Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 117.286/2015
Constitucional.
Urbanístico. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 93, de
15 de abril de 2015, de Ibitinga, que cria o programa de regularização
fundiária no Município. Processo legislativo. Ausência de participação
comunitária e planejamento técnico. alteração tópica. normas urbanísticas
alheadas ao plano diretor. arts. 180, I, II e V, 181 e 191, da CE. 1. Inconstitucional lei municipal urbanística que não assegura a
participação comunitária em seu processo legislativo, tampouco é precedida de
planejamento técnico em sua produção. 2.
Ademais, a adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura
indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais,
desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade
com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas
urbanísticas. 3. Inconstitucionalidade
por violação aos arts. 180, “caput” e incisos I, II e V, 181, “caput” e § 1º, e
191, da Constituição Estadual.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições
(artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93; artigos 125, §2º, e
129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso
Protocolado, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, em face da Lei Complementar nº 93, de 15
de abril de 2015, do Município de Ibitinga, pelos fundamentos a seguir
expostos.
1 - O ato normativo impugnado
A Lei
Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município de Ibitinga, que “Cria o programa de regularização fundiária
no município e dá outras providências”, possui o seguinte teor:
“LEI COMPLEMENTAR
N° 93, DE 15 DE ABRIL DE 2015
(...)
Art. 1°. Fica criado o ‘Programa de
Regularização Fundiária’ no Município de Ibitinga, que tem como objetivo
estabelecer as diretrizes e os critérios para viabilizar o regular parcelamento
do solo urbano ocupado em áreas de interesse social ou específico, atribuindo
título de direitos reais aos seus ocupantes, visando à eficácia do princípio
constitucional das funções sociais da propriedade associadas ao equilíbrio ambiental e ao projeto urbanístico municipal.
Art. 2°. Na conformidade da Lei Federal nº
11.977/09 e para os efeitos de regularização fundiária de assentamentos
urbanos, consideram-se:
I - área urbana: parcela do território,
contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei
municipal específica, inclusive as Áreas de Especial Interesse - AEI;
II - são Áreas de Especial Interesse – AEI
aquelas definidas no parágrafo 5°, artigo 12 da Lei Complementar n° 002, de 21
de agosto de 2009, assim descritas: São zonas que apresentam glebas com
atividades inadequadas ao meio rural e em que são exigidas medidas de
preservação ambiental por serem lindeiras com a Represa Ibitinga, o Rio Tietê e
o Rio Jacaré Guaçu. São zonas que exigem um gerenciamento especial devido a sua
fragilidade ambiental e sua criticidade para receber assentamentos humanos por
serem lindeiras com - a Represa Ibitinga, o Rio Tietê e o Rio Jacaré Guaçu.
Devem ser observadas as restrições ambientais.
III - demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo
qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social,
demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área,
localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e
qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses;
IV - legitimação de posse: ato do poder
público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto
de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e
natureza da posse;
V - Zona de Interesse Social - ZIS:
parcela de área urbana instituída pelo Plano Diretor e definida pela Lei Complementar n° 002/2009, destinada predominantemente à
moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de
parcelamento, uso e ocupação do solo;
VI – assentamentos irregulares: ocupações
inseridas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em áreas
urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia;
VII – regularização fundiária de interesse
social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados,
predominantemente, por população de baixa renda, nos casos:
a) em que tenham sido preenchidos os requisitos para usucapião ou concessão
de uso especial para fins de moradia;
b) de imóveis situados em ZIS; ou
c) de áreas da União, do Estado e do Município declaradas de interesse para
implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social;
VIII - regularização fundiária de interesse específico:
regularização fundiária quando não caracterizado o interesse social nos termos
do inciso VII.
