EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 107.303/15
Ementa:
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.012 de 17 de junho de 2010, do
Município de Carapicuíba, que “Dispõe
sobre a desafetação de parte do Sistema de Recreio dos Junqueiras em via
pública e dá outras providências”.
2)
Lei
Municipal que desafeta área verde de loteamento, considerada área de
preservação permanente, para abertura de via pública, atentando contra o
princípio constitucional da vedação ao retrocesso sócio ambiental, bem como ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido
no art. 191 da Constituição Estadual.
3)
Alteração legislativa da destinação de área verde em loteamento,
efetivada mediante ausência de participação popular e em desrespeito à
restrição contida no artigo 180, VII, da CE/89. Revela-se inconstitucional a
ausência de participação comunitária no estabelecimento de diretrizes e normas
relativas ao desenvolvimento de políticas ambientais, pois tal mandamento deve
ser considerado em conjunto com os dispositivos relativos ao ordenamento
urbano, segundo preconiza a Constituição Estadual na interpretação conjunta dos
arts. 180, II, e 191.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 107.303/2015), vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n.
3.012, de 17 de junho de 2010, do Município de Carapicuíba, pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado a partir de representação da Promotoria de Justiça de
Carapicuíba, noticiando eventual inconstitucionalidade da Lei Municipal n.
3.102/2010, pois, em síntese, teria violado o artigo 180, VII, da Constituição
do Estado de São Paulo.
A Municipal
n. 3.012/2010, que “Dispõe sobre a
desafetação de parte do Sistema de Recreio dos Junqueiras em via pública e dá
outras providências”, tem a seguinte redação:
“Artigo 1º - Fica desafetada a área de parte do Sistema de
Recreio da Chácara dos Junqueiras, para ligação da Estrada da Fazendinha com a
Rua Uruana com 1.398,22m², que assim se descreve:
(...)
Artigo 2º - A área objeto da presente desafetação, destinar-se-á à
criação da Via Pública para ligação da Estrada da Fazendinha com a Rua Uruana.”
Conforme restará demonstrado no curso desta exordial, o ato
normativo impugnado revela-se incompatível com a Carta Bandeirante, pois enfraqueceu
nível de proteção conferida pelo ordenamento ao meio ambiente, ao autorizar a
criação de via pública em área de preservação permanente inserida em loteamento,
o que representa afronta ao princípio da vedação ao retrocesso sócio ambiental,
extraído a partir da exegese do Capítulo IV, Seção I, da CE/89, mais
precisamente de seu art. 191.
Ademais, se visualiza transgressão ao art. 180, II e VII, da Carta Paulista, haja vista a falta de participação popular quando da edição da lei impugnada, como será demonstrado a seguir, bem como a desconfiguração de área verde inserida em loteamento.
2.
DA FUNDAMENTAÇÃO
A Lei Municipal n. 3.012/2010, ao permitir a alteração do uso de área verde, para criação de via pública, sem participação popular, revelou-se frontalmente contrária à Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição do Estado violados são:
“Artigo 144 -
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição
Federal e nesta Constituição”.
Artigo 180
- No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento
urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
(...)
II - a participação das respectivas
entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas,
planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
VII – as
áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais
não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados,
exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização
de:
a)
Loteamentos,
cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por
núcleos habitacionais de interesse social destinados à população de baixa renda,
e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão;”
(...)
Art. 191 - O
Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a
preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente
natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e
locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico."
a.
Da violação do princípio da Proibição do Retrocesso Ambiental
Conforme se observa na representação que deu ensejo à propositura desta ação direta de inconstitucionalidade, a área objeto de desafetação citada no ato normativo impugnado era enquadrada como área verde de loteamento, considerada, ainda, área de preservação permanente.
Neste sentido, ao vistoriar o local, o D.E.P.R.N atestou que:
“Trata-se de “Área Verde”, denominada “Sistema de Recreio – Chácara dos Junqueiras”, do empreendimento habitacional – loteamento residencial – denominado Chácara dos Junqueiras” (...) Durante vistoria de campo, verificou-se que no local dos fatos ocorrera a abertura de via de acesso não pavimentada, inserida em Área de Preservação Permanente” (fls. 39/41).”
A CETESB, instada pelo Município de Carapicuíba a emitir autorização para intervenção na citada área, indeferiu o pedido, em face do disposto no artigo 180, VII, da CE/89 (fls. 511/517), uma vez se tratar de área verde reservada ao sistema de recreio de loteamento.
A irregularidade do ato normativo foi expressamente reconhecida pelo Município de Carapicuíba, o qual subscreveu Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público (fls. 362/364, 376/378 e 542/544) comprometendo-se a enviar projeto de lei ao legislativo, visando a revogação da Lei n. 3.012/2010.
