Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 157.237/15
Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 580, de 22 de dezembro de 2015, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo e Resolução nº 20, de 22 de dezembro de 2015, da Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, que Fixam, respectivamente, o percentual de cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, no âmbito do Poder Executivo local e da Câmara Municipal, atendendo ao disposto no art. 115, V, da CE/89. Violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade (art. 111, CE) e burla implícita ao comando do art. 115, V, da CE/89. 1. Inconstitucional a previsão de percentual para preenchimento de cargos em comissão na estrutura administrativa direta do município por servidores de carreira, no caso 10% (dez por cento) dos cargos comissionados, vez que, ao estabelecer em lei percentuais desse jaez, o Município torna mera ficção jurídica a exigência plasmada no art. 115, V, por evidente esvaziamento de sua ratio normativa. 2. Previsão normativa que não se concilia com os arts. 111 e 115, V, CE/89, pois torna sem efeito a intenção do Constituinte em limitar o provimento comissionado na estrutura administrativa direta municipal.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro
de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei Complementar
nº 580, de 22 de dezembro de 2015, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, e
da Resolução nº. 20, de 22 de dezembro de 2015, da Câmara Municipal de Santa
Cruz do Rio Pardo, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – O
Ato Normativo Impugnado
A
Lei Complementar nº 580,
de 22 de dezembro de 2015, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo e a
Resolução nº 20, também de 22 de dezembro de 2015, do mesmo Município, fixam o
percentual mínimo de 10%, para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa direta do município por servidores de carreira, da seguinte
forma (fl. 141 e 172):
LEI
COMPLEMENTAR Nº. 580, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2015:
“(...)
Art. 1º - Fica incluído o parágrafo único no artigo 6º da Lei Complementar Municipal 553, de 27 de fevereiro de 2015, que passará a vigorar com a seguinte redação:
‘... Parágrafo Único – Fica estabelecido que no mínimo 10% (dez por cento) dos empregos de provimento em comissão deverão ser preenchidos por servidores de carreira” (...)”. (grifo nosso)
RESOLUÇÃO Nº.
20, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2015:
“(...)
Art. 1º - Fica alterada a redação do artigo § 1º da
Resolução 07/15, suprimidos os parágrafos 1º e 3º cujo texto passa a ser o
seguinte:
Art.1 º - Nos termos dos incisos II e V do artigo
37 da Constituição Federal e inciso V do artigo 398 da Lei Orgânica deste
Município, os cargos em comissão e as funções de confiança constantes do quadro
de servidores do Legislativo possuem atribuições de direção, chefia e
assessoramento, sendo todos de livre nomeação e demissíveis ad nutum,
subordinados ao Presidente da Câmara, com quem mantêm estreita e especial
relação de confiança.
‘... Parágrafo Único –
Fica estabelecido que no mínimo 10%
(dez por cento) dos cargos da Câmara Municipal, deverão ser preenchidos por
servidores de carreira do Poder Legislativo, para funções de confiança e cargos
em comissão”. (...)”. (grifo nosso)
A proporção fixada pelos atos normativos impugnados impõe que
aproximadamente 10% dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores de
carreira.
A partir de uma leitura rasa do diploma transcrito, ainda que a contrario sensu, o intérprete tem a
impressão de que a legislação examinada guarda obediência ao comando inscrito
no art. 115, V, da Carta Paulista, o qual reclama a edição de lei estipulando
percentual mínimo dos cargos em comissão na estrutura administrativa do ente a
serem ocupados por servidores efetivos.
Todavia, conforme será demonstrado no curso desta vestibular, a partir da
interpretação do art. 1º, parágrafo único, da Lei Complementar nº 580/15 (fls.
172), do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, e do art. 1º, parágrafo único,
da Resolução nº. 20/2015 (fls. 141), da Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio
Pardo, ao preverem a parcela diminuta de 10% para os cargos em comissão a serem
ocupados por servidores de carreira, o Município torna a exigência plasmada no
art. 115, V, mera ficção jurídica por evidente esvaziamento de sua ratio normativa,
havendo, portanto, notória violação aos arts. 111 e
115, V, da Constituição Estadual.