Art. 3° - São diretrizes da política de regularização fundiária sustentável:
I - priorizar a permanência da população no local assentado, viabilizando a
melhoria das condições;
II - observar as diretrizes do Plano Diretor e da lei de
diretrizes gerais de ocupação do território;
III - promover a titulação das áreas ocupadas por pessoas de
baixa renda, sem remoção dos moradores, salvo quando as condições físicas das
áreas imponham risco à vida dos seus habitantes;
IV - estimular parcerias entre os setores público e privado para o
desenvolvimento socioeconômico e a geração de emprego e renda;
V - articular os setores de habitação,
saneamento ambiental e mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo;
VI - garantir
a fiscalização para evitar novas ocupações ilegais nas áreas a serem
regularizadas;
§ 1° - Consideram-se áreas que impõem risco à vida ou à saúde dos
moradores, para os efeitos do inciso III deste artigo, os aterros e os locais
sujeitos a inundações.
§ 2° - As condições físicas das áreas
citadas no inciso III deste artigo deverão ser constatadas por laudo técnico emitido por engenheiros da
Prefeitura ou contratados.
Art. 4° - Poderá ser objeto de regularização
fundiária, nos termos desta Lei, inclusive parte de terreno contido em área ou
imóvel maior.
Parágrafo
Único. Para a
aprovação de empreendimento de parcelamento do solo futuro na área
remanescente, aplicam-se os requisitos urbanísticos e ambientais fixados na Lei
que dispõe sobre o zoneamento, o uso e ocupação do solo urbano.
Art. 5°. Caberá ao Poder Executivo Municipal
analisar e aprovar o projeto de regularização fundiária, o qual deverá definir,
ao menos, as áreas ou lotes enquadrados, as vias de circulação, as medidas para
promoção de sustentabilidade urbanística, social e ambiental, segurança da
população em situação de risco e adequação da infraestrutura urbana.
§ 1°. Dentro de suas competências, o Poder
Público realizará levantamento da situação da área ou lote para fins de
regularização fundiária de interesse social, podendo lavrar auto de demarcação
urbanística, que será instruído com planta e memorial descritivo, planta de
sobreposição do imóvel demarcado e certidão do Registro de Imóvel.
§ 2°. Para fins de regularização fundiária
de interesse específico, são imprescindíveis a análise e a aprovação do projeto
de que trata o caput deste artigo pela autoridade licenciadora a ser indicada
pelo Poder Executivo, bem como a emissão das respectivas licenças urbanística e
ambiental.
§ 3°. O Auto de Demarcação Urbanística será
realizado com base no levantamento da situação da área a ser regularizada e na
caracterização da ocupação, de acordo com o que estabelece a Lei Federal n° 11.977, de 2009.
Art. 6°. Terão direito à legitimação da posse
de interesse social, os moradores cadastrados pelo Poder Público, salvo quando
já forem concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou
rural, ou já tiverem sido contemplados com este direito anteriormente.
§ 1°. Com a legitimação da posse
devidamente registrada, garante-se o exercício pleno do direito de posse direta
sobre imóveis, respeitada a legislação vigente.
§ 2°. Após o prazo de cinco anos, contado a
partir do registro, o legitimado poderá requerer a conversão do título de
legitimação da posse em registro de propriedade, por usucapião, observados os
requisitos da Lei Federal 11.977/09.
Art. 7°. Na regularização fundiária de
interesse social cabe ao Poder Público, quando empreendedor, ou a seus
concessionários ou permissionários a implantação:
I - do sistema viário, com pavimentação e trafegabilidade
adequadas, integrando-a à malha viária local existente ou projetada;
II - da infra-estrutura básica,
contemplando ao menos:
a) drenagem de
águas pluviais urbanas;
b) esgotamento sanitário;
c) abastecimento
de água potável;
d) distribuição
de energia elétrica;
e) limpeza
urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos;
III - dos
equipamentos comunitários e áreas verdes, se definidos no plano.
Parágrafo
Único. Os encargos previstos neste artigo podem ser compartilhados com os
beneficiários, a critério do Poder Executivo Municipal desde que respeitados os
investimentos em infraestrutura e equipamentos comunitários já realizados pelos
moradores e o poder aquisitivo da população a ser beneficiada.