Encaminhado o Projeto de Lei à Câmara Municipal, para revogação da Lei n. 3.012/10, o mesmo foi rejeitado (fls. 552).
Flagrante o retrocesso à proteção do meio ambiente consubstanciado na Lei Municipal n. 3.012/10, ao autorizar a criação de via pública em área verde de loteamento considerada área de preservação permanente, o que é defeso pelo texto constitucional segundo o princípio da proibição ao retrocesso ambiental.
Sobre o tema, manifesta-se o eminente Min. Luis Roberto Barroso:
“Por este princípio, que não é
expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma
lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado
direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser
arbitrariamente suprimido. Nessa ordem de ideias, uma lei posterior não pode
extinguir um direito ou garantia especialmente os de cunho social, sob pena de
promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na constituição. O que se
veda é o ataque à efetividade da norma, que foi alcançado a partir de sua
regulamentação. Assim, por exemplo, se o legislador infraconstitucional deu
concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito
que dependia de sua intermediação, não poderá simplesmente revogar o
atolegislativo, fazendo a situação voltar ao estado de omissão legislativa
anterior” (O Direito Constitucional e a Efetividade das Normas, 5ª. Ed., Rio de
Janeiro, Renovar, 2011, pag. 158/159).
Ainda sobre o princípio,
sustenta-se que ele decorre de outros princípios constitucionais de mais alta
importância, ou seja, princípio do Estado Democrático e Social de Direito, do
princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio da máxima eficácia e
efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais, do princípio da
proteção da confiança e da própria noção do mínimo essencial, sendo imperioso
destacar que no campo do Direito Ambiental sua aplicação é amplamente aceita tanto
na doutrina como na jurisprudência pátrias.
Por ser fundamental o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o Princípio da vedação ao retrocesso ambiental constitui um
verdadeiro princípio geral do Direito Ambiental, vez que tem por objetivo
salvaguardar os progressos obtidos para evitar a deterioração do ambiente,
sendo inadmissível condutas retrógradas, pois haveria uma ameaça à sadia qualidade
de vida das presentes e futuras gerações.
Os avanços conquistados na
seara da proteção ambiental não podem ser alvo de alterações que materializam
atraso normativo, sob pena de vulnerar o piso mínimo de proteção ecológica para
a qualidade da vida.
Sobre o tema, nos ensina o
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Herman Benjamin, que a
proposição nada tem de recente. Afirma que não é de hoje que se defende
"que a civilização moveu-se, move-se e se movera numa direção
desejável", conforme resume J. B. Bury, em sua clássica obra de início do
Século XX; ou que a humanidade avançou no passado, continua avançando agora, e,
com toda probabilidade, continuará a avançar no futuro próximo". Sob a
cobertura política dessa ideia-chave, surge o princípio jurídico da proibição
de retrocesso, que expressa uma "vedação ao legislador de suprimir, pura e
simplesmente, e concretização da norma", constitucional ou não, "que
trate do núcleo essencial de um direito fundamental" e, ao fazê-Io,
impedir, dificultar ou inviabilizar "a sua fruição, sem que sejam criados
mecanismos equivalentes ou compensatórios". Princípio esse que transborda
da esfera dos direitos humanos e sociais para o Direito Ambiental. (BENJAMIN,
Antônio Herman, Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental. In: SENADO
FEDERAL, Comissão De Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e
Controle, Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental. Brasília: Senado,
2012. p. 57).
Prossegue o Ministro Herman
Benjamin, exemplificando: "A mais óbvia
é a redução do grau de salvaguarda jurídica ou da superfície de uma área
protegida (Parque Nacional, p. ex.); outra, menos perceptível e por isso mais
insidiosa, e o esvaziamento ou enfraquecimento das normas de previsão de
direitos e obrigações ou, por outro lado, os instrumentos de atuação do Direito
Ambiental (Estudo Prévio de Impacto Ambiental, Áreas de Proteção Permanente,
Reserva Legal, Responsabilidade civil objetiva, p. ex.). Consequentemente,
tirante a redução pura e simples de espaços territoriais protegidos, o
retrocesso pode afetar ora direitos substantivos (= retrocesso substantivo) ora
direitos procedimentais ou o due process ambiental (= retrocesso formal ou
procedimental); ora o marco legislativo em si mesmo (=retrocesso legislativo)
ora a política de implementação (=retrocesso de implementação). (BENJAMIN,
Antônio Herman, Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental. In: SENADO
FEDERAL, Comissão De Meio Ambiente, Defesa Do Consumidor e Fiscalização e
Controle, Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental. Brasília: Senado,