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os percentuais estabelecidos na Lei Complementar nº 580, de 22 de dezembro de 2015, do Município de Santa
Cruz do Rio Pardo, e da Resolução nº. 20, de 22 de dezembro de 2015, da
Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts.
1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
Os dispositivos normativos contestados são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 111 - A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo
115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive
as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O
art. 144 da Constituição Estadual limita e condiciona a autonomia municipal,
determinando a observância dos princípios estabelecidos na Constituição Federal
e na Constituição Estadual.
O
inciso V do art. 115 da Constituição Estadual, reproduzindo o inciso V do art.
37 da Constituição Federal, determina a reserva de percentual mínimo, adotado
em ato normativo, de cargos de provimento em comissão a servidores de carreira,
com nítido escopo de estímulo à profissionalização do serviço público (e
consequente valorização do servidor público titular de cargo de provimento
efetivo, isolado ou de carreira), bem como compatibilizar a liberdade de
provimento de cargos comissionados com os princípios que norteiam a atividade
administrativa, previstos no art. 111 da Carta Bandeirante.
É sabido que a nossa ordem constitucional republicana privilegia a meritocracia, não o favoritismo, o nepotismo ou qualquer outro subjetivismo.
O princípio da moralidade impõe o recrutamento do pessoal que servirá ao Poder Público pelo critério do concurso público. Excepcionalmente, e para hipóteses cada vez mais extravagantes, caberá o provimento em comissão e, mesmo dentre essas hipóteses, há que prevalecer a preferência por quem já integra a carreira.
Os cargos públicos têm de restar acessíveis a todos aqueles que, providos em razão da qualificação profissional exigida, também se mostrem merecedores de ocupá-los, após vencerem a corrida de obstáculos de um concurso sério, transparente, aberto a todos, fenômeno com o qual a Democracia não pode transigir.
Cumpre salientar que o art. 115, V, da Constituição Estadual institui o princípio constitucional de acessibilidade aos cargos de direção superior da administração aos servidores públicos efetivos.
A necessidade de observância a tal mandamento constitucional visa não só estimular e servir de prêmio à dedicação do servidor efetivo, mas passa a integrar o próprio plano de carreira. Deve se estabelecer uma proporcionalidade para que alguns cargos de provimentos em comissão da administração sejam preenchidos por servidores públicos efetivos.
De outro lado, tal proporcionalidade é necessária para assegurar a qualidade, a eficiência, a profissionalização e a continuidade do serviço público, sobretudo por ocasião das mudanças de governo, quando se verifica uma substituição significativa dos ocupantes de cargos importantes da direção superior da Administração Pública. Nas trocas de governos, deve existir uma estrutura mínima de pessoal do quadro de servidores públicos para ocupação de postos responsáveis pela condução superior da administração para que ela não sofra solução de continuidade.
Pois bem.
Os atos normativos examinados estabelecem que o percentual mínimo de
cargos comissionados a serem ocupados por servidores de carreira será de 10%
(dez por cento).
Dessa
forma, abstraindo-se a quantidade, em primeira análise, poder-se-ia cogitar sua
obediência ao disposto no art. 115, V, da Constituição Estadual, porquanto se
visualiza no ente em comento diploma tendente a dar cumprimento ao comando
constitucional apontado.
Contudo,
a partir de uma interpretação acurada da ratio essendi do art. 115, V, da CE, a
intelecção supramencionada revela-se errônea, pois ao prever percentual assaz
diminuto de postos comissionados a serem preenchidos por servidores de carreira
no ente, conforme acima mencionado, tornou mera ficção o dispositivo indicado
por representar evidente esvaziamento de seu comando, havendo, portanto,
notória violação aos arts. 111 e 115, V, da Carta
Paulista, por afronta evidente à razoabilidade, à proporcionalidade, à
moralidade e burla implícita à excepcionalidade do provimento em comissão
quando do preenchimento de postos na estrutura da Administração.