Art. 8°. Observadas
às normas previstas nesta Lei, naquela que dispõe sobre o zoneamento, o uso e
ocupação do solo urbano e demais normas municipais pertinentes, o projeto de
regularização fundiária de interesse social pode definir parâmetros
urbanísticos e ambientais específicos, inclusive no tocante às faixas de Área
de Preservação Permanente (APP) que deverão ser respeitadas.
Art. 9°. Sendo o
responsável pela irregularidade identificável, o Poder Executivo Municipal deve
exigir dele a implantação das obras previstas no projeto de regularização
fundiária.
Art. 10. O Poder
Executivo deverá exigir contrapartida e compensações urbanísticas e
ambientais que integrarão termo de compromisso, firmado perante as autoridades
licenciadoras, ao qual se garantirá força de título executivo extrajudicial.
Art. 11. A
regularização fundiária de interesse específico depende da análise e da
aprovação do projeto pelo Grupo de Análise de Empreendimento e pelas
Secretarias de Habitação e Urbanismo, e Secretaria de Obras Públicas.
Art. 12. Sendo o
responsável pela irregularidade identificável, o Poder Executivo
Municipal deve exigir dele a implantação das obras previstas no projeto de
regularização fundiária.
Art. 13 - A
autoridade licenciadora deverá exigir contrapartida e compensações urbanísticas
e ambientais que integrarão termo de compromisso, firmado perante as
autoridades licenciadoras, ao qual se garantirá força de título executivo
extrajudicial.
Art. 14. O projeto de regularização fundiária
para fins de interesse específico deverá observar as restrições à ocupação de
Áreas de Preservação Permanentes, bem como, das áreas públicas previstas na
legislação municipal.
Art. 15. O projeto regularização fundiária deve
atender aos seguintes requisitos urbanísticos:
I - estabilidade dos lotes, das vias de
circulação, das áreas dos sistemas de lazer e verdes, áreas institucionais e
dos terrenos limítrofes;
II - drenagem das águas pluviais;
III - trafegabilidade das vias, com definição da pavimentação
adequada e garantia de acesso dos prestadores de serviços públicos de
infraestrutura urbana básica e emergencial;
IV - integração do sistema viário com a
malha local existente ou projetada, harmonização com a topografia local e
garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água e demais áreas de uso
comum do povo;
V - implantação de sistema de abastecimento de água potável em conformidade
com as diretrizes vigentes;
VI - implantação de sistema de esgotamento
sanitário, disposição e tratamento dos resíduos em conformidade com as
diretrizes vigentes;
VII - recuperação ambiental de áreas
degradadas ou compensação conforme previsão legal;
VIII - implantação de rede de energia
elétrica domiciliar e iluminação pública;
IX - recuo mínimo dos cursos d'água
canalizados ou não, de modo a garantir acesso para manutenção e limpeza, em
obediência à legislação ambiental;
X - acesso aos lotes por via de
circulação de pedestres ou de veículos;
XI - largura mínima das vias sanitárias
para drenagem e proteção das tubulações no subsolo, para instalação de rede de
água e esgoto e sua manutenção; e
XII - utilização preferencial de recursos
urbanísticos que garantam a maior permeabilidade do solo urbano e permitam o
plantio de árvores.
§ 1° - Os terrenos livres localizados nos parcelamentos a serem
regularizados devem ser destinados, preferencialmente, para áreas de uso
comunitário ou áreas verdes e/ou institucionais de uso público.
§ 2°. Na regularização de sua iniciativa, o
Poder Executivo Municipal poderá estabelecer, a seu critério, os espaços de uso
público, verdes e/ou institucionais, dentro da área do parcelamento ou,
alternativamente, no seu entorno, de acordo com a conclusão da análise dominial
da área.