2012. P.67).
Há, portanto, a necessidade
de se afastar o princípio da mutabilidade do direito na seara de proteção
ambiental, nesse sentido:
"O meio ambiente e o
desenvolvimento sustentável nos obrigam a pensar hoje de maneira diferente,
afastando o princípio da mutabilidade do Direito. Isso porque o meio ambiente,
como os direitos humanos, constituem exceções a essa regra. Nesse sentido, há
que se considerar que, junto com o princípio de desenvolvimento sustentável, não
se pode esquecer dos direitos à vida e à saúde das gerações futuras e, assim,
há que se impedir que se tomem medidas que causariam danos a elas. Reduzir ou
revogar a regras de proteção ambiental teria como efeito impor às gerações
futuras um ambiente mais degradado. Nesse sentido, o artigo 28, acima
mencionado, se interpretado literalmente e combinado com o princípio do
desenvolvimento sustentável, pode ser interpretado, no contexto ambiental e
atual, como advogando em favor do princípio de não regressão, pois veda a
submissão das gerações futuras a normas responsáveis pelo recuo na proteção
jurídica do meio ambiente". (PRIEUR, Michel, Princípio da Proibição de
Retrocesso Ambiental. In: SENADO FEDERAL, Comissão De Meio Ambiente, Defesa Do
Consumidor e Fiscalização e Controle, Princípio da Proibição de Retrocesso
Ambiental. Brasília: Senado, 2012. p.19).
No campo do Direito
Constitucional Brasileiro, o princípio da proibição ao retrocesso surgiu como
um princípio geral de Direito Ambiental, não estando previsto em norma constitucional
explícita.
Na realidade, ele se manifesta
a partir da leitura conjunta das normas que compõem a totalidade do vasto mosaico
do Direito Ambiental, justificando ser invocado para o controle de
constitucionalidade de iniciativas legislativas destinadas a reduzir o patamar
de tutela legal do meio ambiente.
O meio ambiente
ecologicamente equilibrado, portanto, é um direito fundamental, impondo-se ao
Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações, sendo por esse motivo que a Constituição Estadual adotou ainda o
"princípio da melhoria ambiental", cuja origem remonta à Lei de
Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecendo que o Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da
coletividade, a preservação,
conservação, defesa, recuperação e melhoria
do meio ambiente natural.
Tal princípio é o
ambicionado e informa o princípio da proibição de retrocesso, pois não basta
manter ou conservar o que se tem, impondo-se melhorar, avançar no
terreno daquilo que um dia ecologicamente se teve e desapareceu, ou hoje se
encontra dilapidado, e, se não zelado de maneira correta, mais cedo ou mais
tarde desaparecerá.
Este princípio,
aliás, acha-se contemplado no art. 191 da Constituição Estadual que determina
ao Estado e aos Municípios, com a participação
da coletividade, a melhoria do meio
ambiente natural, consagrando uma ideia
de avanço em oposição a condutas retrógradas em matéria ambiental.
O retrocesso verificado
contrapõe-se à ideia de ampla proteção voltada à mantença do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, direito este plasmado no art. 191 da Constituição
Estadual e que confere legitimidade ao primado da vedação ao retrocesso
extraída do próprio texto magno, sendo imperiosa, portanto, a declaração de
inconstitucionalidade da legislação atacada, a fim de que seus efeitos
maléficos sejam interrompidos.
b.
Da
violação ao artigo 180, II e VII, da CE/89
Por afetar a legislação urbanística e a qualidade de vida de seus
munícipes, a validade e legitimidade de modificação de norma ambiental
pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção (art. 191,
caput, CE).
Os planos ambientais devem levar em conta o bem estar do povo,
pois sem o meio ambiente ecologicamente equilibrado não há vida humana, de
sorte que tais normativas cumprem esta premissa quando são sensíveis às
necessidades e aspirações da comunidade.
Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática e
não idealizada autoritariamente. O planejamento ambiental que acarreta
desdobramentos urbanísticos exige uma participação democrática, pressupondo a
possibilidade de efetiva participação do povo na sua elaboração, haja vista o
Constituinte Bandeirante ter estabelecido no art. 191, caput, da Carta Paulista, a participação da coletividade na defesa
do meio ambiente, o que abrange a necessidade de participação popular quando da
edição ou alteração de diplomas hábeis a vulnerar o aludido objeto de proteção,
principalmente diante do fato de que esses diplomas, sendo democráticos, se
colocam contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação aos mananciais que
interferem na vida dos administrados, inclusive os residentes nas urbes.
Por esse motivo, o princípio da participação comunitária no estabelecimento
de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano e, via de
conseqüência, de políticas ambientais pode e deve ser considerada em conjunto
com os dispositivos relativos ao ordenamento urbano, respeitando para tanto a
exigência da participação popular voltada à deliberação de tais questões,
segundo preconiza a Constituição Estadual na interpretação conjunta dos arts.
