Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 176.406/2015
Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º, da Lei nº 7.911,
de 28 de novembro de 2012, do Município de Presidente Prudente. Licitação. Autorização
de doação onerosa de bem imóvel integrante do patrimônio público municipal.
Dispensa de requisitos da prévia autorização legislativa e interesse público
devidamente justificado. violação à regra da licitação. ofensa aos princípios
da moralidade, impessoalidade e igualdade. 1. A supressão dos
requisitos prévia autorização legislativa e interesse público devidamente
justificado, para doação onerosa com encargo de imóvel público, implica violação
à regra da licitação e aos princípios da moralidade, impessoalidade e igualdade,
bem como invasão da esfera de competência federal para disciplina de normas
gerais de licitação. 2. Arts. 1º, 111, 117 e 144, da Constituição
Estadual de São Paulo.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual
n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São
Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face do art. 2º, da
Lei nº 7.911, de 28 de novembro de 2012, do Município de Presidente Prudente,
pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
art. 2º, da Lei nº 7.911, de 28 de novembro de 2012, do Município de Presidente
Prudente, assim prevê:
“(...)
(...)”
II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE
CONSTITUCIONALIDADE
Como se sabe, o art. 117 da
Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, XXI da Constituição Federal),
estabelece como regra geral a exigência de licitação para que o poder público
contrate com particulares.
A exigência
de procedimento licitatório para a contratação pela Administração Pública é
verdadeiro princípio constitucional estabelecido, que deve, obrigatoriamente,
ser seguido pelos Estados e Municípios.
Por outro
lado, é necessário lembrar que é da competência do legislador federal
estabelecer normas gerais a respeito de licitação (art. 22, XXVII da Constituição
Federal), competência esta efetivamente exercida com a edição da Lei nº
8.666/93, que prevê a obrigatoriedade de licitação (art. 2º), estabelecendo
casos de dispensa e inexigibilidade.
As hipóteses
de dispensa e inexigibilidade de licitação, como é cediço, estão previstas nos
arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93, e, quando presentes, exigem a justificação
formal, em processo administrativo, nos termos do art. 26 da referida lei, a
partir de hipóteses de dispensa ou inexigibilidade previstas na própria Lei de
Licitações.
Com relação
à hipótese de alienação de bens da Administração Pública, a Lei nº 8.666/93
prevê, especificamente, que a dispensa de licitação apenas poderá ocorrer em
situações específicas previstas no art. 17, I, “b”, no que diz respeito à
doação de imóveis do poder público, permitida exclusivamente para outro órgão
ou entidade da Administração, senão vejamos:
“Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
(...)
b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i;” (g.n.)
In casu, o art. 2º da Lei nº 7.911/12 autoriza o Município de Presidente Prudente “alienar, por doação com encargo, para os fins de instalação de indústrias, áreas de terrenos localizadas no distrito ora criado, devidamente aprovadas pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico”, exigindo, para isso, tão somente, conformidade com o estabelecido na lei local.
Dessa forma, esclarecido sobre a
imprescindibilidade da licitação, conclui-se que a lei impugnada cria exceção à regra da licitação, ao
não exigir na hipótese mencionada os requisitos da prévia autorização
legislativa e interesse público devidamente justificado.
Ao permitir
a alienação de bem público, no caso de doação com encargo, sem os requisitos
anteriormente mencionados, o legislador municipal criou uma hipótese sui generis de dispensa, violando princípio
constitucional estabelecido, por força do qual a licitação é a regra na
Administração Pública (art. 117 e 144 da Constituição Paulista).
Além da lei local não se alinha com os princípios da licitação e da moralidade administrativa ao autorizar a doação, ainda que onerosa, de bem público sem submissão a processo que garanta condições de igualdade, moralidade e eficiência.
Soa do art. 117 da Constituição Estadual, reprodutor do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, a obrigatoriedade de licitação em qualquer modo ou forma de alienação de bens públicos – preceito aplicável aos Municípios por obra dos arts. 144 e 297 da Constituição Estadual – e que, em última análise, decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade, interesse público e eficiência, aludidos no art. 111 da Constituição Paulista.
Ora,
a lei local exige apenas que as “áreas de terrenos localizadas no distrito ora
criado”, sejam “devidamente aprovadas pela Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Econômico”, permitindo ao gestor público escolher aleatória,
sigilosa e subjetivamente qualquer pessoa, coarctando as potencialidades mais
úteis e vantajosas ao interesse público emergentes de processo objetivo,
impessoal e transparente de seleção, e abre espaço a dispensa de tratamento
desigualitário sem razoabilidade, ética ou compatibilidade aos axiomas
fundamentais do regime republicano. Conforme expõe o art.