§ 3°. Na hipótese
do § 2°, caso não haja
espaços disponíveis dentro da área regularizada, o Poder Executivo Municipal
poderá promover a desapropriação de imóveis para fins de regularização fundiária ou, alternativamente,
poderá gravar outros que já tenham sido desapropriados para implantação de
equipamentos públicos, mesmo que estes estejam fora do perímetro do
parcelamento a ser regularizado.
§ 4°. Na regularização de interesse
específico, o Poder Executivo Municipal definirá com o interessado os espaços
de uso público, verdes e/ou institucionais, dentro da área do parcelamento ou,
alternativamente, através de aceite de área no entorno para fins de
compensação.
§ 5°. Comprovada a impossibilidade de destinação de espaços
públicos no percentual previsto na área regularizada, a área faltante poderá
ser adquirida pelo parcelador em outro local, para posterior compensação, por
meio de doação ao Município, observados os seguintes critérios:
a) o imóvel a ser doado deve estar situado dentro dos limites do Município;
e
b) a dimensão, o valor e as características da área faltante e do imóvel a
ser adquirido devem ser equivalentes;
§ 6°. A doação referida no parágrafo
anterior deve ser submetida à análise do Grupo de Análise de Empreendimento —
GAE.
§ 7°. A regularização fundiária pode ser
implementada em etapas, hipótese na qual o projeto de que trata este artigo
deve definir a parcela do assentamento informal a ser regularizada em cada etapa respectiva.
Art. 16. Além do Poder Executivo Municipal, podem
elaborar projeto de regularização fundiária:
I - o responsável pela implantação da ocupação irregular;
II - o setor privado, no âmbito das
estratégias definidas pela legislação urbanística municipal; e
III - as cooperativas habitacionais, associações de moradores ou
outras associações civis.
Art. 17. A regularização fundiária depende da
análise dominial da área a ser regularizada, comprovada por certidão emitida
pelo Registro de Imóveis e de projeto elaborado pelo titular da iniciativa.
§ 1°. Identificado o titular dominial da
área irregularmente ocupada, o Poder Executivo Municipal deverá notificá-lo
para que proceda a sua regularização.
§ 2°. Na omissão do titular do domínio da
área e/ou do titular da iniciativa, o projeto de regularização e as obras
poderão ser executados, supletivamente, pelo Poder Executivo Municipal, com
posterior ressarcimento dos gastos via cobrança judicial do parcelador.
§ 3°. Esgotadas as diligências para a
identificação e localização do parcelador e/ou do titular do domínio da área, o
Poder Executivo Municipal poderá intervir no parcelamento do solo para
adequá-lo.
Art.
18. O projeto de
regularização fundiária deve conter ao menos:
I - diagnóstico do parcelamento que
contemple, em especial, os seguintes aspectos: localização e área da ocupação,
histórico da ocupação da gleba, o uso e a ocupação do solo nos terrenos
existentes, acessibilidade por via oficial de circulação, situação física e
social, caracterização da infraestrutura urbana e comunitária e caracterização
ambiental.
II - proposta técnica e urbanística
para o parcelamento, que defina, ao menos:
a) as áreas passíveis de consolidação e
as parcelas a serem regularizadas ou, quando houver necessidade, remanejadas;
b) as vias de circulação existentes ou
projetadas e sua integração com o sistema viário adjacente, bem como as áreas
destinadas ao uso público, quando possível;
c) a solução para relocação da
população, caso necessária;
d) as medidas para garantir a
sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as
formas de compensação, quando for o caso;
e) a necessidade de adequação da
infraestrutura básica, caso necessária;
f) a enumeração das obras e serviços
previstos, quando necessário;
III - plantas com a indicação:
a) da localização da área a ser
regularizada, suas medidas, área total, coordenadas, preferencialmente
georreferenciadas, dos vértices definidores de seus limites e confrontantes;
b) das áreas passíveis de consolidação
e as parcelas a serem regularizadas ou, quando houver necessidade, remanejadas;
c) das vias de circulação existentes ou
projetadas e sua integração com o sistema viário adjacente, bem como as áreas
destinadas ao uso público, com indicação de sua área, medidas e confrontantes;
e
IV - memorial descritivo com a
indicação dos elementos considerados relevantes para a implantação do projeto,
conforme descrito no inciso anterior.
