30” NE e 299,78 m; 3°35’52” SE e 181,27 m; 12°47’39” SE e 4,74 m até o ponto inicial da descrição deste perímetro. (AC)”

Art. 2.º         -        Fica acrescido o subitem 6.9 no ANEXO N.º 05 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de outubro de 2006, com alterações subsequentes, com a seguinte redação:

 

“6.9 - PERÍMETRO ZPA - 009 (AC)

DESCRIÇÃO DA ÁREA DESCONTÍNUA - NÚCLEO URBANO 4: uma gleba de terras com a área de 82,2186 hectares que tem início em um ponto situado no limite da faixa de domínio da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA e na divisa da Chácara Mazelli, de propriedade de Jabaquara Empreendimentos S/C Ltda - Matrícula n° 19.499 e segue com os seguintes azimutes e distâncias: 162°13'08" e 315,28 m, e 162°13'08" e 75,07 m até o limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07 com azimute 237°07'48" e distância 105,96 m; daí segue atravessando a Estrada Municipal BA-07 com azimute 159°38'02" e distância 13,39 m; daí segue confrontando com o 33° Batalhão da Polícia Militar com os seguintes azimutes e distâncias: 159°38'02" e 192,37 m, e 75°35'38" e 76,21m até o limite da faixa de domínio da Estrada Vicinal Luiz Carlos Arutim; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Estrada Vicinal Luiz Carlos Arutim com os seguintes azimutes e distâncias: 166°10'21" e 175,75 m; 166°10'21" e 347,63 m; 175°49'06" e 111,98 m, e 189°40'02" e 391,73 m; daí segue com azimute 279°40'02" e distância 697,62 m; até o limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07 com os seguintes azimutes e distâncias: 340°45'49" e 0,45 m; 345°39'20" e 176,64 m; 351°14'58" e 39,49 m; 1°52'33" e 23,71 m; 7°27'04" e 52,03 m; 11°06'17" e 348,89 m; 20°28'27" e 57,12 m; 24°44'29" e 52,68 m, e 16°20'35" e 57,02 m; daí segue atravessando a Estrada Municipal BA-07 com azimute 280°54'43" e distância 10,28 m até o limite da faixa de domínio da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA com os seguintes azimutes e distâncias: 17°35'22" e 100,85 m; 285°36'15" e 27,26 m; 314°49'52" e 9,59 m; 4°05'01" e 12,48 m; 15°58'16" e 51,16 m; 29°07'59" e 31,85 m; 33°52'34" e 108,29 m; 26°26'48" e 22,53 m; 38°04'24" e 43,63 m; 34°17'29" e 112,80 m, e 34°17'29" e 324,97 m até o ponto inicial da descrição deste perímetro. (AC)”

Art. 3.º         -        O ANEXO N.º 08 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de outubro de 2006, com alterações subsequentes, passa a vigorar com a seguinte redação, mantidos inalterados os incisos II e III:

ANEXO N.º 08 (NR)

DESCRIÇÃO DO PERÍMETRO URBANO

O perímetro urbano da sede do Município de Barretos passará a ter área total de 7.312,498777 hectares ou 73.124.987,77 metros quadrados, tendo sua descrição em área contínua a área de 7.186,735329 hectares ou 71.867.353,29 metros quadrados e 125,763448 hectares ou 1.257.634,48 metros quadrados em áreas descontínuas, cujas áreas possuem as seguintes descrições: (NR)