A respeito
do princípio da impessoalidade, anota Edmir Netto de Araújo que seu sentido é o
da “imparcialidade, significando que a Administração não pode agir motivada por
interesses particulares, interesses políticos, de grupos, por animosidades ou
simpatias pessoais, políticas, ideológicas, etc., implicando sempre em regra de
agir objetiva para o administrador” (Curso de direito Administrativo, São
Paulo, Saraiva, 2005, p. 56).
Ou então,
como pontua Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o princípio estaria relacionado
com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa.
Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar
pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que
nortear o seu comportamento” (Direito administrativo, 19ª ed., São Paulo,
Atlas, 2006, p. 85).
É assente no
E. STF, ser imperativo o respeito aos princípios constitucionais da
Administração, tendo ficado assentado que:
"A Administração
Pública é norteada por princípios conducentes à segurança jurídica — da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A
variação de enfoques, seja qual for a justificativa, não se coaduna com os
citados princípios, sob pena de grassar a insegurança." (MS 24.872, voto
do Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-6-05, DJ de 30-9-05).
"Não podem a lei, o decreto, os atos regimentais ou instruções normativas, e muito menos acordo firmado entre partes, superpor-se a preceito constitucional, instituindo privilégios para uns em detrimento de outros, posto que além de odiosos e iníquos, atentam contra os princípios éticos e morais que precipuamente devem reger os atos relacionados com a administração pública. O art. 37, XXI, da CF, de conteúdo conceptual extensível primacialmente aos procedimentos licitatórios, insculpiu o princípio da isonomia assecuratória da igualdade de tratamento entre todos os concorrentes, em sintonia com o seu caput – obediência aos critérios da legalidade, impessoalidade e moralidade – e ao de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza." (MS 22.509, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 26-9-1996, Plenário, DJ de 4-12-1996.)
“Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade de artigos de lei municipal. Normas que determinam prorrogação automática de permissões e autorizações em vigor, pelos períodos que especifica. (...) Prorrogações que efetivamente vulneram os princípios da legalidade e da moralidade, por dispensarem certames licitatórios previamente à outorga do direito de exploração de serviços públicos” (RE 422.591, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 1º-12-2010, Plenário, DJE de 11-3-2011.)
E mutatis mutandis, os princípios
constitucionais da Administração Pública são aplicáveis ao Poder Legislativo
quando da elaboração de leis. Não é aceitável que determinado diploma legal
estabeleça cláusula que crie favorecimento a particular determinado, sob pena
de violar os princípios da moralidade, impessoalidade e igualdade.
Daí a
inconstitucionalidade da regra, tomando como parâmetro o art. 111 da
Constituição do Estado.
Não
bastasse, é adequado obtemperar que o legislador local não tem pleno domínio
nem absoluta autonomia para dispor a respeito. As exceções à regra da licitação
situam-se nas normas gerais sujeitas à disciplina uniforme por lei nacional,
como resulta do art. 22, XXVII, da Constituição Federal. A violação a essa
norma se arquiteta por ofensa do legislador local ao princípio republicano do
qual deriva a repartição de competências normativas, subvertida na espécie,
cuja observância é compulsória nos Estados e nos Municípios (arts. 25 e 29 da
Constituição Federal). Portanto, violados os arts. 1º e 144 da Constituição
Estadual, na medida em que lei nacional, de competência da União, existe, e não
admite, na hipótese, supressão da licitação (art. 17, I, b, da Lei n. 8.666/93 na redação dada pela Lei n. 11.481/07).
III – Pedido
liminar
À saciedade demonstrado
o fumus boni iuris, pela
ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de Presidente Prudente apontados como violadores de princípios e
regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, de maneira a evitar oneração do erário irreparável ou de difícil
reparação.
À luz deste
perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação do art. 2º, da Lei nº 7.911, de 28 de novembro
de 2012, do Município de Presidente Prudente.
IV – Pedido
Face ao
exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art.
2º, da Lei nº 7.911, de 28 de novembro de 2012, do Município de Presidente
Prudente.
Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Presidente Prudente,
bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos
normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 27 de abril de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
efrco/dcm
Protocolado
n. 176.406/2015
Assunto: Ação Direta de Inconstitucionalidade
1. Distribua-se
a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade do art. 2º, da Lei nº
7.911, de 28 de novembro de 2012, do Município de Presidente Prudente junto ao
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se
ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São
Paulo, 27 de abril de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
efrco/dcm