180, II, e 191.
Se o entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento, mas também a participação comunitária na produção de normas atinentes ao ordenamento urbanístico, nada mais coerente aplicar a mesma lógica à edição de normas ambientais em razão dos motivos já elencados.
Nesse sentido, aliás, já se posicionou este E. Tribunal de Justiça
na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0168001-94.2013.8.26.0000, no
sentido de ser indispensável a participação comunitária no processo legislativo
destinado à alteração do zoneamento urbano, momento em que este Sodalício se
utilizou de interpretação conjunta dos arts. 180, II, e 191 da Carta Paulista.
Ante a clareza e precisão do voto proferido na aludida demanda,
que, mutatis mutandis, pode ser
empregado na resolução da questão ora examinada, pede-se vênia para reproduzir
excertos da r. decisão:
“(...) A lei nº 6.359, de 7 de junho de 2013, do
Município de Bauru, transforma ruas e quarteirões que especifica em seus arts.
1º, 2º e 3º em corredores comerciais e de serviços. E não resta dúvida de que,
visando a atender interesse público local, isso é possível, mas com a
observância de normas constitucionais (art. 180, II, e 191 da Constituição do
Estado) que exigem em tal processo a participação de entidades comunitárias, da
coletividade, em suma, o que, no caso, não ocorreu, como se depreende do que
segue claro nas informações que Município e Câmara prestaram (fls. 33/36 e
39/40).
O art. 180, II, da Constituição do Estado prevê que no
estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o
Estado e os Municípios assegurarão “a participação das respectivas entidades
comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano,
programas e projetos que lhes sejam concernentes” (inciso II). E o art. 191 da
Constituição do Estado diz: “O Estado e os Municípios providenciarão, com a
participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e
melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as
peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e
econômico”.
O ato normativo aqui atacado constitui inequívoca
alteração do zoneamento, com transformação de ruas e quarteirões inteiros em
corredores comerciais e de serviços, o que se fez sem a imprescindível
participação comunitária.
(...)
Não se trata de, como quer a Municipalidade, submeter
a consulta popular todo e qualquer ato do poder público municipal, toda e
qualquer edição de lei, a acarretar “uma enorme burocratização da Gestão
Pública Municipal.” Trata-se, isto sim, de cumprir e fazer com que se cumpra a
Constituição Estadual que, no que concerne à matéria em exame, exige, como
dito, a participação comunitária, na forma do que estabelece nos arts. 180, II,
e 191, que não abrem exceção para modificações pontuais ou pequenas alterações
de zoneamento. Aliás, observados os termos da lei 6.359/13, não cabe no caso
falar em pequena alteração de zoneamento. A necessidade de “dinamizar e
desenvolver a cidade em conformidade com o progresso” não justifica o
descumprimento de normas constitucionais, das diretrizes nestas especificadas
para alterações urbanísticas e de zoneamento.
(...)”
Não bastasse a ausência de participação popular, é de clareza
solar a afronta ao artigo 180, VII, da CE/89, pois o ato normativo impugnado
possibilitou a alteração de destinação de área verde de loteamento, seus fins e
objetivos, para hipótese que não se enquadra nas exceções arroladas nas alíneas
“a”, “b” e “c” do citado dispositivo.
Ante as considerações supramencionadas, padece de
inconstitucionalidade a Lei n. 3.012, de 17 de junho de 2010,
do Município de Carapicuíba, por ofensa ao arts. 180, II e VII, e 191, da
Constituição Estadual.
3.
DOS PEDIDOS
a.
DO PEDIDO LIMINAR
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais,
apontados como violadores de princípios e regras da Constituição Federal e da Constituição
do Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se novas
ou maiores degradações ao meio ambiente.
Está claramente demonstrado que o ato normativo impugnado é inconstitucional por violação do princípio da vedação ao retrocesso ambiental e ausência de participação popular na elaboração da normativa vergastada.
O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação de uso incompatível com a relevância e importância ambiental do local.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar
de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de
4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493,
RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão, até o final e definitivo julgamento desta ação da Lei n. 3.012, de 17 de junho de 2010, do Município de Carapicuíba.
b. DO PEDIDO PRINCIPAL
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei n. 3.012, de 17 de junho
de 2010, do Município de Carapicuíba.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao Prefeito
e ao Presidente da Câmara Municipal de Carapicuíba, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 18 de abril de
2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj
Protocolado nº 107.303/2015
Interessado: Promotoria de Justiça de Carapicuíba
Assunto: inconstitucionalidade da Lei n. 3.012, de 17 de junho de 2.010
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 18 de abril de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
aaamj