EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 170.229/15

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei nº 2.037, de 15 de abril de 1992, do Município de Cubatão. Servidor Público. Remuneração. Vantagem Pecuniária. Gratificação. Nível Universitário. Instituição desvinculada do atendimento ao interesse público e às exigências do serviço. Ofensa aos princípios da moralidade, razoabilidade, finalidade e interesse público. Procedência da ação.  1. A concessão genérica de gratificação a todos servidores públicos que possuam diploma universitário, sem critérios objetivos determinados, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público. 2. A vantagem pecuniária deve ser orientada única e exclusivamente à valorização do profissional cujo grau universitário tenha aderência ou relação lógica e direta com o plexo de funções elementares ao cargo. 3. Constituição Estadual: artigos 111 e 128.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 6º, “caput” e §§ 1º a 4º, da Lei nº 2.037, de 15 de abril de 1992, do Município de Cubatão, pelos fundamentos a seguir expostos.

                   I.            DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei n. 2.037, de 15 de abril de 1992, do Município de Cubatão, que “Autoriza o Poder Executivo a reajustar as tabelas II, VI e VIII, constantes da Lei nº 1.896, de 25 de outubro de 1991, altera os artigos 3º e 4º, da Lei nº 2.005, de 22 de novembro de 1991 e dá outras providências”, no que interessa dispõe:

“(...)

ARTIGO 6º – Fica autorizada a concessão de gratificação por nível universitário de 30% (trinta por cento), aos servidores que possuam esse título e exerçam cargo ou função que exija essa qualificação.

§ 1º - A gratificação de nível universitário incidirá sobre o padrão básico de vencimento do servidor, incorporando-se ao mesmo para todos os efeitos legais.

§ 2º - O pagamento da gratificação de nível universitário dependerá de requerimento do servidor, que instruirá o seu pedido com a prova do respectivo título.

§ 3º - Os professores que vêm recebendo a gratificação de nível de 20% (vinte por cento) passarão a perceber o adicional de 30% (trinta por cento) referido no ‘caput’, independentemente de novo requerimento.

§ 4º - Excetuam-se do disposto no parágrafo 2º, os ocupantes de cargos comissionados de livre provimento, tais como, Secretários, Assessores, Gerentes.

(...)”.

                II.            DA FUNDAMENTAÇÃO

         O ato normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

         Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

         As regras jurídicas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”.

 III. DA INCONSTITUCIONALIDADE

         As vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

         Se tradicional ensinança assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

         Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

         Ademais, oportuno pontuar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

         Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo) que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, e compreende as seguintes espécies: “de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

         As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

         É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

         No tocante ao adicional ou “gratificação de nível universitário”, considera-se um acréscimo pecuniário ex facto officci pelo desempenho de funções especiais. A respeito do assunto, assim se posiciona a doutrina:

“é de se observar que não basta seja o servidor titular de diploma de curso superior para o auferimento da vantagem de nível universitário; é necessário que esteja desempenhando função ou exercendo cargo para o qual se exige o diploma de que é portador. O que a Administração remunera não é a habilitação universitária em si mesma; é o trabalho profissional realizado em decorrência dessa habilitação, e da qual se presume maior perfeição técnica e melhor rendimento administrativo” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2009, 35ª ed., pp. 499-500).

         Feitas estas considerações, evidencia-se que a denominada “gratificação por nível universitário”, instituída para servidores do Município de Cubatão, mostra-se contrária aos ditames constitucionais.

         O art. 6º da Lei n. 2.037, de 15 de abril de 1992, do Município de Cubatão, confere o direito à gratificação de nível universitário de maneira genérica a todos servidores públicos que possuam respectivo diploma, inclusive criando uma duplicidade, porque há a percepção por servidores que ocupam cargos cujo acesso e provimento reclama formação superior como requisito de habilitação.

         Além disso, não foram estabelecidos mínimos critérios para sua concessão a quem titulariza cargo cujo provimento não exigiu grau superior.

         Isto equivale, na prática, à fixação de benefício sem indicação de fundamento, e contraria, ademais, o disposto no art. 128 da Constituição do Estado, pelo qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, bem como os princípios da igualdade, da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

         Com efeito, a vantagem pecuniária deve ser orientada única e exclusivamente à valorização do profissional cujo grau universitário tenha aderência ou relação lógica e direta com o plexo de funções elementares ao cargo.

         Por derradeiro, nem se alegue que a supressão da “gratificação por nível universitário” ora impugnada violaria o princípio da irredutibilidade dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no artigo 115, XVII, da Constituição Estadual, pois esta irredutibilidade pressupõe a legalidade, moralidade e razoabilidade da gratificação, não podendo, portanto, ser invocada para amparar pagamentos flagrantemente contrários aos princípios constitucionais da Administração Pública.

         Posto isso, mostra-se inconstitucional o art. 6º, “caput” e §§ 1º a 4º, da Lei n. 2.037, de 15 de abril de 1992, do Município de Cubatão.

              III.            DO PEDIDO

         Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 6º, “caput” e §§ 1º a 4º da Lei nº 2.037, de 15 de abril de 1992, do Município de Cubatão.

         Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Cubatão, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 09 de maio de 2016.

 

         Gianpaolo Poggio Smanio

         Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj/mjap

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 170.229/15

 

 

 

 

 

1.      Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 6º, “caput” e §§ 1º a 4º, da Lei nº 2.037, de 15 de abril de 1992, do Município de Cubatão, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se à douta Promotoria de Justiça de Cubatão, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 09 de maio de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

aaamj