I        -        DESCRIÇÃO DA ÁREA CONTÍNUA: tem início num ponto localizado no eixo da Rodovia Assis Chateaubriand distante 1.950,00 metros do eixo da Rodovia Brigadeiro Faria Lima no sentido Barretos-Olímpia e segue nos seguintes azimutes e distâncias: 157°42’02” e 741,69 metros; 266°36’08” e 270,24 metros; 170°59’29” e 1.486,43 metros; 73°22’21” e 401,28 metros; 68°47’01” e 197,97 metros até atingir o divisor de água contribuintes da Bacia do Córrego do Aleixo; daí segue pelo divisor de água contribuintes da Bacia do Córrego do Aleixo até a distância de 100,00 metros do eixo da Rodovia Brigadeiro Faria Lima e paralelo ao referido eixo segue no sentido Barretos-Colina numa distância de 3.055,00 metros até o encontro com o Ribeirão das Pitangueiras; daí segue pelo Ribeirão das Pitangueiras abaixo até o ponto de coordenadas N 7.721.643,84 e E 756.736,11 situado à margem direita do Ribeirão das Pitangueiras; daí segue com os seguintes azimutes e distâncias: 101°18’30” e 56,01 metros; 89°22’12” e 21,19 metros; 88°57’05” e 106,01 metros; 212°04’03” e 230,68 metros; 212°57’41” e 79,51 metros; 149°55’06” e 38,51 metros; 86°24’39” e 104,43 metros; 52°47’09” e 29,15 metros; 90°48’21” e 1.170,19 metros; 57°58’03” e 128,17 metros; 309°05’28” e 331,61 metros; 7°01’59” e 412,27 metros e 306°59’44” e 892,54 metros até o ponto de coordenadas N 7.722.565,58 e E 757.258,58 situado à margem direita do Ribeirão das Pitangueiras; daí segue daí segue pelo Ribeirão das Pitangueiras abaixo até o encontro com o Córrego do Aleixo; daí segue com azimute 355°12’24” e distância 2.707,88 metros até o eixo da linha férrea; daí segue pelo eixo da linha férrea no sentido NW numa distância de 4.022,94 metros; daí segue com os seguintes azimutes e distâncias: 355°12’24” e 539,44 metros; 81°34’48” e 540,44 metros; 356°59’43” e 275,30 metros; 357°28’12” e 503,85 metros; 282°22’21” e 122,10 metros; 13°13’57” e 53,23 metros; 1°29’22” e 45,73 metros; 0°39’17” e 817,06 metros; 90°39’17” e 100,00 metros; 0°39’17” e 149,85 metros; 293°07’37 e 2,55 metros; 229°47’08” e 704,85 metros; 140°47’21” e 23,10 metros; 236°14’04” e 19,40 metros; 155°58’52” e 25,45 metros; 167°18’05” e 42,55 metros; 170°48’28” e 30,30 metros; 161°47’56” e 66,90 metros; 164°58’51” e 27,95 metros; 251°39’58” e 76,80 metros; 319°11’15” e 82,42 metros; 230°06’42” e 327,01 metros; 345°58’48” e 3.707,232 metros; daí deflete à esquerda e segue paralelo ao eixo da Rodovia Assis Chateaubriand no sentido Guaíra-Olímpia no azimute 241°12’24” até encontrar a margem direita da Estrada Vicinal Nadir Kenan; daí deflete à esquerda e segue pela margem direita da Estada Vicinal Nadir Kenan até encontrar o eixo da Rodovia Assis Chateaubriand; daí deflete à direita e segue pelo eixo da Rodovia Assis Chateaubriand no sentido Guaíra-Olímpia numa distância de 65,35 metros; daí segue pela linha de divisa do imóvel do Aterro Sanitário Municipal nos seguintes azimutes e distâncias: 336°03’59” e 275,80 metros; 348°45’35” e 261,68 metros; 258°10’54” e 82,29 metros; 348°36’44” e 473,34 metros; daí deflete à esquerda e segue paralelo ao eixo da Rodovia Assis Chateaubriand no sentido Guaíra-Olímpia no azimute 241°12’24” até encontrar o eixo da Rodovia Brigadeiro Faria Lima; daí deflete à direita e segue pelo eixo da Rodovia Faria Lima no azimute 345°24’56” e distância 66,05 metros; daí segue nos seguintes azimutes e distâncias: 216°31’45” e 1.016,92 metros; 153°41’35” e 640,06 metros até encontrar o eixo da Rodovia Assis Chateaubriand; daí deflete à direita e segue pelo eixo da Rodovia Assis Chateaubriand no sentido Guaíra-Olímpia no azimute 241°12’24” e distância 1.265,17 metros até o ponto inicial da presente descrição, observando-se que esta descrição obedece a caminhamento no sentido anti-horário; (NR)