Nesse
sentido, aliás, já se manifestou este Sodalício, firmando em sua jurisprudência
um piso de 50% (cinquenta por cento) ao percentual reclamado pelo Constituinte
quando da edição do art. 115, V, na Constituição Estadual. In verbis:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PERCENTUAL DOS CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO A SEREM PREENCHIDOS POR SERVIDORES EFETIVOS - EXIGÊNCIA
CONSTITUCIONAL DE FIXAÇÃO POR LEI - Mora verificada Inconstitucionalidade por
omissão reconhecida, com fixação de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para
tomada das providências necessárias, após o que, em caso de persistência da
mora, 50% dos cargos em questão
deverão ser preenchidos por servidores efetivos. Ação procedente, com
determinação.” (TJSP, ADI nº 2069053-15.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel.
Des. Moacir Peres, j. em 16.08.15 v.u – g.n.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR
OMISSÃO. Ausência de edição de lei específica que estabeleça percentual mínimo
dos cargos de provimento em comissão a serem preenchidos por servidores de
carreira, na estrutura administrativa do Município de Valparaíso, conforme
preconiza o artigo 115, V, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade
latente. Mora legislativa configurada. Ação procedente com fixação do prazo de
180 (cento e oitenta) dias para que a omissão seja suprida, bem como determinar
que, enquanto persistir a omissão legislativa, ao menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão sejam
preenchidos por servidores efetivos.” (TJSP, ADI nº
2010554-38.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Péricles Piza, j. em 10.06.15
v.u – g.n.).
Ante o exposto, os percentuais
estabelecidos na lei objurgada não se conciliam com os arts.
111 e 115, V, da Constituição Paulista, devendo ser declarada sua
inconstitucionalidade por este E. Tribunal de Justiça.
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura das normas municipais apontadas como violadoras de princípios e
regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo à legitimidade do
exercício de cargos públicos e à efetividade da Constituição, pois a manutenção
dos dispositivos impugnados favorecerá ao descumprimento do mandamento
constitucional.
À luz desta contextura,
requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar nº 580, de 22 de
dezembro de 2015, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, e da Resolução nº
20, de 22 de dezembro de 2015, da Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, responsáveis por fixar os
percentuais para preenchimento de cargos em comissão na estrutura
administrativa direta do município.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerer-se o recebimento e o processamento da
presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da
Lei
Complementar nº 580, de 22 de dezembro de 2015, do Município de Santa Cruz do
Rio Pardo, e da Resolução nº. 20, de 22 de dezembro de 2015, da Câmara Municipal de Santa Cruz do
Rio Pardo, responsáveis por fixar os percentuais para preenchimento de cargos
em comissão na estrutura administrativa direta do município.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e ao Presidente da
Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 19 de abril de 2016.
Gianpaolo Poggio
Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/sh
Protocolado nº
157.237/15
Interessado:
Promotoria de Justiça de São José do Rio Pardo
1.
Promova-se
a distribuição das ações direta de inconstitucionalidade referente aos
Municípios de Santa Cruz do Rio Pardo e São Pedro do Turvo, instruída com o
protocolado em epígrafe mencionado, em face, respectivamente da Lei
Complementar nº 580, de 22 de dezembro de 2015, do Município de Santa Cruz do
Rio Pardo, e da Resolução nº. 20, de 22 de dezembro de 2015, do mesmo município, bem como da Lei nº 2239, de 03 de
dezembro de 2014, do Município de São Pedro do Turvo, responsáveis por fixar os
percentuais para preenchimento de cargos em comissão por servidores de carreira
na estrutura administrativa direta dos mencionados municípios.
2. Deixo de promover a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão em relação à Câmara Municipal de São Pedro do Turvo e ao Município de
Espírito Santo do Turvo, em razão da edição da Resolução nº 01/2014, de 17 de
dezembro de 2014, da Câmara Municipal de São Pedro do Turvo e da Lei
Complementar nº 267, de 20 de julho de 2015, do Município de Espírito Santo do
Turvo, as quais supriram a omissão apurada, pelo qual quanto a estes pontos
promovo o arquivamento do feito (fls. 07 e 111).
3. Ciência ao interessado, remetendo-lhe
cópia da petição inicial e deste despacho.
São Paulo, 19 de abril de 2016.
Gianpaolo Poggio
Smanio
Procurador-Geral de Justiça
ms/sh