§
1°. O projeto de
regularização de parcelamento deve ser assinado por profissional habilitado, e
pelo titular da iniciativa de regularização.
§
2°. Nas hipóteses de
regularização fundiária de Interesse Social, o Poder Executivo Municipal poderá
elaborar, sem custos aos beneficiários, os documentos referidos neste artigo,
segundo critérios estabelecidos pela Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo
e Secretaria Municipal de Obras Públicas.
§
3°. Para que a gleba
a ser regularizada seja incluída nos benefícios do § 2°, deverá ser precedida
de Diagnóstico Social elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Social do
Município.
Art.
19 – Os procedimentos
de análise e aprovação do projeto de regularização fundiária serão
regulamentados mediante decreto.
Art.
20 – A regularização
de ocupações irregulares não implica no reconhecimento e responsabilização do
Poder Público Municipal das obrigações assumidas pelo parcelados junto aos
adquirentes das unidades imobiliárias.
Art. 21 – As despesas com a
execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias,
suplementadas se necessário.
Art. 22 – Esta Lei Complementar
entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário, especialmente a Lei Complementar 007, de 21 de agosto de 2009.
(...)” (sic)
O ato normativo
impugnado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de
São Paulo, como adiante será demonstrado.
2 – O Parâmetro da Fiscalização
abstrata de constitucionalidade
O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente
a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção
normativa municipal, por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts.
1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal e do art. 144 da Constituição
Paulista, verbis:
“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
A lei local impugnada contrasta com
os seguintes preceitos da Constituição Paulista:
“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II – a participação das respectivas entidades comunitárias no
estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que
lhes sejam concernentes;
(...)
V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.
§ 1º Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal.
(...)
Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”
3 – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
De proêmio,
cumpre salientar que a transformação da realidade urbana interfere amplamente
na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.
Assim, a
validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e
limitações que impõe à atividade e aos bens particulares e de seu objetivo de
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem-estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as
fases de sua produção.
Os planos e
normas urbanísticas devem levar em conta o bem-estar do povo. Cumprem essa
premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta
sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática, e não idealizada
autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe
possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.
Sendo
democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação
ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las
adequadamente.
Daí porque os
dispositivos constitucionais parâmetros do controle de constitucionalidade da
lei complementar municipal em foco nesta sede asseguram a participação da
população em todas as matérias atinentes ao desenvolvimento urbano e ao meio
ambiente, inclusive nos anteprojetos e projetos de lei, e são reiteradamente
prestigiados pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de
São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em
urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da
Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades
comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de
plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a
necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto -
Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada
procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César,
18-02-2009).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s.
11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações,
de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas
áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do
solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da
comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e
eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em
matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano
diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências -
Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da
separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis
dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa
- Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das
normas.” (ADI 163.559-0/0-00).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei complementar
disciplinando o uso e ocupação do solo. Processo legislativo submetido à
participação popular. Votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito
de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento
dos munícipes. Vício insanável. Inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia
aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar
pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a
manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir
assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular
na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida
como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento
democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com
idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no
momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as
conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como
proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v.,
05-05-2010 – g. n.) (sic).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de
Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária.
Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente
para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do
Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy
Coppola, v.u., 29-02-2012).
Imprescindível,
portanto, que a população participe da produção de normas que afetarão a
estética urbana, a qualidade de vida e os usos urbanísticos.
Em
outras palavras, para que o Município possa exercer sua autonomia legislativa
nesse assunto, é preciso possibilitar e efetivamente garantir o controle
social, isto é, “a participação das respectivas entidades comunitárias no
estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos
que lhes sejam concernentes” (art. 180, II, CE/89 - Silva, José Afonso da,
“Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, 3ª ed., 2000, p. 48). A
participação popular no desenvolvimento urbano é um instrumento legitimador das
normas produzidas na ordem democrática, que, além de possibilitar a discussão
especializada e multifocal do assunto, garante-lhe a própria
constitucionalidade, como robustece o art. 29, XII, da Constituição Federal de
88:
“Por conseguinte, será forçoso
reconhecer que, diante das normas disciplinadoras do Estatuto, não há mais
espaço para falar em processo impositivo (ou vertical) de urbanização, de
caráter unilateral e autoritário e, em consequência, sem qualquer respeito às
manifestações populares coletivas. Em outras palavras, abandona-se o
velho hábito de disciplinar a cidade por regulamentos exclusivos e unilaterais
do Poder Público. Hoje as autoridade governamentais, sobretudo as do
Município, sujeitam-se ao dever jurídico de convocar as populações e, por isso,
não mais lhe fica assegurada apenas a faculdade jurídica de implementar a
participação popular no extenso e contínuo processo de planejamento
urbanístico” (José dos Santos Carvalho
Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro: 2011,
p. 298, g.n.).
Conforme cópia
do processo legislativo acostado aos autos (fls. 107/125 e fls. 132/136),
verifica-se que a lei impugnada contou com a realização de uma única Audiência
Pública em seu trâmite (fl. 134), realizada aos trinta dias do mês de março de
2015. Nesta oportunidade, além de estarem presentes apenas oito pessoas, não
houve qualquer manifestação em relação às questões apresentadas.
Cumpre
destacar, ainda, a indevida publicidade que foi dada à Audiência Pública,
materializada apenas por meio de publicação no periódico “Seminário Estância de
Ibitinga”, com o seguinte teor:
“CONVOCAÇÂO PARA AUDIÊNCIA PÚBLICA
O Prefeito Municipal da Estância Turística de Ibitinga, Dr. Florisvaldo Antônio Fiorentino informa e convida os interessados para ‘Audiência Pública’ de apresentação de assuntos a respeito de projetos de alteração da Lei Complementar 002/2009 e projeto de Lei Complementar 007/2015, a ser realizada no dia 30 de março de 2015, às 14h00min horas, no ‘Auditório Cidade Ternura’ na Rua José Custódio, 360- Centro. Participe.”
Ressalta-se
que, do ato convocatório, publicado tão somente no jornal local, não houve destaque
aos temas a serem tratados, transcrevendo-se apenas os números dos projetos de
lei que motivaram sua realização.
No mais, constou
dos autos a ata de reunião de trabalho do Grupo de Análise de Empreendimentos
(fls. 135/136), convocada a pedido do Prefeito Municipal de Ibitinga, para que
fosse analisada e debatida a viabilidade de se proceder à regularização
fundiária pretendida. No entanto, da mesma forma, sem que se tenha dado a
devida publicidade à reunião, participaram tão somente sete pessoas.
Notadamente, a
imprescindível participação comunitária na discussão e deliberação quanto à
pretendida regularização fundiária não se verificou, no caso. Tanto na
Audiência Pública, quanto na Reunião do Grupo de Análise de Empreendimentos, o
número irrisório de participantes, somado à ausência de debates acerca das
propostas legislativas apresentadas, evidenciam, em verdade, a inexistência de efetiva
participação da população interessada, imprescindível para a conformidade
do projeto com a Constituição Estadual.
O cumprimento meramente
formal, com audiência pública a qual não foi dada a devida publicidade e a
irrisória presença de munícipes, não pode significar obediência aos ditames
constitucionais, se não atingiu os fins colimados pela Carta Bandeirante.
E, para ressaltar a sua importância, a
participação popular deve ocorrer também no que diz respeito a emendas
parlamentares, porque a democracia participativa assegurada no inciso II do
art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual, assim como no inciso XII do art.
29 da Constituição Federal, alcança a elaboração do parcelamento do solo antes
e durante seu processo legislativo até o estágio final de produção da lei.
Assim, se constata violação ao inciso II do art. 180 e ao art. 191 da Constituição Bandeirante, visto que é imprescindível a participação da comunidade para discutir acerca da criação de programa de regularização fundiária no território do Município, pois evidente a significativa alteração do ordenamento urbanístico.
Por fim, sobre a intervenção popular, já decidiu esse E. Tribunal:
“(...)
A participação popular na criação de leis versando política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Ela deve ser assegurada não apenas de forma indireta e genérica no ordenamento normativo do Município, mas especialmente na elaboração de cada lei que venha a causar sério impacto na vida da comunidade.
(...)” (ADIN
n. 0052634-90.2011.8.26.0000 – rel. Elliot Akel – j. 27.02.13)
Conclui-se,
pois, que o processo legislativo do referido diploma legal, responsável por
criar programa de regularização fundiária no Município de Ibitinga, não contou
com efetiva participação popular, ofendendo diretamente os arts. 180, II
e 191 da Constituição Estadual.
4. DA Violação Ao
princípio do planejamento
O
ato normativo impugnado desrespeitou, também, a necessidade de planejamento
técnico, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso
do solo.
Nos
termos dos arts. 180, II e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair
que planejamento é indispensável à validade e legitimidade
constitucional da legislação relacionada ao uso do solo.
Todo
e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo, seja ele geral ou
individualizado (autorização para construção em determinado imóvel,
regularização de construção, alteração do uso do solo para determinada via,
área ou bairro, etc.), deve levar em consideração a cidade em sua dimensão
integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, daí a exigência de
planejamento e estudos técnicos.
O
art. 182, caput, da Constituição
Federal disciplina que “a política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes
gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
O
inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê, ainda, a competência dos
Municípios para “promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.
Em
decorrência dos dispositivos acima apontados, pode-se concluir que: (a) a
adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento
constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso
adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de
diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação
e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração
depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a
legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado
planejamento e participação popular.
A
norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de
transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do
futuro àquilo que é a realidade atual.
Para
que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um
planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a
realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode
decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem
assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar,
trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem-estar de seus habitantes.
O
planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade
dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (art. 48, IV,
182, da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a
obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa
relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento
urbano.
O
planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro
processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma
preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante,
que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.
Discorrendo
a respeito do tema, Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e
plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico.
Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de
transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser
mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por
contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento
jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os
anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de
diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus
desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a
produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan
su Efectividad, conforme a
A
propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:
“Muitos fatores
contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de
meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos,
bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento
substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed.
São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).
A
ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do
planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade,
mediante aplicação de instrumentos legais, como o do zoneamento e de outras
restrições urbanísticas que, como manifestação concreta do planejamento
urbanístico, tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos
edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população,
conformando-os ao princípio da função social.
Para
que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter objetivos públicos,
voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de
quem por ela circule.
Qualquer
atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das
cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais
adequada. Por esse motivo é que alterações das normas que regulam o uso e
ocupação do solo dependem de um estudo que deve levar em conta a situação
existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar
a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento,
tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.
A
sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento,
diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o
casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.
O
ato normativo que trata da regularização fundiária municipal, para viabilizar o
adequado parcelamento do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento
ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na
matéria.
Não se
admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e
dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano
estampadas nas leis de uso e ocupação a ele referentes. Caso contrário,
tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos
realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da
propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano
Diretor do Município de Ibitinga.
Acerca da
importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer
legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:
“(...) a ocupação e o desenvolvimento
dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de
forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da
coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da
natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade
de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a
permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento
econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade.”
(Temas atuais de direito urbanístico e
ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).
No caso em tela, pela análise do
processo legislativo, verifica-se que a lei complementar objeto da impugnação
não está fundada por planejamento urbanístico que busca o crescimento ordenado
da cidade e a melhoria das condições de vida dos cidadãos. Desta feita,
compromete o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus
espaços.
No caso,
houve criação de programa de regularização fundiária no Município de Ibitinga,
com o estabelecimento de critérios voltados ao parcelamento do solo urbano
ocupado em áreas de interesse social ou específico, inclusive possibilitando a
definição de parâmetros urbanísticos e ambientais específicos (arts. 1º e 8º da
Lei Complementar nº 95/2015) sem planejamento.
Tal fato
prescinde e/ou posterga a realização de Estudo de Impacto de Vizinhança/EIV e
do Estudo de Impacto Ambiental, acompanhado do Relatório de Impacto ao Meio
Ambiente/EIA-RIMA, pelos órgãos e técnicos competentes, que poderiam nortear de
forma segura a alteração legislativa, no escopo de garantir a preservação do
meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da cidade.
Deste modo,
patente a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado que dispõe sobre o
uso e ocupação do solo, sem qualquer estudo prévio consistente, por ferir
frontalmente o disposto nos artigos 180, caput
e inciso II, e 181, caput e § 1º,
da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição
Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e § 1º, e 30, inciso VIII, da
Constituição Federal.
Além da
participação popular, tem-se que para a escorreita gestão da administração
territorial urbana, necessário se faz a realização de estudos técnicos feitos
por órgãos especializados, sob pena de se esfacelar todo o arcabouço que
disciplina a matéria e, por sua vez, destruir o chamado Princípio da Coesão
Dinâmica das normas, mencionado pelo Prof. José Afonso da Silva, que serve de
alicerce para as normas de caráter urbanístico.
5 – DA PROIBIÇÃO DE CRIAÇÃO DE NORMAS
URBANÍSTICAS ALHEADAS AO PLANO DIRETOR
A lei complementar objurgada também é
inconstitucional por ofensa aos arts. 180, V, e 181, § 1º, da Constituição do
Estado de São Paulo.
Das normas municipais de desenvolvimento urbano se
impõe compatibilidade às normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição
Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no tocante às limitações
administrativas, que instituam conformidade com diretrizes do plano diretor,
que deve caráter integral (art. 181 e § 1º Constituição Paulista).
A adoção de normas municipais alheadas ao plano
diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas
e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua
compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal
Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se
configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio
direto e frontal à Constituição:
“(...) Plausibilidade da
alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de
projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor,
violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC
2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).
A alteração
pontual promovida pela lei complementar em análise teve como objetivo viabilizar
o parcelamento do solo urbano ocupado em áreas de interesse social ou
específico, cuja envergadura torna indubitável a necessidade de planejamento
prévio adequado, compatível ao plano diretor, além da imprescindível
participação popular.
Nesta
esteira, a alteração legislativa é inconstitucional por contrariar a ideia de microssistema
que norteia a organização do solo urbano.
7 – PEDIDOS
A. DO PEDIDO LIMINAR
Estão
presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum
in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato
normativo impugnado.
A razoável
fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma
clara, que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade.
O perigo da
demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da
vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com
comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem estar da população, à
qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente
poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta,
guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na
ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões
declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.
Por outro lado, de forma paradoxal, a não concessão da
liminar neste momento processual poderá servir de fundamento, no futuro, para
se pleitear e justificar, de forma indevida, a modulação de efeitos, com base
na narrativa de situação consolidada, que poderia ter sido evitada.
Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas
evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que eventualmente já se
verificaram.
De resto,
ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a
excepcional conveniência da medida.
No contexto
das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da
Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem
condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do
exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata
da eficácia da Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município
de Ibitinga.
B. DO
PEDIDO PRINCIPAL
Por todo o
exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do
Município de Ibitinga.
Requer-se,
ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Ibitinga, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos em
que, pede deferimento.
São Paulo, 23 de maio de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
mtjts/mjap
Protocolado nº 117.286/2015
Objeto: representação para controle de constitucionalidade de leis do Município de Ibitinga
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 93, de 15 de abril de 2015, do Município de Ibitinga, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 23 de maio de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
mtjts/mjap