IV      -        DESCRIÇÃO DA ÁREA DESCONTÍNUA - NÚCLEO URBANO 3: uma gleba de terras com a área de 26,7542 hectares que tem início em um ponto situado no limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-42 - Face Sul na divisa com o imóvel de propriedade de Simão Fernandes Tavares e segue com os seguintes rumos e distâncias: 25°37’49” SE e 126,90 m; 26°11’12” SE e 6,91 m; 35°25’22” SE e 214,65 m; 51°45’27” SW e 206,45 m; 79°01’09” SW e 45,90 m; 12°18’46” SW e 21,03 m; 21°00’28” SW e 42,70 m; 35°15’24” SW e 53,40 m; 85°53’19” SW e 35,15 m; 24°13’21” SW e 16,16 m; 80°31’35” NE e 132,27 m; 50°28’25” NW e 56,89 m; 49°56’15” NW e 173,24 m; 50°24’38” NW e 169,95 m; 17°57’52” NW e 12,00 m; 72°02’08” NE e 151,22 m; 60°20’28” NE e 134,38 m; 56°17’55” NE e 90,39 m; 65°36’24” NE e 62,85 m; 30°30’30” NW e 289,46 m; 87°54’30” NE e 299,78 m; 3°35’52” SE e 181,27 m; 12°47’39” SE e 4,74 m até o ponto inicial da descrição deste perímetro. (AC)

V       -        DESCRIÇÃO DA ÁREA DESCONTÍNUA - NÚCLEO URBANO 4: uma gleba de terras com a área de 82,2186 hectares que tem início em um ponto situado no limite da faixa de domínio da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA e na divisa da Chácara Mazelli, de propriedade de Jabaquara Empreendimentos S/C Ltda - Matrícula n.º 19.499 e segue com os seguintes azimutes e distâncias: 162°13'08" e 315,28 m, e 162°13'08" e 75,07 m até o limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07 com azimute 237°07'48" e distância 105,96 m; daí segue atravessando a Estrada Municipal BA-07 com azimute 159°38'02" e distância 13,39 m; daí segue confrontando com o 33.º Batalhão da Polícia Militar com os seguintes azimutes e distâncias: 159°38'02" e 192,37 m, e 75°35'38" e 76,21m até o limite da faixa de domínio da Estrada Vicinal Luiz Carlos Arutim; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Estrada Vicinal Luiz Carlos Arutim com os seguintes azimutes e distâncias: 166°10'21" e 175,75 m; 166°10'21" e 347,63 m; 175°49'06" e 111,98 m, e 189°40'02" e 391,73 m; daí segue com azimute 279°40'02" e distância 697,62 m; até o limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Estrada Municipal BA-07 com os seguintes azimutes e distâncias: 340°45'49" e 0,45 m; 345°39'20" e 176,64 m; 351°14'58" e 39,49 m; 1°52'33" e 23,71 m; 7°27'04" e 52,03 m; 11°06'17" e 348,89 m; 20°28'27" e 57,12 m; 24°44'29" e 52,68 m, e 16°20'35" e 57,02 m; daí segue atravessando a Estrada Municipal BA-07 com azimute 280°54'43" e distância 10,28 m até o limite da faixa de domínio da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA; daí segue pelo limite da faixa de domínio da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA com os seguintes azimutes e distâncias: 17°35'22" e 100,85 m; 285°36'15" e 27,26 m; 314°49'52" e 9,59 m; 4°05'01" e 12,48 m; 15°58'16" e 51,16 m; 29°07'59" e 31,85 m; 33°52'34" e 108,29 m; 26°26'48" e 22,53 m; 38°04'24" e 43,63 m; 34°17'29" e 112,80 m, e 34°17'29" e 324,97 m até o ponto inicial da descrição deste perímetro. (AC)”

Art. 4.º         -        O MAPIN 01 - Mapa Informativo de Perímetro Urbano e o MAPIN 08 - Mapa Informativo de Zoneamento da Cidade - Uso e Ocupação do Solo Urbano a que alude o artigo 254 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de outubro de 2006, com alterações subsequentes, passam a vigorar na conformidade dos MAPINs - Mapas Informativos constantes desta Lei Complementar.

