Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 117.286/2015

 

 

 

Constitucional. Urbanístico. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, de Ibitinga, que cria o programa de regularização fundiária no Município. Processo legislativo. Ausência de participação comunitária e planejamento técnico. alteração tópica. normas urbanísticas alheadas ao plano diretor. arts. 180, I, II e V, 181 e 191, da CE.  1. Inconstitucional lei municipal urbanística que não assegura a participação comunitária em seu processo legislativo, tampouco é precedida de planejamento técnico em sua produção. 2. Ademais, a adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas. 3. Inconstitucionalidade por violação aos arts. 180, “caput” e incisos I, II e V, 181, “caput” e § 1º, e 191, da Constituição Estadual.

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e 129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso Protocolado, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, em face da Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município de Ibitinga, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

1 - O ato normativo impugnado

         A Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município de Ibitinga, que “Cria o programa de regularização fundiária no município e dá outras providências”, possui o seguinte teor:

LEI COMPLEMENTAR N° 93, DE 15 DE ABRIL DE 2015

(...)

Art. 1°. Fica criado o ‘Programa de Regularização Fundiária’ no Município de Ibitinga, que tem como objetivo estabelecer as diretrizes e os critérios para viabilizar o regular parcelamento do solo urbano ocupado em áreas de interesse social ou específico, atribuindo título de direitos reais aos seus ocupantes, visando à eficácia do princípio constitucional das funções sociais da propriedade associadas ao equilíbrio ambiental e ao projeto urbanístico municipal.

Art. 2°. Na conformidade da Lei Federal nº 11.977/09 e para os efeitos de regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:

I - área urbana: parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica, inclusive as Áreas de Especial Interesse - AEI;

II - são Áreas de Especial Interesse – AEI aquelas definidas no parágrafo 5°, artigo 12 da Lei Complementar n° 002, de 21 de agosto de 2009, assim descritas: São zonas que apresentam glebas com atividades inadequadas ao meio rural e em que são exigidas medidas de preservação ambiental por serem lindeiras com a Represa Ibitinga, o Rio Tietê e o Rio Jacaré Guaçu. São zonas que exigem um gerenciamento especial devido a sua fragilidade ambiental e sua criticidade para receber assentamentos humanos por serem lindeiras com - a Represa Ibitinga, o Rio Tietê e o Rio Jacaré Guaçu. Devem ser observadas as restrições ambientais.

III - demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses;

IV - legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse;

V - Zona de Interesse Social - ZIS: parcela de área urbana instituída pelo Plano Diretor e definida pela Lei Complementar n° 002/2009, destinada predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo;

VI – assentamentos irregulares: ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em áreas urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia;

VII – regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos:

a) em que tenham sido preenchidos os requisitos para usucapião ou concessão de uso especial para fins de moradia;

b) de imóveis situados em ZIS; ou

c) de áreas da União, do Estado e do Município declaradas de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social;

VIII - regularização fundiária de interesse específico: regularização fundiária quando não caracterizado o interesse social nos termos do inciso VII.

Art. 3° - São diretrizes da política de regularização fundiária sustentável:

I - priorizar a permanência da população no local assentado, viabilizando a melhoria das condições;

II - observar as diretrizes do Plano Diretor e da lei de diretrizes gerais de ocupação do território;

III - promover a titulação das áreas ocupadas por pessoas de baixa renda, sem remoção dos moradores, salvo quando as condições físicas das áreas imponham risco à vida dos seus habitantes;

IV - estimular parcerias entre os setores público e privado para o desenvolvimento socioeconômico e a geração de emprego e renda;

V - articular os setores de habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo;

VI - garantir a fiscalização para evitar novas ocupações ilegais nas áreas a serem regularizadas;

§ 1° - Consideram-se áreas que impõem risco à vida ou à saúde dos moradores, para os efeitos do inciso III deste artigo, os aterros e os locais sujeitos a inundações.

§ 2° - As condições físicas das áreas citadas no inciso III deste artigo deverão ser constatadas por laudo técnico emitido por engenheiros da Prefeitura ou contratados.

Art. 4° - Poderá ser objeto de regularização fundiária, nos termos desta Lei, inclusive parte de terreno contido em área ou imóvel maior.

Parágrafo Único. Para a aprovação de empreendimento de parcelamento do solo futuro na área remanescente, aplicam-se os requisitos urbanísticos e ambientais fixados na Lei que dispõe sobre o zoneamento, o uso e ocupação do solo urbano.

Art. 5°. Caberá ao Poder Executivo Municipal analisar e aprovar o projeto de regularização fundiária, o qual deverá definir, ao menos, as áreas ou lotes enquadrados, as vias de circulação, as medidas para promoção de sustentabilidade urbanística, social e ambiental, segurança da população em situação de risco e adequação da infraestrutura urbana.

§ 1°. Dentro de suas competências, o Poder Público realizará levantamento da situação da área ou lote para fins de regularização fundiária de interesse social, podendo lavrar auto de demarcação urbanística, que será instruído com planta e memorial descritivo, planta de sobreposição do imóvel demarcado e certidão do Registro de Imóvel.

§ 2°. Para fins de regularização fundiária de interesse específico, são imprescindíveis a análise e a aprovação do projeto de que trata o caput deste artigo pela autoridade licenciadora a ser indicada pelo Poder Executivo, bem como a emissão das respectivas licenças urbanística e ambiental.

§ 3°. O Auto de Demarcação Urbanística será realizado com base no levantamento da situação da área a ser regularizada e na caracterização da ocupação, de acordo com o que estabelece a Lei Federal n° 11.977, de 2009.

Art. 6°. Terão direito à legitimação da posse de interesse social, os moradores cadastrados pelo Poder Público, salvo quando já forem concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural, ou já tiverem sido contemplados com este direito anteriormente.

§ 1°. Com a legitimação da posse devidamente registrada, garante-se o exercício pleno do direito de posse direta sobre imóveis, respeitada a legislação vigente.

§ 2°. Após o prazo de cinco anos, contado a partir do registro, o legitimado poderá requerer a conversão do título de legitimação da posse em registro de propriedade, por usucapião, observados os requisitos da Lei Federal 11.977/09.

Art. 7°. Na regularização fundiária de interesse social cabe ao Poder Público, quando empreendedor, ou a seus concessionários ou permissionários a implantação:

I - do sistema viário, com pavimentação e trafegabilidade adequadas, integrando-a à malha viária local existente ou projetada;

II - da infra-estrutura básica, contemplando ao menos:

a)     drenagem de águas pluviais urbanas;

b)      esgotamento sanitário;

c)      abastecimento de água potável;

d)     distribuição de energia elétrica;

e)      limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos;

III - dos equipamentos comunitários e áreas verdes, se definidos no plano.

Parágrafo Único. Os encargos previstos neste artigo podem ser compartilhados com os beneficiários, a critério do Poder Executivo Municipal desde que respeitados os investimentos em infraestrutura e equipamentos comunitários já realizados pelos moradores e o poder aquisitivo da população a ser beneficiada.

Art. 8°. Observadas às normas previstas nesta Lei, naquela que dispõe sobre o zoneamento, o uso e ocupação do solo urbano e demais normas municipais pertinentes, o projeto de regularização fundiária de interesse social pode definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, inclusive no tocante às faixas de Área de Preservação Permanente (APP) que deverão ser respeitadas.

Art. 9°. Sendo o responsável pela irregularidade identificável, o Poder Executivo Municipal deve exigir dele a implantação das obras previstas no projeto de regularização fundiária.

Art. 10. O Poder Executivo deverá exigir contrapartida e compensações urbanísticas e ambientais que integrarão termo de compromisso, firmado perante as autoridades licenciadoras, ao qual se garantirá força de título executivo extrajudicial.

Art. 11. A regularização fundiária de interesse específico depende da análise e da aprovação do projeto pelo Grupo de Análise de Empreendimento e pelas Secretarias de Habitação e Urbanismo, e Secretaria de Obras Públicas.

Art. 12. Sendo o responsável pela irregularidade identificável, o Poder Executivo Municipal deve exigir dele a implantação das obras previstas no projeto de regularização fundiária.

Art. 13 - A autoridade licenciadora deverá exigir contrapartida e compensações urbanísticas e ambientais que integrarão termo de compromisso, firmado perante as autoridades licenciadoras, ao qual se garantirá força de título executivo extrajudicial.

Art. 14. O projeto de regularização fundiária para fins de interesse específico deverá observar as restrições à ocupação de Áreas de Preservação Permanentes, bem como, das áreas públicas previstas na legislação municipal.

Art. 15. O projeto regularização fundiária deve atender aos seguintes requisitos urbanísticos:

I - estabilidade dos lotes, das vias de circulação, das áreas dos sistemas de lazer e verdes, áreas institucionais e dos terrenos limítrofes;

II - drenagem das águas pluviais;

III - trafegabilidade das vias, com definição da pavimentação adequada e garantia de acesso dos prestadores de serviços públicos de infraestrutura urbana básica e emergencial;

IV - integração do sistema viário com a malha local existente ou projetada, harmonização com a topografia local e garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água e demais áreas de uso comum do povo;

V - implantação de sistema de abastecimento de água potável em conformidade com as diretrizes vigentes;

VI - implantação de sistema de esgotamento sanitário, disposição e tratamento dos resíduos em conformidade com as diretrizes vigentes;

VII - recuperação ambiental de áreas degradadas ou compensação conforme previsão legal;

VIII - implantação de rede de energia elétrica domiciliar e iluminação pública;

IX - recuo mínimo dos cursos d'água canalizados ou não, de modo a garantir acesso para manutenção e limpeza, em obediência à legislação ambiental;

X - acesso aos lotes por via de circulação de pedestres ou de veículos;

XI - largura mínima das vias sanitárias para drenagem e proteção das tubulações no subsolo, para instalação de rede de água e esgoto e sua manutenção; e

XII - utilização preferencial de recursos urbanísticos que garantam a maior permeabilidade do solo urbano e permitam o plantio de árvores.

§ 1° - Os terrenos livres localizados nos parcelamentos a serem regularizados devem ser destinados, preferencialmente, para áreas de uso comunitário ou áreas verdes e/ou institucionais de uso público.

§ 2°. Na regularização de sua iniciativa, o Poder Executivo Municipal poderá estabelecer, a seu critério, os espaços de uso público, verdes e/ou institucionais, dentro da área do parcelamento ou, alternativamente, no seu entorno, de acordo com a conclusão da análise dominial da área.

§ 3°. Na hipótese do § 2°, caso não haja espaços disponíveis dentro da área regularizada, o Poder Executivo Municipal poderá promover a desapropriação de imóveis para fins de regularização fundiária ou, alternativamente, poderá gravar outros que já tenham sido desapropriados para implantação de equipamentos públicos, mesmo que estes estejam fora do perímetro do parcelamento a ser regularizado.

§ 4°. Na regularização de interesse específico, o Poder Executivo Municipal definirá com o interessado os espaços de uso público, verdes e/ou institucionais, dentro da área do parcelamento ou, alternativamente, através de aceite de área no entorno para fins de compensação.

§ 5°. Comprovada a impossibilidade de destinação de espaços públicos no percentual previsto na área regularizada, a área faltante poderá ser adquirida pelo parcelador em outro local, para posterior compensação, por meio de doação ao Município, observados os seguintes critérios:

a) o imóvel a ser doado deve estar situado dentro dos limites do Município; e

b) a dimensão, o valor e as características da área faltante e do imóvel a ser adquirido devem ser equivalentes;

§ 6°. A doação referida no parágrafo anterior deve ser submetida à análise do Grupo de Análise de Empreendimento — GAE.

§ 7°. A regularização fundiária pode ser implementada em etapas, hipótese na qual o projeto de que trata este artigo deve definir a parcela do assentamento informal a ser regularizada em cada etapa respectiva.

Art. 16. Além do Poder Executivo Municipal, podem elaborar projeto de regularização fundiária:

I - o responsável pela implantação da ocupação irregular;

II - o setor privado, no âmbito das estratégias definidas pela legislação urbanística municipal; e

III - as cooperativas habitacionais, associações de moradores ou outras associações civis.

Art. 17. A regularização fundiária depende da análise dominial da área a ser regularizada, comprovada por certidão emitida pelo Registro de Imóveis e de projeto elaborado pelo titular da iniciativa.

§ 1°. Identificado o titular dominial da área irregularmente ocupada, o Poder Executivo Municipal deverá notificá-lo para que proceda a sua regularização.

§ 2°. Na omissão do titular do domínio da área e/ou do titular da iniciativa, o projeto de regularização e as obras poderão ser executados, supletivamente, pelo Poder Executivo Municipal, com posterior ressarcimento dos gastos via cobrança judicial do parcelador.

§ 3°. Esgotadas as diligências para a identificação e localização do parcelador e/ou do titular do domínio da área, o Poder Executivo Municipal poderá intervir no parcelamento do solo para adequá-lo.

Art. 18. O projeto de regularização fundiária deve conter ao menos:

I - diagnóstico do parcelamento que contemple, em especial, os seguintes aspectos: localização e área da ocupação, histórico da ocupação da gleba, o uso e a ocupação do solo nos terrenos existentes, acessibilidade por via oficial de circulação, situação física e social, caracterização da infraestrutura urbana e comunitária e caracterização ambiental.

II - proposta técnica e urbanística para o parcelamento, que defina, ao menos:

a) as áreas passíveis de consolidação e as parcelas a serem regularizadas ou, quando houver necessidade, remanejadas;

b) as vias de circulação existentes ou projetadas e sua integração com o sistema viário adjacente, bem como as áreas destinadas ao uso público, quando possível;

c) a solução para relocação da população, caso necessária;

d) as medidas para garantir a sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as formas de compensação, quando for o caso;

e) a necessidade de adequação da infraestrutura básica, caso necessária;

f) a enumeração das obras e serviços previstos, quando necessário;

III - plantas com a indicação:

a) da localização da área a ser regularizada, suas medidas, área total, coordenadas, preferencialmente georreferenciadas, dos vértices definidores de seus limites e confrontantes;

b) das áreas passíveis de consolidação e as parcelas a serem regularizadas ou, quando houver necessidade, remanejadas;

c) das vias de circulação existentes ou projetadas e sua integração com o sistema viário adjacente, bem como as áreas destinadas ao uso público, com indicação de sua área, medidas e confrontantes; e

IV - memorial descritivo com a indicação dos elementos considerados relevantes para a implantação do projeto, conforme descrito no inciso anterior.

§ 1°. O projeto de regularização de parcelamento deve ser assinado por profissional habilitado, e pelo titular da iniciativa de regularização.

§ 2°. Nas hipóteses de regularização fundiária de Interesse Social, o Poder Executivo Municipal poderá elaborar, sem custos aos beneficiários, os documentos referidos neste artigo, segundo critérios estabelecidos pela Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo e Secretaria Municipal de Obras Públicas.

§ 3°. Para que a gleba a ser regularizada seja incluída nos benefícios do § 2°, deverá ser precedida de Diagnóstico Social elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Social do Município.

Art. 19 – Os procedimentos de análise e aprovação do projeto de regularização fundiária serão regulamentados mediante decreto.

Art. 20 – A regularização de ocupações irregulares não implica no reconhecimento e responsabilização do Poder Público Municipal das obrigações assumidas pelo parcelados junto aos adquirentes das unidades imobiliárias.

Art. 21 – As despesas com a execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 22 – Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, especialmente a Lei Complementar 007, de 21 de agosto de 2009.

(...)” (sic)

         O ato normativo impugnado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2 – O Parâmetro da Fiscalização abstrata de constitucionalidade

         O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal e do art. 144 da Constituição Paulista, verbis:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta com os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§ 1º Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

3 – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

         De proêmio, cumpre salientar que a transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.

         Assim, a validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção.

         Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem-estar do povo. Cumprem essa premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática, e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.

         Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.

         Daí porque os dispositivos constitucionais parâmetros do controle de constitucionalidade da lei complementar municipal em foco nesta sede asseguram a participação da população em todas as matérias atinentes ao desenvolvimento urbano e ao meio ambiente, inclusive nos anteprojetos e projetos de lei, e são reiteradamente prestigiados pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo. Processo legislativo submetido à participação popular. Votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes. Vício insanável. Inconstitucionalidade declarada.

‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010 – g. n.) (sic).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).

         Imprescindível, portanto, que a população participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de vida e os usos urbanísticos.

         Em outras palavras, para que o Município possa exercer sua autonomia legislativa nesse assunto, é preciso possibilitar e efetivamente garantir o controle social, isto é, “a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes” (art. 180, II, CE/89 - Silva, José Afonso da, “Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, 3ª ed., 2000, p. 48). A participação popular no desenvolvimento urbano é um instrumento legitimador das normas produzidas na ordem democrática, que, além de possibilitar a discussão especializada e multifocal do assunto, garante-lhe a própria constitucionalidade, como robustece o art. 29, XII, da Constituição Federal de 88:

“Por conseguinte, será forçoso reconhecer que, diante das normas disciplinadoras do Estatuto, não há mais espaço para falar em processo impositivo (ou vertical) de urbanização, de caráter unilateral e autoritário e, em consequência, sem qualquer respeito às manifestações populares coletivas. Em outras palavras, abandona-se o velho hábito de disciplinar a cidade por regulamentos exclusivos e unilaterais do Poder Público. Hoje as autoridade governamentais, sobretudo as do Município, sujeitam-se ao dever jurídico de convocar as populações e, por isso, não mais lhe fica assegurada apenas a faculdade jurídica de implementar a participação popular no extenso e contínuo processo de planejamento urbanístico” (José dos Santos Carvalho Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro: 2011, p. 298, g.n.).

         Conforme cópia do processo legislativo acostado aos autos (fls. 107/125 e fls. 132/136), verifica-se que a lei impugnada contou com a realização de uma única Audiência Pública em seu trâmite (fl. 134), realizada aos trinta dias do mês de março de 2015. Nesta oportunidade, além de estarem presentes apenas oito pessoas, não houve qualquer manifestação em relação às questões apresentadas.

         Cumpre destacar, ainda, a indevida publicidade que foi dada à Audiência Pública, materializada apenas por meio de publicação no periódico “Seminário Estância de Ibitinga”, com o seguinte teor:

CONVOCAÇÂO PARA AUDIÊNCIA PÚBLICA

O Prefeito Municipal da Estância Turística de Ibitinga, Dr. Florisvaldo Antônio Fiorentino informa e convida os interessados para ‘Audiência Pública’ de apresentação de assuntos a respeito de projetos de alteração da Lei Complementar 002/2009 e projeto de Lei Complementar 007/2015, a ser realizada no dia 30 de março de 2015, às 14h00min horas, no ‘Auditório Cidade Ternura’ na Rua José Custódio, 360- Centro. Participe.”

         Ressalta-se que, do ato convocatório, publicado tão somente no jornal local, não houve destaque aos temas a serem tratados, transcrevendo-se apenas os números dos projetos de lei que motivaram sua realização.

         No mais, constou dos autos a ata de reunião de trabalho do Grupo de Análise de Empreendimentos (fls. 135/136), convocada a pedido do Prefeito Municipal de Ibitinga, para que fosse analisada e debatida a viabilidade de se proceder à regularização fundiária pretendida. No entanto, da mesma forma, sem que se tenha dado a devida publicidade à reunião, participaram tão somente sete pessoas.   

         Notadamente, a imprescindível participação comunitária na discussão e deliberação quanto à pretendida regularização fundiária não se verificou, no caso. Tanto na Audiência Pública, quanto na Reunião do Grupo de Análise de Empreendimentos, o número irrisório de participantes, somado à ausência de debates acerca das propostas legislativas apresentadas, evidenciam, em verdade, a inexistência de efetiva participação da população interessada, imprescindível para a conformidade do projeto com a Constituição Estadual.

         O cumprimento meramente formal, com audiência pública a qual não foi dada a devida publicidade e a irrisória presença de munícipes, não pode significar obediência aos ditames constitucionais, se não atingiu os fins colimados pela Carta Bandeirante.

         E, para ressaltar a sua importância, a participação popular deve ocorrer também no que diz respeito a emendas parlamentares, porque a democracia participativa assegurada no inciso II do art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual, assim como no inciso XII do art. 29 da Constituição Federal, alcança a elaboração do parcelamento do solo antes e durante seu processo legislativo até o estágio final de produção da lei.

Assim, se constata violação ao inciso II do art. 180 e ao art. 191 da Constituição Bandeirante, visto que é imprescindível a participação da comunidade para discutir acerca da criação de programa de regularização fundiária no território do Município, pois evidente a significativa alteração do ordenamento urbanístico.

  Por fim, sobre a intervenção popular, já decidiu esse E. Tribunal:

“(...)

A participação popular na criação de leis versando política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Ela deve ser assegurada não apenas de forma indireta e genérica no ordenamento normativo do Município, mas especialmente na elaboração de cada lei que venha a causar sério impacto na vida da comunidade.

(...)” (ADIN n. 0052634-90.2011.8.26.0000 – rel. Elliot Akel – j. 27.02.13)

         Conclui-se, pois, que o processo legislativo do referido diploma legal, responsável por criar programa de regularização fundiária no Município de Ibitinga, não contou com efetiva participação popular, ofendendo diretamente os arts. 180, II e 191 da Constituição Estadual.

4. DA Violação Ao princípio do planejamento

O ato normativo impugnado desrespeitou, também, a necessidade de planejamento técnico, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso do solo.

Nos termos dos arts. 180, II e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada ao uso do solo.

Todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo, seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, regularização de construção, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.), deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, daí a exigência de planejamento e estudos técnicos.

O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê, ainda, a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados, pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem-estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (art. 48, IV, 182, da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

O planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema, Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28, apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais, como o do zoneamento e de outras restrições urbanísticas que, como manifestação concreta do planejamento urbanístico, tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que alterações das normas que regulam o uso e ocupação do solo dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que trata da regularização fundiária municipal, para viabilizar o adequado parcelamento do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampadas nas leis de uso e ocupação a ele referentes. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor do Município de Ibitinga.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade.” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

No caso em tela, pela análise do processo legislativo, verifica-se que a lei complementar objeto da impugnação não está fundada por planejamento urbanístico que busca o crescimento ordenado da cidade e a melhoria das condições de vida dos cidadãos. Desta feita, compromete o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

No caso, houve criação de programa de regularização fundiária no Município de Ibitinga, com o estabelecimento de critérios voltados ao parcelamento do solo urbano ocupado em áreas de interesse social ou específico, inclusive possibilitando a definição de parâmetros urbanísticos e ambientais específicos (arts. 1º e 8º da Lei Complementar nº 95/2015) sem planejamento.

Tal fato prescinde e/ou posterga a realização de Estudo de Impacto de Vizinhança/EIV e do Estudo de Impacto Ambiental, acompanhado do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente/EIA-RIMA, pelos órgãos e técnicos competentes, que poderiam nortear de forma segura a alteração legislativa, no escopo de garantir a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da cidade.

Deste modo, patente a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado que dispõe sobre o uso e ocupação do solo, sem qualquer estudo prévio consistente, por ferir frontalmente o disposto nos artigos 180, caput e inciso II, e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e § 1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

Além da participação popular, tem-se que para a escorreita gestão da administração territorial urbana, necessário se faz a realização de estudos técnicos feitos por órgãos especializados, sob pena de se esfacelar todo o arcabouço que disciplina a matéria e, por sua vez, destruir o chamado Princípio da Coesão Dinâmica das normas, mencionado pelo Prof. José Afonso da Silva, que serve de alicerce para as normas de caráter urbanístico.

5 – DA PROIBIÇÃO DE CRIAÇÃO DE NORMAS URBANÍSTICAS ALHEADAS AO PLANO DIRETOR

A lei complementar objurgada também é inconstitucional por ofensa aos arts. 180, V, e 181, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo.

Das normas municipais de desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas, que instituam conformidade com diretrizes do plano diretor, que deve caráter integral (art. 181 e § 1º Constituição Paulista).

A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:

“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).

A alteração pontual promovida pela lei complementar em análise teve como objetivo viabilizar o parcelamento do solo urbano ocupado em áreas de interesse social ou específico, cuja envergadura torna indubitável a necessidade de planejamento prévio adequado, compatível ao plano diretor, além da imprescindível participação popular.

Nesta esteira, a alteração legislativa é inconstitucional por contrariar a ideia de microssistema que norteia a organização do solo urbano.      

7 – PEDIDOS

A. DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Por outro lado, de forma paradoxal, a não concessão da liminar neste momento processual poderá servir de fundamento, no futuro, para se pleitear e justificar, de forma indevida, a modulação de efeitos, com base na narrativa de situação consolidada, que poderia ter sido evitada.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que eventualmente já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município de Ibitinga.

B. DO PEDIDO PRINCIPAL

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município de Ibitinga.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Ibitinga, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

         Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 23 de maio de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

mtjts/mjap

                                                                                                                            

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 117.286/2015

Objeto: representação para controle de constitucionalidade de leis do Município de Ibitinga

 

        

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município de Ibitinga, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 23 de maio de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

mtjts/mjap