Art. 5º          -        Fica alterado o “caput” do artigo 249, mantidos inalterados seus demais dispositivos, da Lei Complementar nº 73, de 10 de outubro de 2006, com alterações subsequentes, o qual passa a contar com a seguinte redação:

“Art. 249         -     Ficam classificadas como ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), áreas / glebas / lotes do município onde haja a necessidade de implantação e/ou regularização de habitação de interesse social. (NR)”

Art. 6.º         -        Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

O ato normativo impugnado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal e do art. 144 da Constituição Paulista, verbis:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§ 1º Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

         3. DA Violação Ao princípio do planejamento

O ato normativo impugnado desrespeitou a necessidade de planejamento técnico, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso do solo.

Nos termos dos arts. 180, II e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada ao uso do solo.

Todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo, seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, regularização de construção, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.), deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, daí a exigência de planejamento e estudos técnicos.

O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê ainda a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados, pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem-estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (art. 48, IV, 182, da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

O planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema, Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28, apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais, como o do zoneamento e de outras restrições urbanísticas que, como manifestação concreta do planejamento urbanístico, tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que alterações das normas que regulam o uso e ocupação do solo dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampadas nas leis de uso e ocupação do solo urbano. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor do Município de Barretos.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade.” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

No caso em tela, pela análise do processo legislativo, verifica-se que a lei objeto da impugnação não está fundada por planejamento urbanístico que busca o crescimento ordenado da cidade e a melhoria das condições de vida dos cidadãos. Desta feita, compromete o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

A alteração incriteriosa do zoneamento, diga-se, sem planejamento, prescinde e/ou posterga a realização de Estudo de Impacto de Vizinhança/EIV e do Estudo de Impacto Ambiental, acompanhado do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente/EIA-RIMA, pelos órgãos e técnicos competentes, que poderiam nortear de forma segura a alteração legislativa, no escopo de garantir a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da cidade.

No caso, houve importante alteração de zoneamento, de forma que o perímetro urbano da sede do Município de Barretos passou da área total 6.695,340648 hectares (redação original do Plano Diretor de Barretos) para 7.312,498777 hectares (redação dada pela Lei Complementar n° 233, de 21 de agosto de 2014).

Deste modo, patente a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado que dispõe sobre o uso e ocupação do solo, sem qualquer estudo prévio consistente, por ferir frontalmente o disposto nos artigos 180, caput e inciso II, e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e § 1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

Além da participação popular, tem-se que para a escorreita gestão da administração territorial urbana, necessário se faz a realização de estudos técnicos feitos por órgãos especializados, sob pena de se esfacelar todo o arcabouço que disciplina a matéria e, por sua vez, destruir o chamado Princípio da Coesão Dinâmica das normas, mencionado pelo Prof. José Afonso da Silva, que serve de alicerce para as normas de caráter urbanístico.

         4 – DA PROIBIÇÃO DE CRIAÇÃO DE NORMAS URBANÍSTICAS ALHEADAS AO PLANO DIRETOR

A lei também é inconstitucional por ofensa aos arts. 180, V, e 181, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo.

Das normas municipais de desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas, que instituam conformidade com diretrizes do plano diretor, que deve caráter integral (art. 181 e § 1º Constituição Paulista).

A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:

“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).

A alteração pontual teve como objetivo possibilitar a instalação de empreendimentos residenciais e industriais, cuja envergadura torna indubitável a necessidade de planejamento prévio adequado, compatível ao plano diretor.

Nesta esteira, a alteração legislativa é inconstitucional por contrariar a idéia de microsistema que norteia a organização do solo urbano, bem como por violar os princípios da isonomia e da impessoalidade dos atos do poder público, a fim de favorecer interesses particulares em detrimento do público.

5 -  DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do diploma legal questionado, subsistirá a sua aplicação, com um crescimento desordenado da cidade, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

 

Por outro lado, de forma paradoxal, a não concessão da liminar neste momento processual poderá servir de fundamento, no futuro, para se pleitear e justificar, de forma indevida, a modulação de efeitos, com base na narrativa de situação consolidada, que poderia ter sido evitada.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que eventualmente já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei Complementar n° 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de Barretos.

6 -  DO PEDIDO PRINCIPAL

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n° 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de São Barretos.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Barretos, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 26 de abril de 2016.

 

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

       


Protocolado nº 133.882/15

Assunto: inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de Barretos.

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar nº 233, de 21 de agosto de 2014, do Município de Barretos, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 26 de abril de 2016.

 

 

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça